Cidade da Grande SP sem jornalismo local tem eleições acirradas e violação de direitos

Pirapora do Bom Jesus é um 'deserto de notícias'; moradores se informam por boca a boca e redes sociais

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Sarah Fernandes Jacqueline Maria da Silva Arthur Ferreira
Agência Mural

Imagine morar em uma cidade sem acesso a informações confiáveis sobre a administração pública. Como saber sobre o uso do dinheiro público? O que prefeitos e vereadores estão fazendo?

Essas são as dúvidas de 26,7 milhões de brasileiros em quase metade (48,7%) dos municípios considerados desertos de notícias pelo Atlas da Notícia. Nesses lugares, não há jornalismo local acompanhando e fiscalizando a vida na cidade, funções essenciais da imprensa na democracia.

A imagem captura uma cidade histórica, com uma igreja de fachada amarela e detalhes arquitetônicos clássicos em destaque. Ao fundo, colinas emolduram o cenário urbano
Região central de Pirapora do Bom Jesus (SP) - Léu Britto/Agência Mural

Um desses municípios é Pirapora do Bom Jesus, na Grande São Paulo, um dos mais pobres da região metropolitana. Sem jornais locais, os moradores dependem de carros de som da prefeitura, redes sociais e boca a boca para se informarem.

"É difícil se informar porque a cidade não tem um jornal próprio. Se você não frequentar a igreja ou a sessão da Câmara, você não é informado," diz Antônio Juarez de Oliveira, comerciante local.

A lista de fontes de informação dos piraporanos inclui ainda grupos de WhatsApp, site da prefeitura, perfis em redes sociais e avisos nas igrejas, além dos canais de vereadores.

São nove vereadores no legislativo municipal, com presenças diversas nas redes sociais, especialmente no Instagram. Na oposição estão Helton Bananinha (Republicanos), Elias Araújo (Republicanos) e Roge Baudichon (União), pré-candidato a vice-prefeito e conhecido como "fiscal do povo".

Com seu "gabinete móvel", ele percorre a cidade gravando vídeos sobre falta de remédios, saneamento e atendimento médico, além de divulgar suas ações sociais.

"Tudo da cidade a gente ouve da boca de um vereador. Ficamos sem notícias que não sejam de um político," lamenta Jeanderson Gomes dos Santos, trabalhador da construção civil e morador do bairro periférico Parque Paiol, o mais populoso de Pirapora.

Esse tom de "assessoria de imprensa", como define o morador e designer Mário Rodrigues, incomoda. "Eu percebo que nas cidades vizinhas as pessoas têm voz mais ativa para cobrar da gestão pública, acho que por terem mais acesso à informação."

A população do Parque Paiol enfrenta mais dificuldades, muitas vezes precisando ir ao centro confirmar informações sobre campanhas de vacinação ou atividades extracurriculares para crianças. "É como se fossem cidades divididas: o centro e o Parque Paiol," define a cabeleireira Aline Morais.

O bairro reúne um comércio aquecido, tem o maior número de eleitores e também os principais problemas socioeconômicos, inclusive a falta de informações oficiais e confiáveis sobre a cidade.

"Minha filha fez Projovem (Programa Nacional de Inclusão de Jovens), conseguiu o primeiro emprego, estudou e hoje está em Portugal", conta a estudante de pedagogia Maria de Fátima, moradora do centro da cidade. "Meu filho não se matriculou no programa porque as vagas acabaram antes de eu ficar sabendo que estavam abertas", lamenta a profissional de apoio escolar Josiane Rocha dos Santos, 47, moradora do Paiol.

Esse desencontro de informações não é incomum em um deserto de notícias. "A população periférica acaba sendo mais afetada porque está mais distante do centro de decisões da cidade", afirma Dubes Sônego, pesquisador da organização Atlas da Notícia.

Deserto de notícias nas eleições

Em 2012, apenas 28 votos separaram o primeiro e o segundo colocado nas eleições para prefeito de Pirapora do Bom Jesus. Gregório Maglio (então PMDB) venceu Raul Bueno (PSDB), e desde então os dois seguem presentes no poder municipal com seus aliados. A margem de diferença nas votações de 2016 e 2020 também se manteve pequena.

Segundo Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, o jornalismo é um passo no processo de resolução de problemas, mas não é a solução final.

"O jornalismo deve informar a sociedade para conectá-la a debates de interesse público, mas isso é pouco para resolver todos os problemas. Se o jornalismo trouxer informação de qualidade, ele já ajuda muito."

O poder público tem a obrigação de garantir transparência nas informações, conforme a Lei de Acesso à Informação. Em Pirapora, tanto a prefeitura quanto a Câmara Municipal possuem portais de transparência, mas com limitações. O mais recente balanço de contas do Executivo disponibilizado é de 2018.

Um santo no jornal

Em 1884, um jornal paulistano divulgou que a imagem de Bom Jesus encontrada em Pirapora realizava milagres, transformando a cidade em um dos principais destinos religiosos de São Paulo. Isso atraiu multidões e fez de Pirapora um ponto de encontro para comunidades de samba, jongo e batuques do interior, sendo considerada o berço do samba paulista.

"A partir daí, multidões passaram a vir para cá. É a razão deste lugar existir e deixar de ser uma fazenda que pertencia a Santana de Parnaíba para se tornar a cidade que temos hoje", conta o padre Marcelo Magalhães, reitor do Santuário do Senhor do Bom Jesus de Pirapora.

A partir de 1980, o fluxo de turistas diminuiu significativamente. Atualmente, apenas 15,52% dos moradores têm emprego formal. A administração do santuário luta para arrecadar verbas e restaurar o local e suas obras de arte.

Pirapora do Bom Jesus é uma cidade conhecida por sua importância religiosa e cultural. Fundada com base em relatos de milagres, transformou-se em um destino religioso e culturalmente rico. No entanto, enfrenta desafios socioeconômicos, com baixo índice de emprego formal e a necessidade de restauro de seu santuário.

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