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Passo a passo de delação como a de Cid tem busca de provas e negociação de pena; entenda

Acordo contemplou uma série de exigências até a homologação do Supremo no início de setembro

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São Paulo

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, homologou no início de setembro o acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL).

Na ocasião, Cid foi solto provisoriamente sob condição de usar tornozeleira eletrônica. Nesta sexta (22), porém, teve seu mandado de prisão expedido novamente por Moraes.

De acordo com o gabinete do ministro, Cid foi preso por "descumprimento das medidas cautelares e por obstrução à Justiça".

Ele teve sua delação posta em xeque após a divulgação de áudios em que ele faz críticas tanto à PF como a Moraes. Nas gravações reveladas pela revista Veja, o militar disse que era obrigado a corroborar versões conforme narrativas já construídas pela PF.

O tenente-coronel Mauro Cid, que terá delação avaliada nos próximos dias
O tenente-coronel Mauro Cid, que terá delação avaliada nos próximos dias - Adriano Machado/Reuters

A situação do tenente-coronel se agravou em agosto de 2023, quando uma operação da Polícia Federal trouxe novos detalhes sobre a participação dele e do pai dele (o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid) na venda de joias presenteadas ao governo brasileiro e desviadas do acervo presidencial.

A proposta de delação de Cid foi feita no próprio gabinete do ministro do STF Alexandre de Moraes, que é relator do inquérito dos atos antidemocráticos.

Com a homologação, ele poderia ter pena reduzida ou negociar outras vantagens. A PF reavalia a situação do acordo após a divulgação dos áudios nesta semana.

Veja o roteiro da delação premiada:

Declaração a instituições de controle

O colaborador, neste caso Mauro Cid, decidiu confirmar a culpa e apontar outras pessoas ligadas ao crime, a fim de obter benefícios, como redução da pena.

Acordos do tipo, inicialmente, precisam passar pela Polícia Federal –caso de Cid– ou pelo Ministério Público Federal.

Para efetuar o acordo de colaboração, é preciso assinar um termo de confidencialidade.

A delação sempre pressupõe a indicação de outros possíveis criminosos. "A premissa de uma delação, que a difere de uma confissão, é que, além de declarar a culpa, o colaborador aponta para a cadeia criminosa do caso investigado ou de outros crimes, os participantes, coautores e mandantes", diz o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron.

Rodadas de depoimentos

A autoridade se reúne com o colaborador para coletar depoimentos, que servem para avaliar se os elementos trazidos serão suficientes para selar um acordo.

A jurisprudência brasileira estabeleceu que a palavra oral não é uma prova suficiente, nem mesmo para oferecer uma denúncia a um juiz ou a um tribunal, no caso de quem possui foro.

O colaborador precisa apresentar elementos de corroboração externos para comprovar seu testemunho, como extratos, fatura de cartão crédito, passagens, recibos, mensagens e demais dados que ajudem a comprovar seu testemunho. A falta desses elementos derrubou, nos últimos anos, denúncias que tinham sido apresentadas no âmbito da Operação Lava Jato, investigação que mais usou esse tipo de compromisso.

Cid participou das oitivas.

PF e MPF avaliam colaboração

A terceira etapa é a decisão institucional sobre a utilidade das declarações do colaborador. De acordo com a Lei 12.850, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, cabe à PF ou ao MPF avaliar se há interesse no acordo a partir do testemunho e das provas apresentadas.

Caso haja interesse, o caso é formalizado e avança. Caso não haja, as informações prestadas não poderão ser usadas em hipótese alguma na investigação. Em relação a Cid, a participação é da polícia, que indiciou disposição em seguir com o acordo.

Segundo o advogado criminalista Bruno Salles, o MPF sempre contestou se a polícia teria essa capacidade, mas desde 2018 a PF tem autonomia para celebrar esses acordos, conforme decisão do STF. "No limite, quem irá propor a ação penal ao fim do processo é o MPF, que usa os elementos de prova", diz.

Negociação de benefícios

Paralelo a isso, as autoridades negociam benefícios ao colaborador. A Lei 12.850 determina como possíveis vantagens a diminuição da pena em dois terços ou até pela imunidade.

Durante a Lava Jato, a força-tarefa de Curitiba passou a fazer as chamadas sanções atípicas, que são negociações que extrapolam as duas definidas em lei. O Pacote Anticrime vetou essas sanções, tais como prisão domiciliar, mas no ano passado, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) determinou em ação que elas podem ser aplicadas, de acordo com Salles.

As ações penais atípicas preveem mais flexibilidade no tempo de prisão e diferenciações para o regime de cumprimento da pena, que pode se tornar mais branda e vantajosa ao colaborador.

"Quanto maior, mais importante for a delação do ponto de vista do desvendamento do crime, maior é a redução da pena, até chegar no limite da imunidade penal", afirma Toron.

Definida a vantagem e a multa indenizatória à União, o caso vai para a homologação.

Homologação

Sem considerar o mérito da delação —seu conteúdo—, o juiz decide se o caso cumpre os requisitos legais.

"Na homologação, a autoridade judicial não faz juízo de valor, não define se a prova é boa ou não. O juiz simplesmente verifica se a colaboração cumpre os requisitos legais. Se tudo estiver de acordo com a lei, ele homologa a colaboração e, só a partir daí, ela tem efeito", diz Helena Regina Lobo da Costa, professora de direito penal da USP.

Na Lava Jato, nas situações que envolviam autoridades com foro especial, a homologação ocorreu diretamente no Supremo. No caso de Cid, a proposta foi apresentada ao gabinete de Alexandre de Moraes, que aceitou os termos neste sábado (9).

Acordo passa a ter efeito

Após a homologação, a autoridade fatia o caso em diferentes instâncias e localidades para investigação. A polícia investiga a cadeia criminosa e o MPF, ao fim, pode propor denúncias contra os investigados, arquivar o caso ou pedir novas investigações.

Em sua decisão, o ministro Alexandre de Moraes determinou a liberdade provisória com medidas restritivas, tais como o cancelamento de passaportes e de documentos que comprovem porte de arma, além da proibição de se comunicar com outros investigados.

A decisão determina que o tenente-coronel seja afastado das suas funções do Exército e só possa conversar com sua mulher, Gabriela Cid, sua filha, Beatriz Cid, e sei pai, Mauro Cid.

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