'Larguei a escola porque ou eu trabalhava, ou não tinha comida'

Caroline Lacerda, 27, deixou de estudar no ensino médio; veja outras histórias de jovens que tiveram de abandonar os estudos

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São Paulo

Em depoimento à Folha, quatro jovens brasileiros descrevem as circunstâncias que os levaram a desistir no ensino médio.

'Meus pais não faziam questão de estudo'

Venho de uma família muito pobre, ninguém da geração antes da minha chegou ao ensino médio. Meu colégio era defasado, mas sempre gostei de estudar. Era considerada boa aluna. Os professores de humanas diziam que eu poderia até fazer faculdade.

No 2º ano do ensino médio, passei por dificuldades. Minha mãe se divorciou do meu pai, conheceu outra pessoa, que foi morar com a gente. Decidi ir viver com meu namorado. Eu tinha 17 anos. A estrutura da escola só ficava pior. Quase não tinha matemática, comecei o 2º ano sem saber porcentagem.

Nisso, meu namorado passou a cobrar, queria que eu cuidasse da casa. Era nove anos mais velho e trabalhava o dia todo. Fui aprovada para o último ano, mas simplesmente não voltei para a escola. Meus pais nem terminaram o fundamental, não faziam questão que eu estudasse.

Tive dois filhos. Não fiz nada dos 17 aos 22, quando saí do relacionamento e voltei para a casa da minha mãe. Percebi que não tinha nada, abri mão de tudo. Agora estou estudando para concluir o ensino médio. Quero ser policial.

Bianca Oliveira
Mesmo sendo considerada uma boa aluna, Bianca Oliveira não fez o último ano do ensino médio - Arquivo Pessoal

Bianca Oliveira, 25 (Juiz de Fora, MG)


'Engravidei aos 16, perdi a vontade'

No 7º ano do fundamental, aos 16, engravidei. Eu estudava de manhã e ia para o estágio à tarde, mas ficou impossível. Sentia sono, não acompanhava. Perdi a vontade. O estágio era prioridade, tinha chance de ser efetivada.

Morava com meu pai. Ele descobriu a gravidez, fez minha mala, me mandou para minha mãe. Eu e ela nunca nos demos, mas não tinha opção.

A bebê nasceu, minha mãe se mudou com meu padrasto e irmãos. Fiquei só na casa, com bebê e salário de R$ 300. Minha mãe deu prazo para eu sair. Desesperei. Pedi socorro para uma tia, fiquei oito meses. Não deu certo. A saída foi morar com um namorado.

Fiquei grávida dias antes da separação. Ele me batia. Consegui medida protetiva. Entrei em depressão profunda. Queria trabalhar, mas com a baixa escolaridade, não conseguia. Minha segunda filha tinha seis meses quando arrumei vaga de operadora de caixa.

A depressão piorou, eu me mutilava. Meu marido atual me ajudou. Começamos a namorar em 2019, fui morar com ele, engravidei de novo, deixei o emprego. Agora envio currículo todo dia. É frustrante.

Anna Lydya
Anna Lydya, 22, parou de estudar no 7° ano do ensino fundamental - Arquivo Pessoal

Ana Lydya Lopes, 22 (Brasília, DF) 


'Comecei a vender drogas aos 13 anos'

Quando eu tinha seis anos, minha mãe se separou do meu pai e mudamos de Caratinga (MG) para São Paulo. Ela se casou de novo e teve mais dois filhos. Meu padrasto era alcoólatra. Batia em mim, na minha mãe e nos meus irmãos.

Eu não podia sair para jogar futebol. Tudo era motivo para apanhar. Só ia da escola para a pizzaria onde ele trabalhava. Lá, aprendi a cozinhar. Era legal ver as pizzas, mas ele me batia na frente dos clientes.
Eu não era um aluno ruim, mas não sentia motivação. Via minha mãe naquela situação, queria fazer alguma coisa.

Aos 13, me envolvi com amizades ruins, comecei a usar e a vender drogas. Fui aprovado para o ensino médio, mas a vida escolar era incompatível com minha nova vida. Fui preso com 18, fiquei um ano e fui absolvido. Quando saí, não quis saber de escola. Usava droga, virei alcoólatra.

Criei uma vida ilusória. Depois de longa batalha, dou glória ao senhor Jesus pela minha recuperação. Sou grato ao meu padrasto, ele me ensinou a profissão, que amo. Sou pizzaiolo, pai e muito feliz. Deus me resgatou. Queria fazer um curso de gastronomia.

Uéslei Henrique
Uéslei Henrique, 32, saiu de Caratinga (MG) para ir morar em São Paulo quando era criança - Arquivo Pessoal

Uéslei Henrique, 32 (São Paulo, SP)


'Ou eu trabalhava, ou faltava comida'

Deixei de estudar no início do ensino médio. A escola era na Vila Isabel, eu morava na Mangueira. O benefício do transporte atrasava. Passei a vender salgados na comunidade.

Eu trabalhava à noite, no outro dia era cansativo ir na escola. Minha mãe era doméstica, eu cuidava da casa e do irmão. Chegou a um ponto em que ou eu trabalhava ou não tinha comida. Arrumei vaga num supermercado e me matriculei no supletivo, mas se eu ia para a aula de manhã, me atrasava no trabalho. Larguei.

Então consegui vaga de recepcionista. Tentei de novo o supletivo. Passava horas no trânsito. Abandonei de novo. Minha mãe parou de trabalhar por saúde. Passei a vender bebida e salgado em baile funk.
Aliviou quando minha namorada na época foi morar com a gente. Comprei um terreno, nós duas construímos a casa, vendemos, mudamos para o interior.

Foi pouco antes da pandemia. Eu me vi em uma cidade diferente, com dinheiro contado e zero qualificação para qualquer vaga. Quero muito concluir meu ensino médio, construir minha vida.

Caroline Lacerda, 27 (Paraíba do Sul, RJ) 

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