Descrição de chapéu forças armadas

Ação de comandante permitiu condecoração a Bolsonaro por ajudar soldado que se afogava

Pedido que levou à entrega da Medalha do Pacificador foi do próprio ex-presidente e contou com ajuda de pai de Mauro Cid

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Brasília

Ainda deputado federal, Jair Bolsonaro (PL) precisou contar com a benevolência do ex-comandante do Exército Enzo Martins Peri para conseguir a Medalha do Pacificador com Palma —uma das principais honrarias militares.

A condecoração foi entregue ao capitão reformado em 2018, por uma ação de 40 anos antes, em 1978, quando Bolsonaro ajudou a retirar da lagoa um soldado que se afogava.

A medalha é concedida para militares e civis que, em tempos de paz, tenham realizado "atos pessoais de abnegação, coragem e bravura, com risco de vida".

Os documentos internos do Exército, obtidos pela Folha, mostram que o processo de apuração do caso ouviu somente militares sugeridos por Bolsonaro em sindicância, que precisou da ajuda do general Enzo Peri para ser aberta.

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Jair Bolsonaro ao lado do colega de Exército Celso Luiz, que foi salvo de um afogamento em 1978 pelo ex-presidente eleito; pelo ato, o político recebeu em Brasília a Medalha do Pacificador - Pedro Ladeira - 5.dez.18/Folhapress

O próprio Jair Bolsonaro pleiteou a medalha em setembro de 2013. Ele enviou um ofício ao então comandante do Exército, Peri, pedindo a abertura de um processo interno para avaliar a entrega da honraria.

No documento, Bolsonaro conta que em 1978, como aspirante a oficial, estava num acampamento com outros militares quando o soldado Celso Moraes Luiz se desequilibrou das cordas usadas para atravessar uma lagoa, caiu na água e começou a afundar.

"A par de não ter curso específico de salvamento e do afogando se tratar de pessoa com compleição física avantajada, não hesitei em, rapidamente, tirar os coturnos e a gandola e mergulhar na lagoa para tentar salvar o soldado", escreveu Bolsonaro.

O hoje ex-presidente disse que mergulhou pela primeira vez e não encontrou Celso submerso na água barrenta. "Entretanto, independente das condições adversas fiz a segunda tentativa e, felizmente, consegui localizá-lo e o conduzi até a margem."

O capitão reformado afirmou que foi "cumprimentado e elogiado por diversos militares" porque se expôs "a risco de vida para salvar um subordinado". Ele relatou ainda que o salvamento teve "grande repercussão" e poderia ser confirmado por oito de seus amigos, cujos nomes foram enviados em anexo.

O episódio ocorreu no 21º Grupo de Artilharia de Campanha, no Rio de Janeiro.

O despacho favorável à abertura do processo interno foi do chefe de gabinete do comandante do Exército, general Mauro Lourena Cid —pai do tenente-coronel Mauro Cid e colega de turma de Bolsonaro na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras).

O capitão Luiz Eugênio Cardoso Rangel Serra foi o responsável por conduzir a sindicância, que consistiu nos depoimentos de Bolsonaro, Celso e os demais sete amigos do então deputado listados no documento.

O soldado Celso era descrito pelos documentos formais do Exército como um homem com "cútis preta, cabelos pretos carapinhos, barba e bigode raspados, olhos castanhos escuros, com 1,73 m de altura, tipo sanguíneo ‘A’, sem sinais particulares". Na época, ele pesava entre 70 e 80 kg.

Em seu depoimento no processo, Celso disse que fazia uma pista de obstáculos quando perdeu o equilíbrio e caiu na lagoa. "Perguntado se acha que correu risco de vida ao cair no lago disse que com certeza e que tem pavor de água até os dias de hoje, medo de praia, raio, cachoeira, etc.", diz trecho do termo de inquirição do soldado.

"Foi um fato que mostra que Bolsonaro é uma pessoa boa e humana, pois foi o único que se manifestou para salvar-lhe. E que se não fosse Bolsonaro não estaria aqui hoje prestando essas informações. Disse ainda que é muito grato ao aspirante Bolsonaro."

As versões de todas as testemunhas indicadas por Bolsonaro no processo são parecidas, apesar de terem se passado 35 anos do fato apurado pelo capitão Luiz Eugênio.

Jair Bolsonaro fala com a imprensa após participar de evento no Quartel General do Exército, em Brasília, quando recebeu a Medalha do Pacificador - Pedro Ladeira - 5.dez.2018/Folhapress

"Se Bolsonaro não tivesse pulado no lago para salvar o soldado, ele teria afogado, pois os soldados eram inexperientes", disse o soldado José Carlos da Silva. "Bolsonaro arriscou sua vida entrando na lagoa para salvar o ex-soldado Celso [...] pois ele era ‘massudo’ e forte", concordou o 2º tenente Nelson Alves Rabello.

Vagner Lima Martins disse acreditar que Bolsonaro correu risco de morrer porque Celso era "forte e poderia dificultar o salvamento em um momento de desespero". "Corajosamente Bolsonaro se jogou no lago e conseguiu salvar o companheiro", relatou Juvenil Farias da Silva, outra testemunha indicada pelo então deputado.

No relatório final da apuração, o capitão Luiz Eugênio afirmou que o processo só foi instaurado porque tratou-se de uma "iniciativa pessoal do comandante do Exército". Se não fosse uma decisão do chefe da Força, o processo para a concessão da medalha teria caducado em 1979.

"O salvamento do então soldado Celso por Bolsonaro, (sic) destaca os atributos abnegação, coragem e bravura deste, pois no momento que o Acidentado se afogava na lagoa, o Proposto foi o único, dentre todos os militares presentes no local da instrução, que se lançou na água para salvá-lo", concluiu favoravelmente o capitão.

Apesar de o processo interno ter sido encerrado em 2013, somente após a eleição de 2018 o então presidente eleito Bolsonaro foi chamado pelo então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, para receber a condecoração.

Na ocasião, Bolsonaro disse a jornalistas que decidiu pedir a medalha ao Exército para combater as acusações de que era racista.

Em 2013, ele era alvo de um inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) que apurava se havia cometido racismo contra Preta Gil ao dizer à artista que seus filhos não se apaixonariam por mulheres negras.

"Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco, e meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o teu", respondeu o político.

Na condecoração, Bolsonaro levou Celso a tiracolo. Posicionou-o ao seu lado esquerdo e o apresentou à imprensa.

"Está do meu lado o soldado Celso, que poderia até falar com vocês. E nós requeremos essa medalha quando começou a avolumar acusações que eu seria racista. E o soldado Celso, todo mundo vê, é um afrodescendente. Fui atrás dele, arrisquei a minha vida da mesma forma", disse Bolsonaro ao apresentar o soldado aos jornalistas.

"É uma grande amizade que começou no ano de 1978 e que continua até hoje", disse Celso. Quando foi questionado se devia a vida a Bolsonaro, respondeu: "Abaixo de Deus, sim".

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