Descrição de chapéu Tecnologia Contra o Câncer

Entender o que protege contra o câncer é desafio na pesquisa oncológica

Para Siddhartha Mukherjee, perguntar 'por que não eu' também é vital para compreender a doença

São Paulo

Descobrir as causas do câncer tem sido o principal objetivo das pesquisas oncológicas no último século. Outro tão ou mais desafiante é entender o que protege parte da população de desenvolver a doença, afirma Siddhartha Mukherjee, pesquisador da Universidade Columbia. 

O médico e pesquisador da Universidade Columbia Siddhartha Mukherjee na palesta de abertura do seminário Tecnologia contra o Câncer, em São Paulo
O médico e pesquisador da Universidade Columbia Siddhartha Mukherjee na palesta de abertura do seminário Tecnologia contra o Câncer, em São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

Pouco se sabe sobre isso, e descobrir os motivos seria uma revolução na forma de pensar sobre prevenção e tratamento, avalia o médico, que ganhou um prêmio Pulitzer em 2011 com o livro “O Imperador de Todos os Males”.

“É uma questão muito mais difícil de responder cientificamente, mas essas perguntas são os dois lados da mesma moeda”, declarou na palestra de abertura do seminário Tecnologia contra o Câncer, realizado pela Folha na quinta (6), em São Paulo. 

Parte da dificuldade para elucidar o problema está na diversidade da doença e no que o indiano Mukherjee (pronuncia-se muquérdi) chama de “impressão digital genética” de cada câncer. 

Duas mulheres com tumores de mama aparentemente iguais, com as mesmas características, podem ter ainda assim duas doenças completamente diferentes, exemplifica o pesquisador.

“É possível descobrir qual gene eu preciso desligar para que o câncer de um indivíduo não cresça, mas isso pode não funcionar para outro paciente semelhante.”

O componente hereditário, preocupação recorrente em famílias com histórico de câncer, é responsável por algo entre 5% e 10% dos casos.

Mukherjee compara a hereditariedade da doença com a determinação da altura: sabe-se que geralmente pais altos têm filhos altos, mas não há um gene específico que determine a altura de uma pessoa. “Há combinações genéticas complexas que determinam algumas questões, e, no caso do câncer, muitos genes podem ser responsáveis.”

Uma das armas na prevenção da doença é o uso de testes genéticos capazes de detectar mutações associadas ao aparecimento de certos cânceres, como de mama e de ovário. A existência da mutação, porém, não é uma sentença.

Um estudo feito em São Paulo com cerca de 1.300 pessoas saudáveis acima de 60 anos verificou que dez delas apresentavam mutações genéticas associadas ao câncer. Nove foram localizadas posteriormente e apenas duas haviam desenvolvido a doença.

“Será que é o ambiente? O background genético? Ou será que elas têm variantes protetoras?”, questiona Mayana Zatz, diretora do Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células-Tronco da USP, que mencionou o estudo. 

A geneticista observa que, apesar de promissores para o diagnóstico e tratamento de tumores, os testes genéticos suscitam uma série de dilemas éticos que precisam ser discutidos no meio científico.
“O que fazer quando você procura a mutação para uma doença e encontra outra? E se for uma criança, por exemplo, devemos contar ou não?”

Mesmo um resultado negativo não permite que a pessoa deixe de se cuidar, porque ninguém está livre de risco.

Além disso, a ciência ainda não é capaz de reconhecer todas as mutações relativas à doença, ressalvou Artur Katz, diretor-geral do Centro de Oncologia do Sírio-Libanês. 

O que já se sabe com base científica é que cuidados simples, como evitar o cigarro, manter o peso ideal e ter uma alimentação saudável, ajudam a reduzir os gatilhos de tipos variados de câncer. 

Segundo os debatedores, um misto de desinformação e desinteresse trava a ampliação de medidas preventivas .

Um caso emblemático é o do câncer de colo de útero, praticamente erradicado em países desenvolvidos.
A doença tem no Brasil um modelo ideal de rastreamento, baseado na vacinação contra o vírus HPV e no exame de papanicolau (ambos disponíveis no sistema público de saúde), mas ainda é o terceiro tipo mais comum de câncer entre as brasileiras e mantém altos índices de letalidade.

Uma saída, sugerida por Angélica Nogueira Rodrigues, professora da Faculdade de Medicina da UFMG e presidente do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos, é a criação, também para o câncer de colo de útero, de campanhas específicas como as que já existem para o câncer de mama (Outubro Rosa) e de próstata (Novembro Azul).

Em sua quarta edição, o seminário abordou o uso da tecnologia contra o câncer. O evento teve o patrocínio da Roche Farma Brasil, com apoio do Hospital Sírio-Libanês e da farmacêutica Abbvie.

Mukherjee lembra brasileiro pioneiro em pesquisa genética

Em sua apresentação, Siddhartha Mukherjee mencionou o pioneirismo de um brasileiro que contribuiu para a compreensão do câncer como doença genética dezenas de anos antes que isso se tornasse um consenso. Seu nome permanece praticamente desconhecido no país.

A história remonta a 1872, quando o oftalmologista fluminense Hilário de Gouvêa tratou um caso de retinoblastoma, um tumor ocular, em um menino de dois anos. 

A cirurgia salvou a vida da criança, que se casou e teve sete filhos com uma mulher sem histórico familiar de câncer. Duas filhas do casal desenvolveram o mesmo tumor. Foi o primeiro caso documentado de retinoblastoma familiar em mais de uma geração.

Beatriz Maia, Camila Gambirasio , Everton Lopes Batista e J. Marcelo Alves
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