Nova música sertaneja pega carona na alta do agronegócio no Centro-Oeste

Feiras agropecuárias impulsionam gênero, que divide espaço com rock

Guilherme Zocchio
São Paulo

Na sola da bota de quem escuta no fone ou na palma da mão de quem aperta play em um aplicativo, a música sertaneja produzida no Centro-Oeste do Brasil é a principal preferência do público. 


O gênero, que hoje domina festivais e listas de faixas mais tocadas do Spotify e do YouTube, vem ganhando espaço nas paradas desde 2004.


O aumento da relevância desse tipo de música acompanha o crescimento do agronegócio no país a partir do boom das commodities, de acordo com especialistas.

Foto do Festival Villa Mix de 2017, em Goiânia
Festival Villa Mix 2017, em Goiânia - Marcello Dantas/O Popular


“A música se difundiu com as feiras do agronegócio”, afirma Paulo Cesarino, dono do estúdio Up Music, em atividade há 20 anos e onde já gravaram artistas como Gusttavo Lima, Michel Teló e Guilherme & Santiago.


Mas uma mudança anterior foi fundamental para sedimentar o sucesso. No início dos anos 2000, o sertanejo incorporou outros gêneros e virou o sertanejo universitário.


“O sertanejo sempre foi a música dos mais jovens. Quando surge o sertanejo universitário, em 2001 e 2002, os artistas começam a trazer outras influências e flertar com o pop. Isso fez o gênero despontar em festas e bares”, diz Marcus Vinícius Castro, diretor artístico da Audiomix.


A empresa faz o maior festival do gênero no Brasil, o Villa Mix, e produz nomes como Jorge & Mateus, Matheus & Kauan e Simone & Simaria. “O sertanejo universitário flerta com rock, forró, funk. Consegue mudar sem perder a essência”, diz Castro.


Esse processo de transformação da música seguiu lado a lado com o desenvolvimento de uma estrutura para projetá-la. E Goiânia se firmou como o principal centro de onde o sertanejo irradia.


Com estúdios e produtoras, a cidade também oferece um ambiente favorável ao gênero. Desde 1995, a capital de Goiás hospeda alguns dos principais festivais de música do país, sendo o Goiânia Noise o primeiro deles. Isso inspirou eventos voltados ao público sertanejo.


Em 2004, as feiras começaram a sediar shows de sertanejo universitário. “A alta do PIB agropecuário está ligada ao crescimento da música sertaneja no Brasil. Como o sertanejo vive de vender músicas nas feiras agropecuárias, foi privilegiado”, afirma Cesarino, do Up Music.


O Caldas Country, primeiro grande festival do gênero, seguiu o embalo das feiras e fez sua primeira edição em 2006, em Caldas Novas (GO). Cinco anos depois, foi a vez do Villa Mix, em Goiânia. O festival chegaria a outras cidades e até ao Paraguai.

DIVERSIDADE

O sertanejo, porém, cresce num ambiente diverso. “De 2002 a 2006, houve um ‘boom’ do rock em Goiânia. De uma produção mais ou menos amadora, começamos a fazer uma coisa profissional. Surgiram shows de todos os tipos”, diz o produtor cultural goiano Carlos Brandão. 


Um dos eventos mais importantes é o Festival Bananada, que completa 20 anos em 2018. “A ideia é criar uma conexão da música em Goiânia com o contexto de cultura no Brasil e no mundo”, afirma Fabricio Nobre, um dos fundadores. Para ele, o objetivo é também ser uma espécie de resistência à música sertaneja.

Foto do Caldas Coutnry, em Caldas Novas (GO), dedicado apenas ao sertanejo. Na última edição, em 2017, reuniu 40 mil pessoas
O Caldas Coutnry, primeiro evento de Caldas Novas (GO) dedicado apenas ao sertanejo. Na última edição, em 2017, reuniu 40 mil pessoas - Duas Polegadas / Divulgação


“O Bananada acontece no segundo fim de semana do mês de maio, que é quando começa a feira agropecuária. É de propósito, para ser uma opção”, afirma Nobre.


Apelidada de “Goiânia Rock City”, a capital de Goiás também lançou bandas. “A cidade ajudou a música autoral a crescer”, diz Helio Flanders, vocalista do grupo Vanguart, que surgiu em Cuiabá em 2003 e fez seus primeiros shows em Goiânia.


“Tudo que existe na cidade hoje é fruto dos festivais”, afirma Macloys Aquino, guitarrista da banda goiana Carne Doce. “Isso criou uma cultura de fomento. Você monta uma banda em Goiânia, mas vai se tornando conhecido no país inteiro.”


FESTIVAIS - LINHA DO TEMPO

1995 - Goiânia Noise Fest

Precursor dos festivais de música autoral em Goiânia, chegou à 23ª edição no ano passado, com shows de bandas independentes nacionais, como Raimundos e Pato Fu, e internacionais, como Las Diferencias (Argentina) e Stoned Jesus (Ucrânia). Serviu de inspiração para o surgimento de outros eventos

1998 - Bananada

Com 20 anos de existência, pegou carona no Goiânia Noise Fest e se tornou referência nacional em shows de MPB e outros gêneros, como o jazz e o rock. Tem seis dias de apresentações e trará em 2018 Gilberto Gil e Pabllo Vittar

2001 - Vaca Amarela

Outro expoente da diversidade musical na região, já teve 16 edições. Na última, deu espaço a nomes independentes, como MC Carol e banda Carne Doce. Alterna shows gratuitos com exibições a preços acessíveis, entre R$ 15 e R$ 30

2006 - Caldas Country

Primeiro evento de Caldas Novas dedicado apenas ao sertanejo. Na última edição, em 2017, reuniu 40 mil pessoas, com shows de Chitãozinho & Xororó e Simone & Silmara, entre outros

2007 - Goiânia Rodeo Festival

O maior evento de rodeios da região atraiu mais de 100 mil pessoas na primeira edição, de acordo com os realizadores. Promove também shows de artistas sertanejos, como Gino & Geno e Rionegro & Solimões

2010 - Verão Sertanejo

Vitrine de novos artistas do sertanejo universitário, acontece em Caldas Novas e reúne ainda bandas de outros gêneros. Na edição de 2018, terá shows dos grupos CPM 22, Cidade Negra e Sorriso Maroto, além de sertanejos como João Neto e Frederico

2011 - Goiânia Canto de Ouro

Festival de música popular brasileira produzido com apoio da prefeitura, que incentiva a participação de novos artistas por meio de editais. Busca divulgar iniciativas inovadoras, linguagens tradicionais e contemporâneas

2015 - Festeja

O mais jovem dos festivais do gênero conta com edições em Caldas Novas e em outras cidades, como Barretos (SP). Traz artistas que já fazem sucesso e também projeta novos nomes da música. Na edição deste ano, terá atrações, como Marília Mendonça e Maiara & Maraísa

Villa Mix

Hoje considerado o maior evento da música sertaneja no país, conta com edições fora do estado de origem (Goiás). Já foi realizado em Belo Horizonte e São Paulo e no Paraguai. Recebe atrações internacionais, além de duplas brasileiras como Jorge e Mateus

Show da dupla Jorge e Mateus no Villa Mix Festival São Paulo - Amanda Perobelli/UOL

 

 

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