Desafio do campo é trabalhar de forma limpa em larga escala

Tecnologia para liderar produção menos poluente de alimentos, o país já tem

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Claudia Rolli
São Paulo

Em meio à crise na Amazônia, aos alertas sobre efeitos do aquecimento global e à controversa liberação de agrotóxicos, o debate sobre o agronegócio sustentável ganha ainda mais relevância dentro e fora do país.

Mas o que é, de fato, ser sustentável no campo? “Não basta conciliar a produção de alimentos com a preservação do meio ambiente e produzir mais em menos espaço”, afirma Marcelo Boechat Morandi, chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente.  

É preciso considerar, além da questão ambiental, os aspectos econômicos e sociais do negócio, com práticas que gerem renda, sejam inclusivas e envolvam toda a cadeia produtiva: de fornecedores de insumos e máquinas a produtores e agroindústria; de cooperativas e distribuidores a consumidores finais.

O agronegócio brasileiro é bem heterogêneo sob esses aspectos. Há propriedades que são exemplos mundiais e indústrias do setor que desenvolvem parcerias eficazes com comunidades locais e contribuem muito para a preservação das áreas.

Mas a maior parte dos produtores do país ainda precisa de mais assistência técnica, mais tecnologia, mais financiamentos e mais capacitação para se integrar à lógica sustentável, de acordo com Rodrigo Justus, assessor de meio ambiente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

Não há uma forma única de aferir a sustentabilidade das atividades agropecuárias. No entanto, há técnicas e sistemas adotados no campo que têm mostrado resultados na recuperação de pastagens degradadas, na redução de erosão e na redução de gases de efeito estufa.

Entre esses sistemas estão a integração lavoura-pecuária-floresta, o plantio direto, a agricultura orgânica, a fixação biológica de nitrogênio (converte o nitrogênio do ar em formas que podem ser utilizadas pelas plantas) e o manejo integrado com controle biológico de pragas e doenças.

“É preciso agora avançar, incorporando novas tecnologias aos sistemas já existentes, tornando-as acessíveis a pequenos e médios produtores”, diz Silvia Maria Masshurá, pesquisadora da Embrapa Informática Agropecuária. 

Novidades como bio e nanotecnologia, tecnologia da informação e drones são usadas em especial por grandes produtores de culturas exportadoras, como é o caso da soja, do milho e da carne.

O algodão é uma das culturas que avança nesses usos. No Mato Grosso, produtores desenvolvem com a Embrapa sistema de inteligência artificial para analisar o solo, as pragas, as formas de cultivo das propriedades e seus efeitos.

A ideia é criar um “big data” local a ser usado por todos, evitar prejuízos ambientais e elevar a produtividade nas 350 fazendas, que somam 1,1 milhão de hectares. Com a biotecnologia, pretendem reduzir em até 50% as aplicações químicas nas plantações de algodão em cinco anos. 

“Investimos pesadamente em pesquisa contra fungos, vírus e bactérias para encontrar alternativas e usar bioinsumos que façam o controle biológico de fungos e pragas”, diz Álvaro Salles, diretor-executivo do IMAmt (Instituto Mato-Grossense do Algodão). 

Para pesquisadores e representantes do setor, o Brasil tem vantagens competitivas e pode se tornar líder global em produção de alimentos com redução de emissões de gases do efeito estufa, como prevê o Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), criado há dez anos.

Mas as técnicas têm de ser adotadas em larga escala, e com urgência, para não agravar mais os problemas de clima, não destruir ecossistemas e não causar a perda de produtividade.

“São 170 milhões de hectares usados pela pecuária, sendo 63 milhões deles altamente degradados pelos dados do atlas pecuário, que são referência para o setor”, diz Edegar de Oliveira, diretor de conservação e restauração de ecossistemas do WWF-Brasil.

“O Brasil tem tecnologia e condições para produzir em larga escala de forma sustentável, sem avançar em área na Amazônia ou no cerrado”, diz Oliveira, ao mencionar o Programa Novo Campo, realizado em fazendas de gado de corte do Centro-Oeste.

Estudo do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) nessas fazendas mostra que é possível aumentar a produção de carne em cinco vezes e, ao mesmo tempo, reduzir 50% das emissões de gases por hectare de área e 90% das emissões por quilo de carne produzida. 

Os resultados refletem o impacto de práticas como recuperação de pastagens, suplementação animal, melhorias no manejo sanitário e reprodutivo do rebanho e gestão.

Exemplos não faltam. No Pantanal, a produção de carne orgânica certificada é fruto de parceria da Associação Brasileira da Pecuária Orgânica, da WWF-Brasil e da Korin, pioneira no país na criação de frango sem antibióticos.

“A produção gera receita importante para as famílias pantaneiras, pagamos um prêmio sobre o preço da arroba do boi para os produtores de bovinos orgânicos. É um prêmio de produção, 10% sobre o preço da arroba do dia”, diz Reginaldo Morikawa, presidente da Korin.

A remuneração é um reconhecimento para quem produz sem produtos químicos.

Não é preciso desmatar para ter pastagem, segundo Morikawa. “O boi lá é chamado de ‘o bombeiro do Pantanal’ porque, ao comer capim alto, evita focos de incêndio”, diz.

Recentemente, o Mato Grosso do Sul deu outro incentivo aos produtores: reduziu o ICMS na produção de carne sustentável e orgânica.

O consumidor também tem seu papel. Para Rafael Zavala, representante no Brasil da FAO, órgão da ONU encarregado de combater a fome, é importante eleger comida saudável, produzida de forma sustentável e que incentive a agricultura familiar.

“O consumidor tem um grande papel, enquanto as políticas públicas têm um desafio. Seremos 10 bilhões de pessoas no mundo”, diz Zavala.

Ele lembra que a informação é a chave para discernir entre o “marketing verde” e o alimento que é de fato fabricado de forma sustentável. “Buscar informação, ter contato direto com quem produz, identificar sistemas de certificação e rastreabilidade são atitudes essenciais.”

Novo índice de sustentabilidade

O governo pretende lançar métricas para acompanhar a sustentabilidade da agropecuária a partir do próximo ano.

O novo indicador vai cruzar 12 variáveis, diz Pedro Alves Corrêa Neto, secretário-adjunto de inovação, desenvolvimento rural e irrigação do Ministério da Agricultura. Entre as variáveis estão produtividade, adequação ambiental e sistemas de produção.

O objetivo é chegar a 67% de sustentabilidade, a partir dos principais programas e ações previstos nas metas do governo para 2020-2023. Hoje, pelos indicadores disponíveis, esse percentual chega a 25%.

O setor defende a criação de uma política de pagamento por serviços ambientais. “Qual outro país do mundo exige que o produtor guarde de 20% a 80% de sua área em benefício do planeta?”, pergunta Marcello Brito, presidente da Abag (Associação Brasileira de Agronegócio).

Na avaliação da entidade, é necessário discutir a remuneração relacionada à preservação da Área de Proteção Permanente (APP) e da Reserva Legal na propriedade rural.

A Confederação Nacional da Agricultura concorda. “O Brasil tem uma legislação sobre a parte de florestas com maior grau de restrição. Em contrapartida, não foi criado mecanismo capaz de gerar renda. O produtor rural entende que deve ser remunerado pela conservação de APP e de Reserva Legal, mas é necessário estabelecer critérios”, diz Justus, assessor da entidade.

Nos EUA, um programa remunera produtores que restauram e renovam solos. Aqui, o projeto de lei n° 312, de 2015, do deputado Rubens Bueno (PPS -PR), prevê pagamento por serviços ambientais. 

Em audiência pública no início deste mês, na Câmara dos Deputados, entidades do setor agropecuário e ambiental discutiram o texto segundo o qual o produtor rural que preservar áreas ou criar iniciativas de recuperação em sua propriedade é recompensado. 

O projeto, apoiado pela CNA e contestado por representantes de ONGs e entidades ligadas às comunidades quilombolas, aguarda parecer do relator na comissão de meio ambiente da Câmara.

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