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Brasil falha no diagnóstico precoce de quase metade dos casos de melanoma

Descoberta tardia piora o prognóstico da doença, encarece o tratamento e diminui a sobrevida

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Etel Frota
Curitiba

O Brasil falha em diagnosticar 46% dos casos de melanoma precocemente, em um estágio em que a doença é curável através de uma cirurgia simples. Nos EUA, que têm o maior número absoluto de casos no mundo, o índice que escapa do diagnóstico rápido oscila em torno de 10%.

O alto percentual se deve ao desconhecimento da população sobre a doença, à evolução geralmente indolor das lesões —não raro localizadas em lugares do corpo inacessíveis à autoinspeção— e ao tempo que costuma decorrer entre a suspeita inicial e o acesso do paciente ao tratamento.

Esse quadro desanimador e os desafios para universalizar diagnóstico e tratamento da doença foram debatidos no Seminário sobre o Melanoma, realizado no final de novembro pela Folha, com patrocínio da farmacêutica Novartis.

Os participantes foram unânimes ao defender que a melhora na estatística depende de campanhas informativas massivas dirigidas à população e do treinamento de profissionais que estejam em posição de detectar precocemente lesões de pele suspeitas, no sistema de saúde ou fora dele.

A tecnologia sinaliza novos caminhos, como o incremento do acesso ao atendimento através da teledermatologia e o desenvolvimento de algoritmos de inteligência artificial que podem vir a dar suporte diagnóstico ao clínico da Unidade Básica de Saúde, geralmente o primeiro a atender o paciente da rede pública.

O melanoma está em curva ascendente no mundo, tem crescido aproximadamente 5% ao ano. No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) projeta para 2020 cerca de 8.500 novos casos, com prováveis 2.000 mortes. Médicos desconfiam, porém, que haja subnotificação e que o número real beire os 15 mil casos.

Segundo Andréia Melo, chefe da divisão de pesquisa clínica e desenvolvimento tecnológico do Inca, as regiões Sul e Sudeste concentram o maior número de diagnósticos, em decorrência de fatores étnicos e raciais na composição de suas populações.

Elimar Gomes, dermatologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo e membro do Grupo Brasileiro de Melanoma, adverte que a doença não é exclusiva de brancos. “Em peles negras, ela acontece preferencialmente nas palmas das mãos, plantas dos pés e unhas e costuma ser diagnosticada tardiamente.”

Em casos mais raros, independentemente da cor da pele, pode acometer ainda as mucosas de olho, boca, trato gastrointestinal e genitais.

Quase metade dos casos que escapam do diagnóstico precoce, com o tumor ainda localizado —o que possibilitaria uma cirurgia resolutiva— têm a chance de evoluir para formas mais graves da doença, os estágios 3 e 4.

“Nossa experiência até agora era o tratamento com a dacarbazina, em que menos de 5% estavam vivos cinco anos após o diagnóstico”, afirma Andréia Melo. “Hoje, com as terapias-alvo, a imunoterapia e suas combinações, a taxa chega a 40-50%.”

Em parte dos pacientes tratados com os novos medicamentos as metástases desaparecem e assim ficam por anos, o que autoriza vislumbrar a possibilidade de cura.

Aprovados pela Anvisa desde o início dos anos 2010, os imunoterápicos foram formalmente incorporados pelo SUS só em agosto deste ano, mas só devem estar disponíveis na rede pública em 2021. As terapias-alvo, nem isso.

Todo o arsenal terapêutico, porém, será inútil se a população não procurar um médico à primeira suspeita, ressalta Elimar Gomes. E para que isso ocorra é preciso que a doença seja conhecida, o que ainda não é caso do melanoma.

O médico ressalta a relevância das campanhas de conscientização, como o Dezembro Laranja, promovido pela Sociedade Brasileira de Dermatologia. Ou o projeto “Juntos contra o melanoma”, do Grupo Brasileiro de Melanomas, que estimula o treinamento de profissionais que lidam com a pele (cabeleireiros, podólogos, massagistas, tatuadores etc.) a aprender a identificar lesões suspeitas.

“Em 2018, o Datafolha mostrou que 78% da população não sabia o que era melanoma. É preciso ensinar ferramentas simples para o autodiagnóstico, como a regra ABCDE”, diz.

Uma vez levantada a hipótese diagnóstica, o paciente da rede pública enfrentará outra etapa de obstáculos em sua jornada: o tempo de espera. “Quero destacar a dificuldade do paciente entre o diagnóstico de uma lesão suspeita até o período em que ele realmente vai fazer o diagnóstico e o tratamento. Precisamos de aceleradores para o diagnóstico”, afirma Alexei Peter, oncologista de Porto Alegre (RS) e mestrando em tecnologia da educação pela University of British Columbia.

Mara Giavina-Bianchi, pesquisadora do Hospital Albert Einstein com doutorado e pós-doutorado em melanoma pela USP e a Harvard Medical School, apresentou um experimento com teledermatologia desenvolvido em parceria entre o Einstein e a prefeitura de São Paulo, entre julho de 2017 e julho de 2018.
“Na cidade de São Paulo, antes do projeto, a espera entre o clínico geral e o dermatologista era de cerca de sete meses”. No interior do estado, diz ela, foi registrada demora de até três anos entre o clínico geral, que suspeitou da lesão e encaminhou o paciente, e a consulta com o dermatologista, que pode pedir a biópsia.

O estudo incluiu 30.976 pacientes e todas as doenças de pele. A partir da avaliação à distância, os casos suspeitos de malignidade eram enviados diretamente para biópsia e consulta presencial especializada já com o resultado do exame. “Ao final do projeto, esse intervalo tinha caído para um mês e meio.”

A pesquisadora relata outro projeto em que o uso da tecnologia pode vir a fazer a diferença para os pacientes do SUS. O Einstein tem trabalhado em parceria com o Ministério da Saúde no desenvolvimento de um algoritmo de inteligência artificial para auxiliar o médico generalista a triar lesões suspeitas, agilizando diagnóstico e tratamento.

A partir de fotos clínicas, o algoritmo aponta se a lesão é ou não suspeita. As que fogem da normalidade são submetidas à dermatoscopia (que provê imagens com grande acurácia) e passadas por novo algoritmo, com três saídas: alta, moderada e baixa probabilidade de malignidade.

O algoritmo precisa agora ser validado em estudo controlado, que compare seu diagnóstico com o do médico, e isso depende da manutenção do financiamento pelo Ministério da Saúde. “Imagino que em três anos ele possa estar disponível”, diz a pesquisadora.


Assista aos debates do seminário:


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