Saúde em crise em Fortaleza acirra eleição e mistura falta de recursos com insegurança

Problemas viram assunto de campanha na cidade, que tem sobrecarga ao atender pacientes da região metropolitana

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Fortaleza

No dia 11 de julho completou um mês desde que Teresinha de Jesus Rocha Mota, 67, deu entrada na rede pública de saúde de Fortaleza após sofrer uma queda e fraturar o braço.

A idosa ficou duas semanas no Hospital Distrital Maria José Barros de Oliveira, conhecido como Frotinha da Parangaba, e então foi encaminhada ao IJF (Instituto Doutor José Frota), o principal hospital gerido pelo município.

"Desde que foi internada ela já teve cinco crises de ansiedade", diz o sobrinho Alan Regis, 40. Ele contou que no último dia 11 o hospital apresentou uma lista de 15 pessoas para cirurgia e que o nome de Terezinha não estava na lista.

Fila para visita de pacientes internados no IJF (Instituto Jose Frota), hospital gerido pelo município e que é o principal do estado - Rubens Cavallari/Folhapress

Em nota, o IJF afirmou que a paciente "foi acolhida pelo hospital no último dia 26 de junho e segue acompanhada pelas equipes multiprofissionais especializadas, para a análise e planejamento da melhor abordagem".

A situação do IJF é considerada por pacientes, médicos e autoridades como a mais delicada em Fortaleza. Com 665 leitos, é o maior hospital do estado, e recebe diariamente cerca de 200 novos pacientes da capital e região metropolitana.

Na capital cearense, como em outras grandes cidades do país, a saúde pública deve ser um dos principais temas das eleições deste ano, pelo impacto no cotidiano dos eleitores.

O tema foi decisivo na campanha eleitoral anterior, de 2020, transcorrida meses depois da eclosão da pandemia do coronavírus. Em todas as pesquisas do Datafolha feitas nos últimos anos, a saúde esteve à frente como a área mais citada como problemática no país.

Em Fortaleza, o tema tem servido de munição da oposição ao prefeito José Sarto (PDT), que é médico de formação e concorrerá à reeleição. Entre os questionamentos dos adversários, estão o horário limitado de atendimento nos postos de saúde e a falta de insumos e de equipe médica nas unidades.

Também costuma ser mencionada por adversários do prefeito uma entrevista do secretário municipal da Saúde, Galeno Taumaturgo, que disse ao jornal Diário Do Nordeste que a cidade precisa de uma "intervenção urgente" na atenção primária.

O assunto deve ser um dos assuntos centrais nos debates deste ano. Os principais concorrentes de Sarto à Prefeitura de Fortaleza devem ser Capitão Wagner (União Brasil), o deputado estadual Evandro Leitão (PT) e o deputado federal André Fernandes (PL).

O pré-candidato à reeleição afirma, entre outros pontos, que está reformando todos os postos de saúde, além de construir novos, e que tem buscado fazer novas contratações para zerar a fila de consultas.

Na capital cearense, a fila de espera para cirurgias, principalmente para colocação de próteses, é comum, afirma o médico Max Ventura, presidente do sindicato dos médicos do Ceará.

"Mas também faltam outras coisas, desde fio para sutura para neurocirurgia até coisas mais simples, como gás luva, esparadrapo e até algodão, como a equipe de enfermagem nos contou recentemente", afirma Ventura.

Pacientes em macas em meio a vaivém de médicos e visitantes
Pacientes em macas em meio a vaivém de médicos e visitantes; assessoria afirma não haver registros de pacientes em corredores - Rubens Cavallari/Folhapress

A falta de insumos causa um represamento de cirurgias e, consequentemente, um acúmulo de pacientes que ficam no hospital à espera dos procedimentos, conta o presidente do sindicato.

"Um paciente que entra lá por uma fratura de fêmur, por exemplo, pode ficar duas semanas esperando por cirurgia no ambiente intra-hospitalar, em que ele corre o risco de ser contaminado. Ele pode evoluir para uma infecção grave e ir para a UTI [Unidade de Terapia Intensiva]", diz Ventura.

O IJF disse que a incapacidade de fornecedores causou falhas pontuais na entrega de alguns insumos nos últimos meses. Também afirmou que "as situações foram devidamente contornadas, de acordo com o ordenamento orçamentário e legal da administração pública".

O sistema de saúde pública da capital cearense é organizado em dez hospitais, que operam em um sistema chamado de misto, com atendimentos a ocorrências de acordo com a complexidade, explica Magda Moura de Almeida, professora do departamento de saúde comunitária da UFC (Universidade Federal do Ceará) e gerente de atenção à saúde do Hospital Universitário Walter Cantídio.

O IJF é o único hospital municipal que atende alta complexidade, mas vinha recebendo a demanda de casos de média complexidade porque os frotinhas –unidades responsáveis por esse tipo de atendimento– estavam em obras.

"É um desenho de rede interessante, mas que está funcionando há pouco tempo. Enquanto os frotinhas estavam fechados, em reforma, realmente o IJF estava muito sobrecarregado. Com a reabertura dos frotinhas, eles têm conseguido absorver a questão da cirurgia secundária", afirma a professora.

 Hospital Distrital Maria José Barroso de Oliveira, o Frontinha de Parangaba
Hospital Distrital Maria José Barroso de Oliveira, o Frontinha de Parangaba; de perfil secundário, é porta aberta para atendimentos traumatológicos, clínica médica e cirurgia gera - Rubens Cavallari/Folhapress

Procurada, a assessoria de comunicação da secretaria de saúde não quis comentar a situação geral da saúde pública no município.

Quando a reportagem esteve no IJF, há cerca de um mês, viu pacientes em macas em um ambiente que parecia um corredor. Eles estavam ao lado de pessoas que esperavam por atendimento e o local também servia como via de acesso a outros ambientes do hospital.

Questionada, a assessoria do hospital disse que não há registro de pacientes atendidos em corredores das áreas de internação.

Max Ventura disse que o local não deveria servir para internar pacientes e que em outros andares do prédio a situação é ainda pior.

"São vários corredores. Tem um lugar que parece um piscinão de tantas marcas encostadas, uma próxima a outra, que fica um amontoado de pacientes", afirmou.

A promotora de Justiça Lucy Antoneli, do MP-CE (Ministério Público do Ceará), disse que o acúmulo de pacientes nos corredores está entre as principais causas de reclamações feitas por familiares de pacientes no IJF ao órgão.

Outros questionamentos frequentes são a espera por cirurgias e em relação à prioridade na fila para procedimentos cirúrgicos.

"Nós percebemos um aumento recente de pedidos em relação a cirurgias e demora nas filas", disse a promotora. Ela afirmou que o órgão procura por resolver os casos extrajudicialmente entre os envolvidos.

O MP-CE diz, em nota, que foram registradas 594 reclamações entre 1° de abril de 2023 e 30 de junho de 2024 nas Promotorias de Saúde Pública de Fortaleza abrangendo tanto hospitais e estabelecimentos de saúde, como as Secretarias de Saúde do Estado e do Município.

O problema de pacientes internados à espera de cirurgias não é novo. Em 2017, o pai de Elayne Mendonça, 31, ficou dois meses com o pulmão perfurado aguardando pelo procedimento.

"É sempre assim, não melhorou nada desde então", disse Mendonça. Ela estava no hospital para acompanhar sua irmã, que tinha levado o filho, de dois meses, que havia sido diagnosticado com encefalite (inflamação no cérebro) autoimune.

Pai de Elayne Mendonça ficou dois meses com o pulmão perfurado esperando por cirurgia em 2017 - Rubens Cavallari/Folhapress

Mendonça e a irmã também citaram uma preocupação compartilhada por outras pessoas ouvidas pela reportagem no IJF: a sensação de insegurança no local.

Em abril, um ex-funcionário do hospital atirou e decapitou um trabalhador do hospital no interior do prédio. Ele havia acessado a área interna via reconhecimento facial, mesmo tendo sido demitido há quase dois anos, de acordo com a Secretaria da Segurança Pública do Ceará.

O suspeito foi preso no mesmo. A secretaria disse que o motivo do crime foi passional.

Não foi o primeiro caso de violência no IJF. No ano passado, um paciente foi preso depois de tentar roubar a arma de um policial militar. Em 2021, um homem furtou uma pinça cirúrgica e feriu duas enfermeiras ao tentar matar um outro paciente que estava internado.

Em nota, o IJF afirmou que reforçou os protocolos de monitoramento e acesso ao hospital, com o apoio de agentes da Guarda Municipal de Fortaleza. Disse também que uma viatura da corporação também permanece à disposição, inclusive para a realização de rondas nas ruas do entorno do hospital.

Entre os desafios para os gestores de saúde do município, o principal deles passa pelo financiamento de cirurgias, afirma a professora Magda de Almeida.

Ela explica que hospitais referências em trauma de alta complexidade, como é o caso do IJF, acabam recebendo pacientes de outros municípios. Eles vêm não apenas da região metropolitana de Fortaleza, mas também de locais mais distantes, como de Sobral (230 km da capital) e da região do Cariri (a 500 km de Fortaleza).

"Os hospitais projetam atendimento para um universo de pessoas, mas acabam vindo pacientes de outros locais, e esse recurso não é repassado para o sistema municipal de saúde. Então, há o financiamento para pessoas que não são de Fortaleza", afirma a professora.

Ela diz que os gestores de saúde locais devem, em parceria com o governo do estado, encontrar uma solução para as repactuações, ou seja, que os municípios de origem dos pacientes arquem com o custo dos serviços médicos nos locais em que eles são feitos.

Outro problema para a gestão dos hospitais públicos é em relação à defasagem na tabela do SUS para procedimentos cirúrgicos, afirma a professora. Isso se reflete principalmente no atraso para cirurgias que precisam de insumos de OPME (Órteses, Próteses e Materiais Especiais).

"O SUS chega a pagar cerca de R$ 5.000 a R$ 10 mil, e uma cirurgia dessa às vezes custa R$ 70 mil, R$ 80 mil. Essa diferença é paga dentro do orçamento do próprio hospital", diz Almeida.

"Uma colocação de uma órtese ou de uma prótese equivale a várias cirurgias de vesícula, por exemplo", completa.

O QUE DIZEM OS PRINCIPAIS PRÉ-CANDIDATOS À PREFEITURA DE FORTALEZA SOBRE O TEMA:

José Sarto (PDT), prefeito de Fortaleza: "Vamos seguir com a política de fortalecimento da atenção primária. Estamos reformando todos os postos de saúde, construindo 18 novos, contratando 2.000 profissionais de saúde e abrindo novos hospitais.

No próximo governo, vamos avançar construindo 12 UPAs 24 horas para dobrar as unidades de pronto atendimento de Fortaleza e contratar mais 1.000 médicos especialistas para zelar a fila de espera por consultas. Também vamos expandir o programa criado na atual gestão de entrega de remédios em casa".

Capitão Wagner (União Brasil): "Minha proposta tem dois itens fundamentais: choque de gestão e modernização, sobretudo daqueles hospitais geridos pela prefeitura. O primeiro é baseado na minha experiência como secretário de Saúde na Prefeitura de Maracanaú (CE) com melhorias na infraestrutura e integração dos sistemas digitais hospitalares.

Sobre a modernização, haverá a universalização do Prontuário Eletrônico e a ampliação da telemedicina, além da oferta qualitativa de serviços públicos de saúde mental, a criação do Hospital do Idoso e a implantação da Cidade do Autista".

Evandro Leitão (PT), deputado estadual: "A principal proposta é fortalecer e ampliar os atendimentos da atenção primária, tornando-os mais eficientes, com atendimento integrado em Policlínicas e UPAs, além de retomar os horários ampliados dos postos de saúde, aperfeiçoando o desenho dos fluxos dos pacientes.

Numa cidade onde mais de 80% da população depende do SUS e que o atual prefeito é médico, fica inadmissível os postos de saúde funcionarem em horário reduzido, com falta de medicamentos, de insumos e ausência de profissionais".

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