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Lula adere a 'clubinho de rapazes' e decepciona com mais um homem no STF

Presidente indicou Flávio Dino (Justiça) à corte e em nenhum momento cogitou uma mulher para a vaga de Rosa Weber

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Eloísa Machado de Almeida

Professora e coordenadora do Supremo em Pauta FGV Direito SP

E mais um homem foi indicado ao cargo de ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).

O presidente Lula, depois de ter nomeado seu advogado, Cristiano Zanin, para ocupar a vaga deixada por Ricardo Lewandowski, decidiu nomear o ministro da Justiça, Flávio Dino, para a posição antes ocupada por Rosa Weber.

Com isso –na hipótese de o nome de Dino ser aprovado no Senado— reduzirá a participação de mulheres no STF à presença única da ministra Cármen Lúcia.

O presidente Lula e o ministro Flávio Dino (Justiça), indicado ao STF
O presidente Lula e o ministro Flávio Dino (Justiça), indicado ao STF - Evaristo Sá/AFP

Há um grande debate sobre qual deve ser o perfil de alguém que irá ocupar uma vaga no STF. A Constituição exige idade mínima, nacionalidade brasileira, notável saber jurídico e reputação ilibada. Dois critérios objetivos e dois nem tanto, conferindo grande liberdade de escolha ao nomeador.

Há teorias, parâmetros e estudos que procuram balizar essa decisão, mas será o presidente (responsável pela indicação) e o Senado Federal (responsável pela sabatina e aprovação) que irão concretizar o que notável saber jurídico e reputação ilibada significam, na prática, nos processos de nomeação.

Ninguém espera que um presidente indique alguém com quem não compartilhe ideias e valores. É parte do desenho constitucional que essa escolha do presidente se dirija a alguém que esteja em seu espectro político.

A ponderação da escolha virá do controle a ser feito pelo Senado. De um governo que defende a diversidade, natural esperar a indicação de alguém que defende a diversidade. Mas apenas homens? Reiteradamente homens?

A escolha por mais um homem a compor o STF decepciona, mas não surpreende; afinal, em toda nossa história constitucional, só tivemos 3 mulheres no tribunal —as ministras Ellen Gracie, Cármen Lúcia e Rosa Weber— e 168 homens, vários, um após o outro.

Apesar de o nosso tribunal constitucional apresentar uma discrepância brutal de gênero, com uma taxa de diversidade abaixo da média global, a escolha de mais um homem não é surpreendente mesmo se olharmos para os dados do Judiciário como um todo e, especialmente, na composição dos tribunais.

Em média, 3 em cada 4 desembargadores são homens (conforme pesquisa da Ajufe publicada em 2022).

O abismo entre a presença de homens e mulheres não é, sabemos, uma questão exclusiva do Judiciário.

Mulheres estão subrepresentadas no Legislativo e aparecem pontualmente no primeiro escalão de governos, sempre na iminência de perderem seus cargos para qualquer acomodação política –de um homem, a pedido de outro homem, evidentemente.

Se o nosso olhar se voltar para a presença de mulheres negras, trans, indígenas ou com deficiência, a exclusão se traduz ou em ausência ou em exceção que confirma a regra. No Supremo, ausência total.

São séculos de homens indicando homens. A postura de "clubinho de rapazes" se repete em diversos ambientes, clubes, partidos, empresas, universidades, grupos de WhatsApp.

Nestes clubinhos, homens elogiam, incensam, ajudam, promovem, contratam, indicam outros homens. E se protegem. Sempre há um ótimo argumento para que aquela escolha, a reiterada escolha por um homem, se justifique.

"Ele é de confiança, é próximo". Claro que sim. Os espaços de poder estão repletos de homens, indicados por homens. E, veja, se você, mulher, não faz parte do espaço de poder, você não existe.

"Mas ele é ótimo, super competente". Pode até ser, assim como centenas, milhares e milhões de mulheres que foram preteridas por serem mulheres. "Ele é progressista, é até feminista". Sério?

Governos não podem agir como "clubinho de rapazes". E a questão aqui não é sobre os méritos ou deméritos de uma pessoa em particular. Não são críticas pessoais. Como bem disse a professora Lilia Schwarcz em uma rede social, a ausência de mulheres –e em especial de mulheres negras– é uma preocupação republicana.

A ausência de mulheres –e em especial de mulheres negras– nos espaços de poder é um problema por diferentes razões, seja porque esfrega na nossa cara a sociedade excludente e desigual que somos, seja porque escolhe reiterar hierarquias de gênero, renda e cor.

Além disso, há peculiaridades sobre a ausência de mulheres em tribunais constitucionais. O direito é uma prática que comporta interpretação, disputas por sentido, por visões de mundo. Comporta diferentes perspectivas, caminhos e soluções.

Quanto mais plural e diversa for uma corte, mais argumentos e distintas reflexões concorrerão para a solução de um problema. Por isso, cortes plurais e diversas são consideradas melhores. Por este critério, o Supremo está se tornando pior.

Não é (apenas) pensar em um colegiado quase integralmente composto por homens julgando casos que podem afetar majoritariamente mulheres, e em especial mulheres negras, como aborto, violência doméstica, feminicídio. Isso já é ruim, bem ruim.

Mas, pasmem, mulheres não pensam e agem apenas sobre questões de mulheres. Por isso, o problema é ainda maior: é ter um colegiado quase integralmente de homens julgando todos os temas constitucionais relevantes, pouco importando o que as mulheres têm a dizer sobre o assunto.

Se não fosse o que as mulheres têm a dizer sobre política e sobre o projeto de país, Lula não estaria escolhendo ministros homens para o STF. "Mas ele é ótimo, próximo, progressista, de confiança".

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