Fazendeiros de todos os portes buscam opções ao uso intensivo de agrotóxicos

Pesticidas eliminam também parte da biodiversidade que faz um controle natural de pragas

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Andrea Vialli
São Paulo

Enquanto a oferta de agrotóxicos só aumenta no Brasil, produtores rurais de diferentes culturas e vertentes tentam encontrar alternativas ao uso intensivo de pesticidas.

Desde o início do ano, o governo liberou um total de 262 agrotóxicos —destes, sete são produzidos com novas substâncias, e o restante é genérico de químicos já utilizados na agricultura.

O ritmo de liberação é o maior da última década e leva a um questionamento: o agronegócio brasileiro precisa de tantos pesticidas para ter alta produtividade?

A resposta não é simples. Em geral, a produção de commodities como soja, milho, café e laranja, baseada em monoculturas, é suscetível a pragas e demanda agrotóxicos para seu controle. 

O problema é que os venenos eliminam também parte da biodiversidade que é importante para o controle de pragas, o que gera um desequilíbrio ambiental e torna a produção ainda mais dependente de herbicidas, fungicidas e adubos químicos. 

Mas é possível racionalizar a aplicação desses produtos e usar técnicas agrícolas que permitam aumentar a biodiversidade nas áreas de produção, com a introdução de micro-organismos no solo, a rotação de culturas e a manutenção de áreas de vegetação nativa, como prevê o Código Florestal brasileiro.

“A solução é colocar mais diversidade no sistema agrícola”, diz Luis Fernando Guedes Pinto, engenheiro agrônomo do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), responsável pela concessão de selos ambientais para o setor agroflorestal, como o FSC (para madeira e produtos florestais) e o Rainforest Alliance (de boas práticas na agricultura). 

Um dos maiores produtores e exportadores de suco de laranja do mundo, a Citrosuco, de Matão (SP), é um conglomerado que exporta para clientes em mais de cem países. Com 29 fazendas e mais de cem fornecedores, adota práticas de agricultura sustentável, entre elas o controle biológico do greening, doença que afeta a citricultura no mundo todo. 

A praga é causada por uma bactéria cujo vetor é o inseto psilídeo Diaphorina citiri, espécie invasora de difícil combate que infestou 18% dos pés de laranja do cinturão citrícola, que abrange São Paulo e Minas Gerais, na safra 2017-2018. 

A empresa utiliza técnicas de manejo para evitar a infestação dos pomares e agentes biológicos em larga escala para combater o inseto. A principal inovação é a liberação do parasitoide Tamarixia radiata, inimigo natural do psilídeo, em plantios onde foram detectadas árvores doentes.

De acordo com Clauber Andrade, diretor jurídico e de sustentabilidade da Citrosuco, foram usados mais de 10 milhões de parasitoides na safra atual. “A redução do número de psilídeos capturados foi de até 80% após o início da liberação do inimigo natural”, diz.

Obra “SquaRED”,  de Adam Hillman
Obra “SquaRED”, de Adam Hillman - Reprodução

O uso menos intenso de agrotóxicos, somado a outras ações, ajudou a empresa a conquistar três certificações ambientais de boas práticas agrícolas —Rainforest Alliance, Fairtrade e SAI Platform—, o que contribui para ganhar e manter mercados para o suco de laranja brasileiro, segundo Andrade. 

Transformar uma fazenda de 4.364 hectares em plena região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), considerada a nova grande fronteira agrícola, em um laboratório de práticas de agricultura sustentável tem sido a motivação de Jorge Akira Saijo nos últimos três anos. 

O produtor rural dirige a Fazenda Tupã, no Tocantins, que pertence à sua família desde a década de 1980.
Os Saijo cultivavam soja e criavam gado, mas em 2009 decidiram arrendar as terras para terceiros. Após queda da produtividade da fazenda e a dificuldade dos arrendatários em pagar suas dívidas, a família acabou retomando a propriedade.

Regenerou o solo, recuperou nascentes e resgatou a biodiversidade da região. Lançou mão de ações de reflorestamento com espécies nativas, de plantio direto, de integração de lavoura, pecuária e florestas e da agricultura sintrópica, técnica agroecológica preconizada pelo agrônomo suíço Ernst Götsch, radicado no Brasil.

A monocultura de soja e milho praticada pelos arrendatários foi substituída por diversificação: soja, hortaliças, banana, açaí e castanha-de-baru, além da pecuária bovina.

“A fazenda é uma mescla de várias técnicas de agroecologia. A rotação de culturas e a adubação natural com plantas que fixam nitrogênio trouxeram grande mudança na parte físico-química e biológica do solo”, diz.

O grande desafio, segundo ele, são os custos, porque muitas experiências são na base da tentativa e erro. “É um projeto de longo prazo, e estamos investindo nele”, afirma Saijo.

Entre pequenos produtores, a conversão de lavouras para o uso menos intensivo de agrotóxicos é ainda mais custosa. Que o diga o produtor de café Jefferson Adorno, dono da Fazenda Retiro Santo Antônio, com 123 hectares em Santo Antônio do Jardim (SP), que produz cafés especiais e milho.

Quando assumiu a fazenda, em 2000, Adorno não tinha nenhuma formação agrária (ele é engenheiro eletrônico). Recuperou as áreas de preservação, construiu fossas sépticas e tentou converter os pés de café para o cultivo orgânico, mas não foi bem-sucedido. “Comecei tirando todos os adubos químicos e agrotóxicos de uma vez e perdi metade da produção”, conta.

Depois do tombo, optou por abrir mão da certificação orgânica, mas continuar a produzir cafés especiais com boas práticas agrícolas, investindo na marca própria, Kaynã, que pode ser encontrada em empórios de São Paulo.

O combate às pragas, como a broca do café, é feito de forma biológica, com a pulverização de fungos. Na produção de milho, o controle é feito com uma vespa que se alimenta da lagarta. Com uma produção anual de 800 sacas de café, fez a primeira exportação para a Bélgica neste ano. “Há mercado para quem produz de forma sustentável”, diz.

Também no interior paulista, a Fazenda Santa Julieta Bio, de Santa Cruz da Conceição, levou alguns anos para fortalecer sua vocação orgânica. Na propriedade eram cultivados soja e milho de forma convencional, mas o publicitário Rafael Coimbra começou a plantar hortaliças sem agrotóxicos para consumo próprio. Em pouco tempo, recebia encomendas.

Coimbra contratou um agrônomo especializado em produção orgânica, que trouxe o conceito da agricultura de precisão —antes de utilizar qualquer técnica de adubação são feitas análises do solo para se verificar suas reais necessidades. “Quando a vida do solo está rica, a praga não vem”, diz Coimbra.

A certificação orgânica veio em 2017 e, desde então, os 30 hectares produtivos da fazenda estão cada vez mais diversificados, com frutas, batata doce, cebola e grão-de-bico, vendidos em Leme, Pirassununga e Santa Cruz da Conceição, todas cidades de São Paulo, além da capital. 

Com estrutura enxuta e pegada de startup, a fazenda também passou a fornecer para empresas do ramo de alimentação saudável e para multinacionais que buscam orgânicos para suas cadeias de suprimento.

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