Descrição de chapéu Folhajus forças armadas

Justiça Militar quer pesquisa e novo currículo para reduzir assédio nas Forças Armadas

Proposta apresentada no STM prevê projeto-piloto na FAB; militares vetaram estudo do tipo há dez anos

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Rio de Janeiro

A Justiça Militar quer aplicar uma pesquisa sobre assédio sexual nas Forças Armadas e incluir disciplina sobre violência de gênero no currículo de formação para reduzir os números de casos de abusos contra mulheres militares.

O projeto, apresentado nesta quarta-feira (18) no STM (Superior Tribunal Militar) e apoiado pelos ministros, prevê ações nas áreas de saúde, Justiça, doutrina e pesquisa.

A intenção é iniciá-lo na FAB (Força Aérea Brasileira), que teve mulheres trabalhando na elaboração da proposta, e estender futuramente para a Marinha e o Exército.

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Farde de uma vítima de assédio sexual por um oficial do Exército com uma miniatura da estátua da Justiça - Isabella Campos - 4.jul.23/Folhapress

Como a Folha mostrou em julho, as Forças Armadas têm enfrentado uma série de acusações por assédio sexual nos últimos anos. Os casos envolvem até oficiais superiores e apontam para falhas nas investigações internas conduzidas por militares.

Uma das sugestões do projeto, elaborado pela juíza Mariana Aquino e pela primeiro-tenente da FAB Nívea Silva, é a realização de uma pesquisa para quantificar o número de militares mulheres que consideram ter sofrido assédio no trabalho.

"A pesquisa é muito importante para que a gente tenha um quantitativo das mulheres que reportam assédio para podermos trabalhar com a prevenção. A ideia é ter esses dados porque muitos casos não são reportados. As mulheres deixam de reportar porque têm medo de sofrer represália, de algo ser abafado ou ela mesma sofrer punição", afirmou Aquino, ouvidora da Mulher da Justiça Militar.

Pesquisa do tipo foi vetada pelos comandantes das Forças Armadas em 2015 dentro da extinta Comissão de Gênero do Ministério da Defesa, como mostrou a Folha em agosto deste ano.

Entre as razões apontadas por militares à época estavam a preocupação de "denuncismo vazio" e prejuízo à coesão da tropa.

"Não se poderia dar a entender à tropa que estamos privilegiando a mulher, pois essa percepção poderia afetar a coesão do grupo", disse o general Fernando Freitas em julho de 2015.

A magistrada espera não encontrar resistência das Forças Armadas. "Acredito que não vá encontrar nenhum problema. Até porque podemos contar com o apoio dos ministros do STM que são das Forças para fazer essa interlocução."

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A juíza militar Mariana Aquino, ouvidora da Mulher na Justiça Militar, que elaborou projeto para combate ao assédio sexual nas Forças Armadas - Eduardo Anizelli - 7.jul.23 / Folhapress

A juíza afirma que um projeto voltado para as militares mulheres é necessário porque elas estão num ambiente predominantemente masculino e, ao sofrer assédio, são vítimas duas vezes: como mulher e como militar.

"Ela é a maior vítima de crimes contra a dignidade sexual. Não é um privilégio. Longe disso. É reconhecer a desigualdade dentro do ambiente militar e que essa mulher é duplamente atingida quando existe um crime militar: como mulher e militar. Diante dessa condição peculiar, demanda uma proteção diferenciada", disse ela, que atua na Justiça Militar no Rio de Janeiro.

Levantamento realizado em 2020 por Aquino e pelo juiz Rodrigo Foureaux com mulheres integrantes de forças de segurança (incluindo também PM, Guarda Municipal e bombeiros, entre outros) mostrou que 83% das que declararam ter sofrido assédio sexual no trabalho não denunciaram o caso.

As principais razões foram a descrença na apuração (13,3%), o medo de represálias (12,7%) e da exposição (12,5%).

Segundo os dados, 163 militares das Forças Armadas declararam ter sofrido assédio, número superior ao de investigações abertas nos últimos sete anos. Dentre elas, 87% disseram que o assédio partiu de um superior.

O levantamento, porém, não é suficiente para retratar a frequência de casos nas Forças Armadas porque o questionário foi aplicado após circular em grupos de WhatsApp de militares sem uma metodologia amostral. Ele foi feito sem a autorização dos comandos, o que a magistrada espera obter agora, com apoio do STM.

O projeto prevê também a inclusão de uma disciplina sobre "violência de gênero" nas academias de formação militar e nos cursos de aperfeiçoamento realizados ao longo da carreira.

"A gente quer trabalhar na educação do militar. A ideia é ele saber no que consiste a violência de gênero, suas repercussões jurídicas e na carreira", afirmou a magistrada.

A proposta prevê também a capacitação de profissionais de saúde para que reconheçam um crime militar relacionado à violência de gênero. Ao identificar uma situação do gênero, encaminhariam as vítimas a uma rede de apoio, para acolhimento e orientação jurídica.

"O mais importante é ter o acolhimento e direcionamento", afirmou Aquino.

Dados do STM mostram que 56 ações penais sobre o tema foram abertas a partir de 2018. Desde o ano passado foram 29 denúncias, o equivalente a 3 a cada 2 meses. Ficam de fora desta contagem investigações ainda em curso nas unidades militares ou episódios mantidos em segredo pelas vítimas.

Em sua maioria, trata-se de militares mulheres vítimas de constrangimento e desrespeito em batalhões por colegas da caserna. Elas relatam desde cantadas inadequadas e carinhos não autorizados até ataques físicos diretos em ambientes fechados, sem testemunhas.

As acusações atingiram dois coronéis e dois tenentes-coronéis da FAB. A Folha identificou, no total, 17 ações ou inquéritos abertos contra oficiais do Exército, Marinha e Aeronáutica, elite militar formada para comandar tropas.

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