Mundo automatizado impulsiona a volta do produto feito à mão

Na contramão do consumo de massa, grupos pregam revolução artesanal e trabalho desacelerado

Carolina Moraes Guilherme Guerra
São Paulo

Há um grupo de profissionais que não teme um futuro em que os robôs substituem os homens. Ao contrário: quem apostou na retomada de produtos feitos à mão vê a automatização como uma oportunidade para que os trabalhadores resgatem a capacidade criativa.

“Vão colocar uma máquina em um processo em que o homem foi automatizado”, diz Bruno Andreoni. Ele é idealizador da Revolução Artesanal, movimento que fomenta a cultura da habilidade manual e se tornou referência em São Paulo. Na visão dele, a utilização de robôs em funções mecânicas, como o telemarketing, vai libertar o profissional, que poderá então se dedicar a tarefas criativas.

Homem barbado com cabelo grande usa papéis coloridos e tecidos para fabricar caderno
Fundador da Revolução Artesanal, Bruno Andreoni, 35, fabrica um caderno em Towerland, na África do Sul - Flávio Moraes/Divulgação

Empreendedores têm retomado atividades em proporções caseiras e acreditam que esse é um dos futuros do trabalho. Para eles, mais do que uma fonte de renda, o trabalho artesanal mobiliza uma série de qualidades humanas da produção. “Ato de criação, ato de se sentir no mundo, ato de se sentir autor: é isso que o fazer manual traz. A ideia do único e do exclusivo tem crescido, tanto o que é isso quanto do valor disso”, diz.

A agitação no cenário, no entanto, não garante que esse volta ao passado traga qualidade de vida, elemento-chave da criação do movimento. O tempo é um dos problemas nessa equação, explica Andreoni: muitos produtores trabalham de segunda a sexta e participam de eventos ligados ao seu negócio aos finais de semana. “Quando essas pessoas descansam?”, questiona. 

Mesmo sendo uma aposta de nova configuração do trabalho, a retomada da produção artesanal já é realidade. Feiras como a Rede Manual e o Jardim Secreto, ambas na capital paulista, reúnem pequenos produtores e são sucesso.

Na última edição, a Jardim Secreto teve público de mais de 20 mil pessoas na praça Dom Orione, no Bexiga, região central de São Paulo, e passou também a contar com um ponto fixo de vendas no mesmo bairro neste ano. 

Apesar de ser um movimento simples, uma série de concepções de estilo de vida orbitam o fazer manual. Um deles é o “slow”, que propõe uma desaceleração do cotidiano.

Michelle Prazeres, pesquisadora e uma das criadoras do Desacelera SP, iniciativa para fomentar um estilo de vida mais devagar, diz que o movimento é um tensionamento da globalização, financeirização e produtivização da vida, criado para construir alternativas a esse modo de viver.

“O slow não é o devagar, é o devagar em relação a algo. Não é lento, é mais lento em relação a algo”, diz. “Não que o futuro do trabalho seja trabalhar devagar, mas muitas pessoas já entenderam que não dá para a gente fazer 80 horas por semana, que não dá para a gente trabalhar desse jeito, mesmo em um discurso de ‘trabalhe com propósito’”, diz a pesquisadora.

A pesquisadora Michelle Prazeres, criadora do movimento Desacelera 
A pesquisadora Michelle Prazeres, criadora do movimento Desacelera  - Reinaldo Canato/Folhapress

Conceitos de consumo consciente e economia circular, que propõem reintrodução de resíduos na cadeia produtiva, permeiam esse movimento.

Para Camilla Marinho, fundadora do D.A.M.N Project, projeto que é referência em sustentabilidade na moda, estudar esses conceitos foram fundamentais para uma conscientização sobre o processo de produção e um olhar crítico em relação à moda e ao consumo frenético. “A gente não é contra o consumo. Nós achamos que podemos consumir de uma maneira inteligente”, conta a stylist.

 
A publicitária Camilla Marinho, fundadora do projeto DAMN Hub, posa para foto em sua loja
A publicitária Camilla Marinho, fundadora do projeto DAMN Hub, posa para foto em sua loja - Rafael Hupsel/Folhapress

Além de promover eventos sobre a sustentabilidade, o D.A.M.N Project ganhou um espaço físico no bairro de Pinheiros e acabou se tornando também um hub de marcas alinhadas ao conceito. “Agora está vindo uma geração de jovens que estão mais ligados, eles são naturalmente mais ativistas”, afirma Marinho.
Para a pesquisadora Michelle Prazeres, na configuração atual de sociedade, ainda não há garantia para a existência sustentável dessas iniciativas.

“Essa conta, hoje, não fecha. Mas você tem fissuras, encontraram brechinhas. Nessas brechinhas, as pessoas estão construindo alternativas”.

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