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Abin sob Bolsonaro rastreou políticos, juízes e jornalistas, suspeita PF

Operação mira uso ilegal de sistema de monitoramento no governo anterior; dois servidores são presos, e Moraes manda afastar atual número 3 de agência

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Brasília

A Polícia Federal suspeita que a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) usou ilegalmente, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), um sistema secreto de monitoramento de celulares contra jornalistas, políticos e adversários do ex-presidente.

Os indícios colhidos pela PF levaram à deflagração, nesta sexta-feira (20), de uma operação para investigar o rastreio irregular da geolocalização de oponentes do governo anterior (2019-22).

Foram cumpridos 25 mandados de busca e apreensão e dois de prisão preventiva nos estados de São Paulo (2), Santa Catarina (3), Paraná (2) e Goiás (1), além do Distrito Federal (17).

Dois servidores suspeitos de coerção foram presos —Rodrigo Colli e Eduardo Arthur Yzycky, segundo a Folha apurou.

Além de buscas e prisões, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou o afastamento de Paulo Maurício Fortunato Pinto, atual número 3 da Abin, e de outros quatro servidores.

Fortunato foi ainda alvo de uma busca e apreensão em sua casa. Na ocasião, os investigadores encontraram US$ 171 mil em espécie. A PF vai investigar a origem do dinheiro, já que mantê-lo em casa em si não é crime.

A sede da Abin também foi alvo de buscas nesta sexta. Segundo relatos, a PF levou os computadores de todos os suspeitos, incluindo as máquinas usadas por Fortunato.

Entrada da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Segundo apuração da Folha, a PF aponta que o software foi utilizado contra adversários de Bolsonaro. A reportagem não conseguiu contato com as defesas dos alvos da operação.

O software investigado permite acesso a dados de geolocalização, mas não o conteúdo dos aparelhos — ou seja, não possibilitaria que ligações ou conversas fossem grampeadas.

A Folha apurou que a PF identificou o uso do software 33 mil vezes. Desse total, 1.800 teriam como alvo políticos, jornalistas e adversários do governo Bolsonaro.

A Abin divulgou nota em que afirma que os servidores na mira da PF foram afastados de forma cautelar e que o sistema secreto de monitoramento deixou de ser usado em maio de 2021.

Segundo a PF, a suspeita é que servidores da agência tenham usado o software de geolocalização para invadir "reiteradas vezes" a rede de telefonia e acessar os dados de localização dos alvos.

O processo aberto pela corregedoria-geral da Abin sobre o uso do sistema espião foi concluído em 23 de fevereiro deste ano. A partir das conclusões, segundo a agência, foi aberta uma sindicância investigativa em 21 de março.

A Folha apurou que Colli e Yzycky —presos nesta sexta— não trabalhavam com o software e eram investigados internamente por outra razão, mas, segundo a PF, são suspeitos de coagir servidores da Abin para evitar a demissão.

O processo administrativo disciplinar já havia sido concluído, mas os dois continuavam na agência. Segundo a PF, eles teriam "utilizado o conhecimento sobre o uso indevido do sistema como meio de coerção indireta para evitar a demissão".

Afastado por Moraes, Fortunato atuou durante o governo Bolsonaro como diretor de Operações de Inteligência da agência —área responsável por adquirir e manusear o software de monitoramento dos celulares.

Ele foi nomeado como secretário de Planejamento e Gestão, o terceiro cargo mais alto na estrutura da Abin, pelo atual chefe da agência, Luiz Fernando Corrêa, quando ainda não era investigado pelas suspeitas do uso do software.

Paulo Mauricio Fortunato Pinto, diretor da Abin afastado pelo STF
Paulo Mauricio Fortunato Pinto, diretor da Abin afastado pelo STF - Divulgação

A Abin adquiriu sem licitação um software de monitoramento de localização de celulares em 2018, no fim da gestão de Michel Temer, por R$ 5,7 milhões. Na época, o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) estava sob o comando do general Sérgio Etchegoyen.

A ferramenta chama-se FirstMile e permite rastrear os dados de GPS de qualquer pessoa pelos dados transferidos de seu celular para torres de telecomunicação.

O software israelense é vendido no Brasil pela empresa Cognyte. Um dos representantes da empresa é Caio Cesar dos Santos Cruz, filho do general da reserva e ex-ministro do governo Bolsonaro Santos Cruz. Ele foi alvo de buscas nesta sexta e prestou depoimento à Polícia Federal.

Esse sistema secreto foi usado por servidores da Abin nos três primeiros anos do governo Bolsonaro sem nenhum protocolo oficial ou autorização judicial para monitoramento dos alvos da agência, como revelou o jornal O Globo.

O software permite realizar consultas de até 10 mil celulares a cada 12 meses. Era possível, ainda, criar alertas em tempo real, para informar quando um dos alvos se movia para outros locais.

O então ministro chefe do GSI, general Augusto Heleno, e o na época diretor da Abin Alexandre Ramagem, durante cerimônia no Palácio do Planalto
O então ministro chefe do GSI, general Augusto Heleno, e o na época diretor da Abin Alexandre Ramagem, durante cerimônia no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 16.dez.20/Folhapress

O deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que chefiou a Abin durante o governo Bolsonaro, publicou uma mensagem nas redes sociais em que defendeu que as investigações não sejam levadas por "falsas narrativas e especulações".

Ele destacou que o sistema foi adquirido antes da gestão Bolsonaro. "O referido sistema não faz interceptação, mas demonstrava fazer localização. Mesmo tendo passado por prova de conceito técnico e parecer favorável da AGU [Advocacia-Geral da União] para aquisição (2018), nossa gestão resolveu encaminhar à corregedoria para instaurar correição", disse.

"A operação de hoje só foi possível com esse início de trabalho de austeridade promovido na nossa gestão (governo Bolsonaro)", afirmou.

A operação da PF gerou reação do mundo político.

"Interceptações telefônicas têm regras rigorosas: só podem ocorrer com autorização judicial e para investigação de crimes. Jamais para espionagem de políticos, magistrados ou jornalistas, como há indícios quanto ao passado", disse o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), numa rede social.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que os indícios apontam para algo "gravíssimo".

"Pelos indícios apresentados, do uso de uma instituição de Estado para esta finalidade de perseguição política, é algo gravíssimo que deve ser exemplarmente reprimido."

Diante das reações, o atual diretor-geral da Abin deve participar de uma reunião secreta na Comissão Mista de Controla das Atividades de Inteligência do Congresso na próxima semana. Corrêa foi chamado para esclarecer as suspeitas de monitoramento ilegal.

COMO É O PROGRAMA?

  • A ferramenta FirstMile permitia monitorar os passos de até 10 mil pessoas a cada 12 meses. Para iniciar o rastreio, bastava digitar o número de celular da pessoa.
  • O programa cria um histórico de deslocamentos e permite a criação de "alertas em tempo real" da movimentação de alvos em diferentes endereços.
  • O software foi comprado por R$ 5,7 milhões da israelense Cognyte, com dispensa de licitação, no final do governo Michel Temer (MDB). A ferramenta foi usada pelo governo Bolsonaro até meados de 2021.

Colaborou Thaísa Oliveira, de Brasília

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