Descrição de chapéu Eleições 2024

Boulos, Nunes e Tabata travam disputa pelo posto de 'candidato legítimo' da periferia

Principais postulantes à Prefeitura de SP têm conexão com extremo sul e trocam ataques entre 'perifake' e 'prefake'

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São Paulo

Não estranhe se vir algum pré-candidato a prefeito de São Paulo falando mano, vestindo boné de aba reta no estilo usado pelos rappers, produzindo material em cima de uma laje ou exaltando a conexão com a periferia.

É que os principais cotados à vaga sabem que, se quiserem conquistar o edifício Matarazzo, sede do Executivo no centro da cidade, precisarão antes convencer quem vive nos extremos.

A eleição deste ano tem uma condição inédita: pela primeira vez, os três mais bem colocados na disputa cresceram ou vivem na periferia da cidade.

Guilherme Boulos (PSOL), Ricardo Nunes (MDB) e Tabata Amaral (PSB)
Guilherme Boulos (PSOL), Ricardo Nunes (MDB) e Tabata Amaral (PSB) - Marlene Bergamo/Folhapress

Ricardo Nunes (MDB) e Tabata Amaral (PSB) foram criados em bairros pobres da zona sul, enquanto Guilherme Boulos (PSOL) se mudou para a mesma região anos atrás. Na prática, isso gera uma espécie de competição pelo posto de candidato legítimo dessa região.

Um exemplo disso acontece nas provocações do prefeito Nunes a Boulos, a quem chama de perifake.

"Eu morei na periferia, depois eu trabalhei, estou hoje numa outra situação, mas de forma verdadeira, sem ser perifake, sem fazer uma ação de marketing de morar na periferia", disse Nunes, durante entrevista, referindo-se ao adversário.

A Folha perguntou sobre o apelido a Boulos, que rebateu: "Eu moro em Campo Limpo, vai lá ver a casa que ele [Nunes] mora em Interlagos. Ele é um prefake".

Enquanto ambos se provocam, Tabata tem apostado no arco da própria história –da jovem estudante da periferia que se formou em Harvard.

A disputa pela simpatia da população periférica, claro, vai muito além dos trocadilhos com a palavra fake e histórias de superação. Ela envolve cabos eleitorais graúdos, estrutura político-partidária e todo um planejamento sobre quais são as principais necessidades de quem mora nas regiões mais afastadas do centro.

Como todo prefeito, Nunes tem a máquina municipal ao seu dispor, capaz de atenuar problemas que sempre afetam mais a população periférica.

Embora seja apoiado por Jair Bolsonaro (PL), ele foge da nacionalização da campanha e aposta na resolução de problemas práticos como ruas esburacadas, mato alto e escolas precisando de reforma para conquistar a população mais pobre.

Alguns programas como o de tarifa zero no transporte aos domingos e a fila zerada de creches são vistos como de muito apelo à população mais pobre.

Ele conta com cabos eleitorais mais discretos que o ex-presidente, mas que possuem capilaridade e podem justamente se dedicar a olhar a vida prática: os vereadores paulistanos e candidatos ao posto. Estima-se entre aliados de Nunes que haverá cerca de 500 nomes concorrendo à Câmara.

Entre os aliados que farão parte desse "exército" está o influente presidente da Câmara de São Paulo, Milton Leite (União Brasil). Leite possui uma rede informal de apoio que inclui movimentos sociais, clubes de futebol, funcionários de empresas de ônibus e escola de samba, entre outros.

Um dos movimentos próximos de Leite que vem divulgando o prefeito é o Salve Periférico. Nunes, inclusive, já elogiou o grupo e até posou com um boné dele.

Nas ruas da zona sul, é comum encontrar placas agradecendo a Leite por melhorias nos bairros. Circulando pela periferia, a reportagem já encontrou materiais similares que também agradeciam a Nunes.

Entre aliados do prefeito, o discurso comum é que ele não faz jogo de cena em relação à periferia e realmente viveu aquela realidade.

Nunes costuma dizer que foi morar no Parque Santo Antônio, bairro periférico da zona sul, quando um negócio de sua família quebrou. Ali, ele estudou em escola pública e usou o SUS (Sistema Único de Saúde), por exemplo.

A história é usada como contraste em relação a Boulos, que nasceu em Pinheiros e viveu na Pompeia, dois bairros de classe média alta da zona oeste. Só depois de adulto se mudou para a periferia e hoje vive em uma casa de dois quartos com a família no Campo Limpo (zona sul).

Faixa com agradecimento a Ricardo Nunes e à família Leite na zona sul de SP
Faixa com agradecimento a Ricardo Nunes e à família Leite na zona sul de SP - Rubens Cavallari/Folhapress

Filho de médicos conhecidos, Boulos não nega sua origem em bairros de classe média alta. Mas o estilo de vida simples que leva, a começar pelo seu carro, o já famoso Celtinha, acaba fazendo parte da composição de sua imagem. O deputado já repetiu algumas vezes que as pessoas da periferia não são apenas números para ele, mas seus vizinhos.

Pesquisa Datafolha que mostrou Boulos e Nunes empatados tecnicamente aponta que o ex-líder sem-teto tem um desafio pela frente. Ele vai bem entre eleitores mais ricos e escolarizados, mas leva desvantagem em relação a Nunes entre as pessoas mais pobres e com menos estudo, que se concentram na periferia.

O perfil do eleitorado do deputado federal foge do padrão do PT, que vai melhor nos extremos da cidade.

A principal aposta do deputado para conquistar esses votos é justamente o envolvimento direto do presidente Lula (PT) em sua campanha.

Enquanto Nunes conta com a prefeitura para mostrar serviço, Boulos tem se apoiado nas propostas do governo Lula, como o anúncio de uma universidade federal em Itaquera (zona leste).

Marta Suplicy (PT), que deve ser companheira de chapa de Boulos, é outro trunfo neste sentido. A ex-prefeita ainda mantém popularidade nos extremos da cidade, onde vitrines criadas por sua gestão, como os CEUs (Centros Educacionais Unificados) e o Bilhete Único, ainda são lembrados como pontos positivos.

Marta já tem acompanhado Boulos em alguns eventos, e a ideia é que a presença dela cresça quando a campanha propriamente dita começar. Embora não conte com tantos vereadores quanto Nunes, Boulos também terá apoio dos parlamentares do PSOL e do PT —esta última sigla tem conexões com movimentos sociais e com setores da Igreja Católica.

Correndo por fora, o grande desafio da deputada federal Tabata Amaral é se tornar mais conhecida. Isso inclui fazer chegar à população a sua história.

O lançamento da pré-candidatura da deputada foi na laje da casa onde cresceu e ainda mora sua mãe, na Vila Missionária (zona sul), numa estratégia para exaltar a imagem de ligação com a periferia e sua origem humilde.

Tabata Amaral com com sua mãe, Maria Renilda, na laje da casa da familia no bairro Vila Missionaria
Tabata Amaral com com sua mãe, Maria Renilda, na laje da casa da família no bairro Vila Missionaria - Eduardo Knapp/Folhapress

Tabata mora atualmente em um apartamento na região do Itaim Bibi (também na zona sul), perto do parque Ibirapuera, para facilitar seus deslocamentos para o escritório político, compromissos externos e as viagens a Brasília para as sessões no Congresso. Ela continua, no entanto, frequentando a casa da família.

Na pré-campanha, a proposta da deputada é eliminar os abismos entre periferia e bairros ricos, apontando para a própria vida como um norte que também pode servir de exemplo a outras pessoas com a mesma origem que ela.

Aliados da parlamentar destacam também que projetos dela, como o de distribuição de absorventes e de criação de uma poupança para estudantes, são voltados a jovens de famílias de baixa renda.

O partido de Tabata só possui dois vereadores na Câmara de SP, o que a deixa em desvantagem em relação a Nunes e Boulos nesse quesito. Uma delas também, porém, é Jussara Basso, moradora da periferia e ex-coordenadora do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), ligado a Boulos.

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