Ex-comandante do Exército complica Bolsonaro e cita discussão sobre minuta golpista

General Freire Gomes respondeu a cerca de 250 perguntas durante depoimento de 7 horas à PF

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Brasília

Ex-comandante do Exército, o general Marco Antônio Freire Gomes disse à Polícia Federal que foi convocado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para reunião em que se discutiram propostas golpistas, incluindo uma minuta com medida para reverter a eleição de Lula (PT), em dezembro de 2022.

Pessoas próximas ao general afirmam que Freire Gomes respondeu a cerca de 250 perguntas sobre os dias finais de sua chefia no Exército, em depoimento que durou mais de sete horas na última sexta-feira (1º).

Ele implicou Bolsonaro como responsável pela manutenção dos acampamentos golpistas e se eximiu da responsabilidade pela participação das Forças Armadas como fiscalizadoras das eleições, ação que colocou em dúvida a confiança das urnas eletrônicas.

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General Freire Gomes e ex-presidente Jair Bolsonaro durante evento do Dia do Soldado, em Brasília - Gabriela Biló - 25.ago.22/Folhapress

Generais ouvidos pela Folha afirmam que, apesar do desgaste institucional de um ex-comandante do Exército depor à Polícia Federal, foi a primeira vez que Freire Gomes teve a oportunidade de contar sua versão dos fatos após uma série de especulações serem levantadas.

Eles ainda dizem que o depoimento era relevante para o general demonstrar que não foi omisso diante de apelos golpistas feitos por Bolsonaro, aliados do ex-presidente e militares.

Como a Folha mostrou, Freire Gomes já vinha atribuindo a Bolsonaro a responsabilidade pela manutenção de acampamentos golpistas em frente aos quarteis.

O relato do general ignorou, porém, que ele próprio disse a todos os generais da ativa em 10 de novembro de 2022 que os acampamentos não deveriam ser reprimidos —também não levou em consideração a nota dos comandantes das Forças Armadas, no dia seguinte, que continha tom considerado elogioso aos manifestantes em frente ao QG do Exército.

O general Freire Gomes é citado no relatório da Polícia Federal sobre o planejamento de um golpe de Estado como um dos militares que teriam sido contrários às investidas contra o resultado eleitoral.

A resistência do militar foi criticada pelo general Walter Braga Netto, que era candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro.

"A culpa pelo que está acontecendo e acontecerá e [sic] do Gen Freire Gomes. Omissão e indecisão não cabem a um combatente", escreveu Braga Netto em mensagem encontrada pela Polícia Federal. O ex-ministro ainda chamou o chefe militar de "cagão".

A Polícia Federal também identificou mensagens de áudio enviadas por Mauro Cid a Freire Gomes que indicavam que o general sabia das minutas de decreto golpistas —o que gerou suspeitas de que o ex-comandante poderia ter sido omisso diante dos planos antidemocráticos.

"O presidente tem recebido várias pressões para tomar uma medida mais, mais pesada, onde ele vai, obviamente, utilizando as Forças, né? Mas ele sabe, ele ainda continua com aquela ideia que ele saiu da última reunião, mas a pressão que ele recebe é de todo mundo. Ele está… É cara do agro. São alguns deputados, né? É né… Então é a pressão que ele tem recebido é muito grande. E hoje o que que ele fez hoje de manhã? Ele enxugou o decreto né? Aqueles 'considerandos' que o senhor viu e enxugou o decreto, fez um decreto muito mais é resumido, né?", disse Cid.

Para prestar o depoimento na sexta, Freire Gomes voltou de uma viagem à Espanha, onde visitava familiares. Ele conversou com militares mais próximos, que mantêm cargos relevantes na estrutura do Exército, e se mostrou disposto a colaborar com as investigações.

O ex-comandante da Aeronáutica Carlos Baptista Júnior está em situação semelhante. Ele prestou depoimento por quase dez horas à Polícia Federal em meados de fevereiro e também confirmou a participação em reuniões de tom golpista no Palácio da Alvorada.

Baptista Júnior e Freire Gomes afirmaram a interlocutores terem apresentado oposição às intenções antidemocráticas; o único que teria manifestado apoio às investidas, segundo a delação do tenente-coronel Mauro Cid, foi o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos.

O almirante foi chamado a depor à PF no último dia 22. Ele, porém, optou pelo silêncio.

Investigadores querem concluir rapidamente as apurações que miram Bolsonaro. A meta é finalizar os três inquéritos que têm o ex-presidente na mira até junho.

O último que deve ser encerrado é justamente o das milícias digitais, que trata da investigação sobre uma trama para dar um golpe de Estado.

Os outros dois envolvem o recebimento de um pacote de joias da Arábia Saudita e a fraude no cartão de vacinação do ex-mandatário. Esses inquéritos devem ser concluídos antes, pelo cronograma estabelecido pela PF.

Além desses militares, a polícia colheu depoimento de outros generais, ex-ministros, ex-assessores, e aliados de Bolsonaro. Ao menos 24 pessoas prestaram depoimento no mês passado. A maioria optou pelo silêncio, como fez o ex-presidente, mas ao menos quatro pessoas falaram.

Segundo investigadores, houve entre os depoentes quem demonstrasse interesse em colaborar com a PF por meio de delação premiada. Quem acompanha o caso, porém, pondera que foram demonstradas apenas intenções iniciais e que essas colaborações podem não avançar.

Embora tenha ficado calado no depoimento, Bolsonaro aproveitou um ato que organizou na avenida Paulista, no dia 25 de fevereiro, para se defender das acusações de que tramou um golpe.

Mas, na avaliação de investigadores, ele acabou produzindo prova contra si mesmo. Isso porque, para a PF, ele admitiu ter conhecimento sobre a existência de uma minuta golpista.

"Agora o golpe é porque tem uma minuta do decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição? Tenha paciência", afirmou Bolsonaro durante o protesto.

A PF pretende inserir a fala no contexto da investigação. A defesa de Bolsonaro, por sua vez, afirma que ele tomou conhecimento da minuta apenas em 2023, por meio de investigações da polícia.

Dos militares intimados a depor, o general Braga Netto, que foi candidato a vice-presidente em 2022, decidiu ficar calado. Sua defesa disse que solicitou o "acesso absoluto e integral a toda investigação para que possa prestar os devidos esclarecimentos".

Os generais Augusto Heleno, Mario Fernandes e Paulo Sérgio Nogueira, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos e outros militares alvos da investigação também ficaram em silêncio.

Já o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, disse que ele "respondeu todas as perguntas que lhe foram feitas". A mesma coisa fez o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, que "respondeu serenamente a todas as perguntas que lhe foram formuladas", segundo sua defesa.

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