Descrição de chapéu Governo Lula forças armadas

Lula é cobrado por entidades de direitos humanos por fala sobre golpe de 1964

Questionado sobre aniversário da ditadura, presidente disse que não quer remoer o passado

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Brasília

Entidades de direitos humanos e da sociedade civil criticaram a declaração do presidente Lula (PT), de que não quer "remoer o passado", a respeito do golpe militar de 1964.

Em uma nota divulgada nesta quarta-feira (28), mais de 150 entidades da Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia classificaram a fala como "equivocada" e defenderam que tratar do golpe "não é remoer o passado, é discutir o futuro".

"Repudiar veementemente o golpe de 1964 é uma forma de reafirmar o compromisso de punir os golpes também do presente e eventuais tentativas futuras", diz o texto.

O presidente Lula (PT) em evento no Palácio do Planalto. - Adriano Machado - 26.fev.24/Reuters

Fazem parte do grupo, entre outros, a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e o Instituto Vladimir Herzog.

"Não aceitaremos que, mais uma vez, os governos negociem ou abdiquem dos direitos das vítimas para poder contemporizar com os militares. Não aceitaremos mais essa tutela cujo preço histórico quem tem pago são os familiares, todos os que foram atingidos por atos de exceção, todos que trabalham pela construção da memória para a defesa da democracia", diz a nota.

Na carta, as entidades defendem ainda ser impossível falar dos ataques golpistas às sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023 sem falar do golpe militar de 1964.

"É a tradição histórica de não punir os golpistas e torturadores do passado que faz com que essas elites econômicas e setores amplos das Forças Armadas se sintam à vontade para continuar buscando soluções de força para impor seus projetos ao país, ao largo da democracia e da soberania popular", diz.

O regime militar (1964-1985) teve uma estrutura dedicada a tortura, mortes e desaparecimento.

Os números da repressão são pouco precisos, uma vez que a ditadura nunca reconheceu esses episódios. Auditorias da Justiça Militar receberam 6.000 denúncias de tortura. Estimativas feitas depois apontam para 20 mil casos.

Presos relataram terem sido pendurados em paus de arara, submetidos a choques elétricos, estrangulamento, tentativas de afogamento, golpes com palmatória, socos, pontapés e outras agressões. Em alguns casos, a sessão de tortura levava à morte.

Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade listou 191 mortos e o desaparecimento de 210 pessoas. Outros 33 desaparecidos tiveram seus corpos localizados posteriormente, num total de 434 pessoas.

O documento divulgado nesta quarta-feira critica ainda a postura adotada pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, avalizada e elogiada por Lula.

"Punir meia dúzia de generais mas não promover mecanismos de adequação da caserna à democracia e de subordinação dos militares ao poder civil significa, em última instância, que o pedido de Bolsonaro por uma 'borracha no passado' estará sendo atendido", completou.

O texto cobra Lula pela instalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), promessa ainda não cumprida no atual mandato.

O colegiado foi extinto no apagar das luzes do governo Bolsonaro, e Lula havia se comprometido em recriá-lo. Ao longo de 2023, ministérios envolvidos deram pareceres favoráveis, mas a medida está parada desde o primeiro semestre na Casa Civil de Rui Costa.

Procurada, a pasta diz que "o texto está em análise pela área técnica e será encaminhado para despacho em momento oportuno".

Para o porta-voz e membro da diretoria-executiva da coalizão, Leo Alves, o sentimento com a declaração de Lula é de "traição", porque consideravam-no um aliado.

"Ele [Lula] até menciona desaparecidos [em sua fala]. Mas então por que menosprezar memória do período? Justo no marco de 60 anos do golpe ele fala um negócio desse? É um desrespeito. A reação dos familiares é essa, sentimento de traição. Inclusive, porque apoiamos sempre o PT e o presidente Lula", disse o músico.

Alves contou ainda que, no ano passado, familiares de vítimas da ditadura tentaram uma audiência com o mandatário mais de uma vez, por meio de ofícios e com ajuda de parlamentares. Em agosto, um grupo fez um pequeno ato em frente ao Palácio do Planalto e nem assim foi recebido.

O episódio contrasta com outro de janeiro do ano passando, quando Lula recebeu Mães da Praça de Maio, em sua viagem na Argentina. Nas redes sociais, contou ter se emocionado no encontro e disse que elas são uma inspiração na defesa da democracia na América Latina.

Ex-coordenador da CNV (Comissão Nacional da Verdade), Pedro Dallari disse que o desejo do presidente de boas relações com as Forças Armadas não deve impedir a reconstituição da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

"É compreensível o desejo do presidente de que o governo e a sociedade mantenham boas relações com as Forças Armadas. Isso não deve impedir, todavia, que a CEMDP seja reconstituída e que as recomendações da Comissão Nacional da Verdade tenham seguimento no âmbito do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania", disse.

Ele completa: "Observo que, na sua manifestação o presidente mencionou a possibilidade do prosseguimento das apurações sobre desaparecimentos políticos, e isso é que é efetivamente importante".

Em entrevista para o programa "É Notícia", da RedeTV!, que foi ao ar na noite de terça-feira (27), Lula evitou fazer críticas mais contundentes à atuação das Forças Armadas no país e disse que prefere não ficar remoendo as consequência do golpe de 1964.

"O que eu não posso é não saber tocar a história para frente, ficar remoendo sempre, remoendo sempre, ou seja, é uma parte da história do Brasil que a gente ainda não tem todas as informações, porque tem gente desaparecida ainda, porque tem gente que pode se apurar. Mas eu, sinceramente, eu não vou ficar remoendo e eu vou tentar tocar esse país para frente", disse Lula.

Ele ainda acrescentou que em nenhum outro momento da história os integrantes das Forças foram tão punidos, como estão sendo atualmente, pelo envolvimento em tramas golpistas de 2022 e por participação nos ataques de 8 de janeiro de 2023.

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