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Por que ir ao espaço

Nova economia espacial torna a pesquisa científica mais acessível

Disputa entre bilionários leva a barateamento das missões e gera ganhos para a sociedade

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Lucas Fonseca

Engenheiro espacial e diretor-presidente da Airvantis, startup espacial brasileira

Chicago

No mês de julho, o mundo viu dois bilionários, vestidos de modernos trajes espaciais, chegarem ao limite do espaço nos seus próprios veículos lançadores. Embora seja um feito inédito na história do turismo espacial, a aventura gerou controvérsias.

Considerando o momento de crise sanitária e financeira, parte da sociedade internacional teve a sensação de que uma atividade restrita à parcela mais rica da população —e que ainda poderia apresentar risco de impacto ambiental em razão da queima acelerada de combustíveis— deveria ser debatida com mais cautela antes de ser liberada de forma irrestrita.

Afinal, qual a importância do turismo espacial?

O primeiro a realizar a façanha foi Richard Branson, com sua empresa Virgin Galactic, no dia 11 de julho. Branson, que possui um veículo um pouco diferente do imaginário comum sobre foguetes, conseguiu atingir a marca acima de 80 km de altitude (tida como a fronteira do espaço) usando um propulsor de dois estágios —um avião feito sob medida, preparado para levar o foguete com passageiros até 15 km de altitude, e um foguete com asas que se desprende do avião e começa a queimar seu motor para impulsionar e atingir sua meta final.

Após chegar em seu apogeu, o avião-foguete retorna para a terra em um movimento de queda livre, possibilitando aos “turistas astronautas” vivenciar a sensação de microgravidade por um curto espaço de tempo (não mais que cinco minutos). Branson levou apenas funcionários da própria Virgin Galactic no voo, não tendo inaugurado sua longa fila de espera dos candidatos a astronautas pagantes.

Já Jeff Bezos, fundador da Amazon e da empresa aeroespacial Blue Origin, alcançou feito parecido no dia 20 de julho. Sua empreitada segue um modelo mais tradicional, com um veículo de decolagem vertical, contendo um primeiro estágio que produz a propulsão necessária para atingir o espaço e uma cápsula que carrega os turistas, retornando posteriormente com a ajuda de paraquedas.

O veículo de Bezos vai um pouco além dos 100 km de altitude e produz a mesma sensação de queda livre que seu concorrente após atingir seu ponto máximo, momento em que os passageiros podem contemplar a Terra através de grandes janelas de cápsula em uma perspectiva vista por poucos.

Bezos levou seu irmão, Mark, além da aviadora Wally Funk, de 82 anos, que fez parte da missão Mercury 13 no final da década de 1950, na qual 13 mulheres passaram por treinamento para serem astronautas, mas nunca tiveram a chance de ir ao espaço. Completava a tripulação Oliver Daemen, filho de 18 anos de um investidor holandês. Wally e Oliver são, respectivamente, a pessoa mais velha e a mais nova a ir ao espaço.

É importante salientar que, apesar de uma pequena incursão de turistas espaciais por meio de lançadores russos na Estação Espacial Internacional por um breve período no começo dos anos 2000, o espaço sempre esteve restrito a astronautas profissionais dentro de programas governamentais.

Ao longo dos últimos 60 anos, não mais que 587 pessoas atingiram o espaço e apenas três países (EUA, Rússia e China) possuem tecnologia para realizar esse feito.

Barões do espaço foram impactados pelo homem na Lua

Na última década, assistimos de camarote ao estabelecimento de uma nova era na economia espacial, o NewSpace, movimento no qual o turismo está incluso.

O NewSpace é uma abordagem pioneira de empreendimentos espaciais em que empresas privadas buscam modelos de negócio baseados em atividades que não dependem exclusivamente de programas governamentais. Atualmente já existem milhares de startups ao redor do mundo desenvolvendo tecnologias que vão desde a extração de dados de satélites para melhorar a agricultura até a construção de robôs para minerar asteroides e coletar um valor inimaginável de recursos em nosso Sistema Solar.

A face mais famosa dessa nova empreitada está refletida no rosto de três bilionários: Elon Musk (SpaceX), Jeff Bezos (Blue Origin) e Richard Branson (Virgin Galactic), que foram apelidados pelo escritor americano Christian Davenport de barões do espaço.

Os barões dividem outras características além de serem bilionários e desbravarem novas formas de negócio. Todos são fãs declarados da história da conquista espacial.

O primeiro empreendimento de Musk foi um jogo para computador que ele próprio fez aos 13 anos. O tema? Espaço, é claro. Bezos organizava um grupo na universidade para discutir colonização interplanetária e atualmente mantém um hobby de resgatar artefatos históricos da astronáutica que caíram no fundo do oceano, mobilizando navios e submarinos para essa busca.

Branson sempre gostou de aventuras e quase perdeu a vida em projetos ambiciosos, como quando tentou atravessar o oceano Atlântico em um balão para quebrar o recorde mundial e caiu em alto-mar.

Apenas Branson, 71 anos, já era adulto quando o homem chegou à Lua, em 1969. Bezos, 57, era uma criança de 5 anos, e Musk, 50, só nasceria dois anos após o primeiro passo de Neil Armstrong em solo lunar.

A chegada do homem à Lua cinco décadas atrás criou uma cultura de temática espacial que impactou a vida dos três barões e de milhares de pessoas pelo mundo. Eu mesmo, que cresci nos anos 1980 vendo muitos filmes de viagens interplanetárias e lendo os livros de ficção científica de Isaac Asimov, decidi ainda muito jovem trabalhar em alguma área relacionada ao espaço.

Richard Branson fala após voar para o espaço a bordo de uma nave de sua empresa Virgin Galactic
Richard Branson fala após voar para o espaço a bordo de uma nave de sua empresa Virgin Galactic - Patrick T. Fallon - 5.abr.2021/AFP

A retomada da corrida espacial, agora pelo setor privado, abre espaço para inspirar novos jovens no sonho de participar de um futuro fantástico, desafiador e potencialmente melhor.

É importante entender que existe um ponto de convergência no entendimento da nova economia: a democratização do acesso ao espaço é essencial para tornar o ecossistema de atividades sustentável, e o turismo espacial ajuda a fazer isso com maestria.

Em um primeiro momento, talvez fique a impressão de que o turismo espacial será restrito aos poucos bilionários do planeta Terra, o mesmo que se dizia no início da aviação civil. A tendência, contudo, é que os preços caíam ao longo dos próximos anos, se aproximando de um valor compatível ao bolso de um público mais diversificado.

O impacto ambiental realmente se demonstra um problema —soluções como a da Blue Origin, que usou combustíveis mais amigáveis ao ambiente, servem como referência para futuras empreitadas.

Mesmo com as controvérsias, é importante frisar que os pagantes desse novo tipo de aventura não vão apenas saciar a vontade própria de experimentar a sensação de ser um astronauta. Seus investimentos possibilitarão que outras atividades ocorram.

Além do amadurecimento de tecnologias, os veículos poderão ser preparados para apoiar missões científicas e educacionais. Por exemplo, o momento mágico de queda livre e outras condições especiais nos voos são propícios para testes de medicamentos, para o entendimento de processos biológicos e desenvolvimento de novos materiais.

Devido à atuação e investimentos dos bilionários do NewSpace, resultados já são coletados na Estação Espacial Internacional, o principal laboratório de microgravidade permanente a que a humanidade tem acesso. Para países como o Brasil, sem veículo próprio de lançamento, fica cada vez mais fácil desfrutar dos benefícios gerados por essas atividades.

O Brasil, por sinal, já envia anualmente experimentos de estudantes para o espaço de forma privada, no programa Missão Garatéa. Ainda neste ano, parceiros privados brasileiros vão lançar proteínas do Sars-CoV-2 para testes na estação espacial com financiamento próprio, podendo criar saltos no enfrentamento da Covid-19.

Esse modelo de participação privada na economia espacial vai ditar a volta da humanidade à Lua ainda nesta década, e provavelmente um inédito pouso em Marte em um futuro próximo.

Musk e Bezos já estão envolvidos na missão Artemis, proposta americana de retorno de missões tripuladas à Lua. Suas empresas concorreram recentemente pelo posto de responsáveis pela fabricação do veículo de entrega de carga e tripulação na superfície lunar, tendo a SpaceX vencido.

Mesmo com o futuro promissor da economia espacial, é importante que suas atividades não saíam do escrutínio da sociedade, que a exploração espacial tenha sustentabilidade em seus três pilares: social, econômico e ambiental. Além, é claro, de garantir que toda a humanidade possa tirar proveito.

Como disse recentemente Tory Bruno, diretor-presidente da United Launch Alliance, outra empresa que fabrica lançadores espaciais: “A humanidade está pela primeira vez na história diante da possibilidade de acabar com a escassez de recursos no mundo através do amplo acesso aos recursos do nosso Sistema Solar”.

Cabe a nós decidirmos como garantir que esses experimentos impactem a vida de nosso planeta em âmbito coletivo. E você, toparia tirar férias no espaço?

Elon Musk, 50 (África do Sul)
Fortuna* 
U$ 151 bilhões

Empresa espacial 
Space X

Meta
Chegar à Lua, em 2023, e a Marte, por meio de um foguete reutilizável

Curiosidade
Batizou o filho de X Æ A-Xii (X é a variável desconhecida; Æ a grafia élfica para “Ai”, que representa a inteligência artificial; e A-12 é a aeronave favorita do bilionário e da esposa)


Jeff Bezos, 57 (EUA)
Fortuna*
U$ 177 bilhões

Empresa espacial 
Blue Origin

Meta
Por meio de foguetes reutilizáveis, quer promover turismo no espaço

Curiosidade
Interpretou um extraterrestre no filme “Star Trek: Sem Fronteiras”, em 2016


Richard Branson, 71 (Reino Unido)
Fortuna* 

U$ 4,8 bilhões

Empresa espacial 
Virgin Galactic

Meta
Tornar o espaço acessível para civis

Curiosidade 
Tem uma coleção de automóveis vintage, como o Humber Super Snipe

*segundo a lista da Forbes 2021

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