Descrição de chapéu 2º Seminário Economia da Arte

Gigantes da tecnologia cresceram infringindo direitos, diz Marisa Monte

Artista critica vácuo legal que permitiu livre divulgação de conteúdo de terceiros por empresas em proveito próprio

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São Paulo

Exemplo no Brasil de artista que detém o controle de sua carreira, Marisa Monte tem opiniões fortes e fundamentadas sobre o debate dos direitos autorais nestes tempos de distribuição digital.

“Nós passamos por um momento de falta de regulamentação que permitiu um abuso de grandes empresas de tecnologia. Elas cresceram muito infringindo os direitos de todo mundo”, diz a cantora. “A evolução da vida sempre é muito mais rápida do que a da legislação sobre essas mudanças, do entendimento de suas consequências.”

A cantora e compositora Marisa Monte
A cantora e compositora Marisa Monte - Leo Martins/Agência O Globo

Ela insere a questão dos direitos numa conversa que abrange o papel da arte na economia. “Falta reconhecer a arte como riqueza de fato, não uma riqueza imaterial, principalmente no momento em que vivemos. É importante deixar clara a importância da arte e da cultura na economia brasileira. E entender seu potencial de crescimento.”

A regulamentação dos direitos autorais no digital tem problemas?  A gente viveu um primeiro momento de deslumbramento, com a conexão de todo o mundo. O acesso à internet, esse avanço de tecnologia nos últimos anos, isso tudo aconteceu muito rápido. Muito mais rápido do que a discussão sobre as consequências disso tudo. Gigantes como Google e Facebook cresceram muito em função desse vácuo de legislação, que permitiu a divulgação de conteúdo de terceiros em proveito próprio.

A música se espalhou a como nunca tinha acontecido antes.  Mas é uma experiência incompleta, que precisa melhorar. Por um lado, você passou a ter aquele monte de músicas na palma da mão. Por outro lado, sem informações além do intérprete. Eu sempre gostei de ouvir um disco novo lendo a letra, sabendo quem é o autor, quem produziu, quem está tocando aquela música. Quem compõe e quem toca não é remunerado. Além de não receber dinheiro, nem o devido crédito pela autoria chega a quem merece.

Como corrigir isso?  Essa discussão está se aprofundando. Agora no Brasil as empresas de tecnologia estão sendo consideradas empresas de mídia, elas têm que ser responsabilizadas pelo conteúdo. No mundo todo a discussão avança em decisões judiciais e acordos. A experiência do consumo digital de música pode melhorar, eu acho que isso vai avançar porque as empresas de tecnologia competem entre si. Serão obrigadas a oferecer diferenciais aos artistas.

O avanço que permitiu esse acesso quase universal à música precisa agora ter uma contrapartida tecnológica que ajude a informar, fiscalizar e arrecadar?  É todo um processo, vai dar num resultado final que ainda está ruim, mas vai amadurecendo. Teremos uma situação bem diferente em cinco ou dez anos. Mas é fundamental definir quem terá de prover essas informações de autoria. Quem veicula? A gravadora? O artista? As empresas vão correr atrás porque isso tem que ser discutido.

Os artistas precisam zelar pelas informações, não?  No segundo álbum dos Tribalistas, a gente fez um hand album, acessado pela internet. É uma espécie de encarte digital com todas essas informações de autoria, produção, gravação. Mas é uma iniciativa isolada.

Plataformas digitais estão remunerando os artistas, mas se fala muito sobre a fidelidade dos números.  Sempre foi assim. Antes do digital, a gente também tinha de acreditar nos números que estavam na prestação de contas sobre as vendas de CDs e LPs. Você dizia “beleza”, mas sem nenhuma prova de que aqueles números eram verdadeiros.

Ainda há questões a resolver fora do mundo digital?  Tem que aprimorar, sempre dá para melhorar. A lei dos direitos autorais prevê o pagamento na utilização de música num serviço público, e não é simples apurar isso. É o caso de casas de festas, restaurantes ou até academias. Você tem a opção de não pagar, e manter seu restaurante no silêncio, mas fica sem um conteúdo que agrega valor ao seu serviço. O restaurante que tem música é mais agradável, principalmente uma música bem curada, bem escolhida.

 

A lei de direitos autorais é eficiente?  Ela prevê todas essas circunstâncias, não é aleatória, tem critérios, tem referências. Conversa com as leis de direitos no resto do mundo. Escritórios brasileiros que cuidam disso, como UBC e Abramus, estão conectados a grupos e sociedades de fora do Brasil. Eles também recolhem direitos para estrangeiros, têm que se manter dentro da realidade do mundo hoje. Arrecadar bem é importante para recompensar o investimento.

Arte é negócio?  Acho importante entender que, além de ser a alma da nação, a fronteira do pensamento e de ser importante para empurrar a sociedade a um pensamento de vanguarda, a cultura tem um papel mais pragmático, que talvez os liberais entendam melhor, que é a questão econômica de fato. A Coreia do Sul fomentou a arte e o setor se transformou em uma parcela muito grande da economia do país. No Brasil, a questão econômica da arte não é pequena, não é inegável, não é secundária.

 
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