Abin sob Bolsonaro enviou drone a ato pró-voto impresso

Equipamento sobrevoou, na véspera da manifestação, área de segurança perto de onde Camilo Santana morava

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Brasília

O drone da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) que teria espionado o então governador do Ceará e hoje ministro da Educação, Camilo Santana (PT), foi enviado ao estado para registrar o ato convocado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a favor do voto impresso, segundo relatos feitos à Folha.

O drone foi flagrado próximo à residência oficial do Governo do Ceará em 31 de julho de 2021, véspera da manifestação pró-voto impresso realizada em 1º de agosto de 2021 em todo o país.

O ministro da Educação, Camilo Santana, em evento no Palácio do Planalto - Gabriela Biló - 26.jan.24/Folhapress

A decisão de enviar os drones a parte das superintendências da Abin, incluindo a do Ceará, foi tomada pelo então diretor-geral da agência, Alexandre Ramagem (PL-RJ), hoje deputado federal e pré-candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro.

Pessoas que acompanharam o episódio envolvendo o ministro da Educação afirmam que a Abin havia recebido os equipamentos meses antes da manifestação e que, àquela altura, existia apenas um grupo pequeno de servidores com habilitação para operar o equipamento —nenhum deles em Fortaleza.

Mesmo sem pilotos em número suficiente, a cúpula da Abin queria que os drones fossem usados para obter imagens exclusivas e não depender de registros da imprensa —alvo de uma campanha de ataques e desconfiança capitaneada por Bolsonaro.

Os relatos sobre o uso do drone na manifestação são reforçados por um arquivo localizado pela Polícia Federal com o ex-coordenador-geral de Operações de Inteligência da Abin Paulo Magno de Melo Rodrigues Alves —alvo de busca e apreensão em outubro, na primeira fase da operação que investiga a suspeita de espionagem ilegal no governo Bolsonaro.

A PF afirmou que Paulo Magno havia sido flagrado pilotando o drone, mas, como mostrou a Folha, a informação estava errada.

Parte do documento encontrado com Magno foi transcrito pela PF no relatório apresentado ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, ao qual a reportagem teve acesso.

No texto, Magno afirma que foi contra o envio definitivo dos drones às superintendências porque o emprego dos equipamentos na agência "ainda era muito recente" e "as superintendências, naquele momento, ainda não possuíam pilotos qualificados".

"Em atendimento à demanda da Direção-Geral", no entanto, o departamento "encaminhou drone, acompanhado de piloto devidamente habilitado", a quatro das seis superintendências solicitadas "com um dia de antecedência", segundo o ex-diretor da Abin.

"A fim de minimizar a falta de conhecimento das superintendências em pilotagem do equipamento, encaminhamos os servidores do Doint [Departamento de Operações de Inteligência] com um dia de antecedência, de forma a permitir que o piloto repassasse ao menos conhecimentos básicos que permitissem uma familiarização inicial de um servidor local com o equipamento. Contudo, o emprego do equipamento no dia seria feito pelo piloto habilitado e apenas acompanhado pelo servidor local", diz trecho do texto.

Como mostrou a Folha, o equipamento flagrado perto da residência oficial do governador do Ceará era pilotado por um oficial de inteligência que havia sido deslocado de Brasília e por uma servidora da Abin lotada na superintendência do Ceará.

Ao serem abordados pelos guardas que fazem a segurança do governador, eles alegaram que o voo era apenas para treinamento e que não sabiam que estavam perto do Palácio da Abolição, onde o uso de drones é proibido.

Já o arquivo localizado com o ex-diretor, segundo a PF, era um esboço da justificativa a ser apresentada por ele caso fosse incluído no processo administrativo disciplinar aberto contra os servidores identificados pelo governo cearense —o que não ocorreu. O processo administrativo disciplinar aberto contra a dupla foi arquivado pela Abin em 2022.

No dia da manifestação a favor do voto impresso, Ramagem publicou nas redes sociais uma imagem aérea da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e disse que o "voto auditável" significava a "evolução das urnas eletrônicas", além de "segurança ao pleito eleitoral".

"Voto auditável significa evolução das urnas eletrônicas e segurança ao pleito eleitoral. Assegura integridade e transparência aos resultados do sufrágio universal. Compromisso com a representação popular e a democracia. Eleições democráticas com contagem pública dos votos."

Imagem mostra publicação na rede social X; é possível ver uma foto aérea da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, no dia 1º de agosto de 2021, data de ato a favor do voto impresso
Publicação feita por Ramagem em 1º de agosto de 2021 com imagem de ato pró- voto impresso em Brasília - Redes sociais

No dia, Bolsonaro discursou em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte por meio de videochamada e insuflou os manifestantes com discurso golpista. "Sem eleições limpas e democráticas não haverá eleição", disse ao público da capital federal.

Além de pedir voto impresso nas eleições de 2022, bolsonaristas carregavam faixas com pedidos de intervenção das Forças Armadas, além de ataques ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e ao STF.

Em nota, Ramagem afirmou que o envio de drones para superintendências ocorre dentro das atribuições da Abin para o cumprimento de demandas específicas e gerais. O deputado disse ainda que não foi intimado a depor e que sua defesa não teve acesso à documentação da operação que investiga a suspeita de espionagem.

"O direcionamento de drones para superintendências visa cumprir demandas específicas e gerais de diretorias e das superintendências, dentro das atribuições da Abin. Tais equipamentos só podiam ser operados por servidores capacitados ou em capacitação", declarou.

"A Folha insiste na apuração de questionáveis suposições a partir de investigações sobre as quais meus representantes legais não tenham tido acesso e sobre as quais sequer fui intimado a depor. Investigações essas que a própria Folha já vem refutando."

Procurada, a Abin afirmou que não comenta sobre meios e técnicas operacionais nem sobre o inquérito em andamento, que está sob sigilo.

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