Descrição de chapéu Por que ir ao espaço

Próxima viagem da Nasa à Lua terá pitstop no caminho

Objetivo de novas missões não é mais ir e voltar, mas tornar possível uma exploração contínua do satélite

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Belo Horizonte

Fazia dez anos que a Segunda Guerra Mundial havia terminado. Agora a guerra era fria, sem mísseis, mas com foguetes espaciais. De um lado, a União Soviética; do outro, os Estados Unidos. As duas potências faziam de tudo para provarem ao globo, e aos próprios pares, a força de cada uma.

Inicialmente, foram os soviéticos que mostraram seu alcance. Em 1957, governada por Nikita Khrushchov, a URSS foi o primeiro país a colocar um objeto no espaço.

O satélite artificial que atingiu a órbita da Terra ganhou o nome de Sputnik 1. Poucos meses depois, os soviéticos já enviavam para o espaço o primeiro ser vivo, a cadela Laika.

Mas foi em 1961 que os comunistas deixaram a humanidade de boca aberta: a bordo do Vostok 1, o jovem astronauta Iuri Gagarin, 27, se tornava o primeiro ser humano a orbitar a Terra.

Os feitos dos soviéticos incomodaram os americanos, que, em 1968, por meio da missão Apollo, orbitaram a Lua e, menos de um ano depois, colocaram pela primeira vez um homem no único satélite natural da Terra.

Todo o feito americano foi capaz devido a uma máquina desenvolvida pela Nasa chamada de Saturno V.

Com 111 metros de altura, o equivalente a três cristos redentores empilhados, o foguete tinha capacidade de levar 118 toneladas de carga útil para a órbita terrestre baixa —o que corresponde ao peso de 17 elefantes machos. Enquanto isso, o lançador do Vostok 1 tinha 38 metros e levava 4,2 toneladas para o espaço.

"Foi a primeira vez que se usou uma metodologia de projeto baseada no que chamamos de engenharia de sistemas: um grupo relativamente pequeno de engenheiros muito experientes controlava todas as ações referentes ao desenvolvimento do veículo”, explica José Eduardo Mautone, professor de engenharia espacial da Universidade Federal de Minas Gerais.

O orçamento dos EUA para a Nasa na época facilitou o projeto. Estima-se que os norte-americanos tenham gasto, em 12 anos, cerca de US$ 120 bilhões (valores atuais) com o programa Apollo.

As despesas com a Nasa em relação ao gasto total americano era bastante superior às registradas atualmente. Segundo levantamento do jornal britânico The Guardian, em 1966 a Nasa recebeu 4,4% de todos os gastos do governo americano. Em 2019 foram cerca de 0,44%.

Agora, 52 anos depois de Neil Armstrong fincar a bandeira estadunidense na Lua, o ser humano quer voltar a pisar no satélite natural da Terra —resta saber qual será o primeiro país (a China entrou na batalha) ou a primeira empresa a chegar lá.

Se o homem já chegou à superfície lunar uma vez, por que não apenas copiar o projeto da década de 1960? Danton Villas Boas, doutor em ciências e tecnologias espaciais pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), acredita que não seria possível fabricar novamente um Saturno V.

“Provavelmente, não existem mais as unidades produtivas. O ferramental de produção daquela época e os engenheiros e técnicos que estavam treinados para fabricar e montar o foguete não devem estar mais atuando”, diz.

Para tornar a corrida espacial 2.0 ainda mais competitiva, dois bilionários de egos inflados disputam entre si, e com o mundo como audiência, quem irá construir o veículo que levará astronautas da Nasa para a Lua e Marte e quem será o responsável por popularizar o espaço.

De um lado, está Jeff Bezos, homem mais rico do mundo, segundo a lista da Forbes 2021, e dono da gigante do varejo Amazon e da empresa de aeronaves espaciais Blue Origin. Do outro, Elon Musk, segundo homem mais rico do mundo e dono da SpaceX.

O homem que tem alguns bilhões de dólares a menos na conta parece levar vantagem. A Space X derrotou a Blue Origin na licitação da agência espacial americana para construir o foguete que levará os astronautas americanos à Lua. A Nasa pagará U$ 2,9 bilhões pelo serviço.

A viagem será feita por meio do foguete reutilizável Starship, que está sendo testado no Texas. O veículo terá uma altura de 120 metros e carga útil superior a cem toneladas.

Ao mesmo tempo, a Nasa vem desenvolvendo o seu próprio foguete, o Sistema de Lançamento Espacial (SLS, na sigla em inglês), com o intuito de chegar à Lua em 2024. O veículo, apesar de não ser reaproveitável, utilizará parte da tecnologia dos ônibus espaciais americanos, lançados de 1981 a 2011.

Em 2021, o SLS será testado em uma versão menor do que o programado para daqui três anos —o bloco 1 terá 98 metros e uma carga útil de 95 toneladas, enquanto o bloco 2 terá 108 metros e transportará 130 toneladas para a órbita terrestre baixa.

A ideia é que os dois veículos (SLS e Starship) sejam usados na missão lunar.

De acordo com Villas Boas, os foguetes atualmente em desenvolvimento partem com uma missão diferente da Apollo. Na época, o Saturno V deveria ser lançado já com toda a carga útil necessária, em direção à Lua. Agora, a ideia da Nasa é construir uma espécie de estação espacial próxima à Lua, que sirva de parada para os astronautas a caminho do satélite natural da Terra.

“O SLS é uma tecnologia muito mais atual e o conceito é diferente. O Saturno V levava tudo no mesmo foguete, mas agora vai ter essa estação que estocará suprimento. Ao contrário do que foi antigamente, a ida à Lua deve ser uma atividade de longo prazo, imagino que os americanos devam continuar explorando isso de uma forma contínua.”

Na disputa espacial, ainda corre por fora um dos países que protagonizam a Guerra Fria 2.0, a China, que tem como aliada a Rússia —pilar da antiga URSS. Os dois adversários dos americanos pretendem construir uma base de pesquisa permanente no polo sul da Lua até 2030.

Para José Mautone, sobram dúvidas quanto à aliança. “Os chineses estão pensando em se associar aos russos, mas não sabemos qual é o grau de confiança que cada um tem no outro. Mas é um bom concorrente, eles estão caminhando de uma maneira firme. Essa estação espacial [atualmente, sendo instalada pela China] mostrou que a tecnologia que eles estão usando é moderna. Os chineses estão fazendo de tudo para alcançar o objetivo”, diz.

O professor ainda explica que lançadores atuais já chegam a Marte. No entanto, o desafio vai além dos quilômetros viajados: quando se trata de uma missão tripulada, é necessário transportar uma carga enorme para o planeta vizinho.

“A missão a Marte, com os foguetes que temos hoje, vai demorar mais de um ano. Se eles gastarem nove meses para ir, ficarem um tempo em Marte e demorarem mais nove meses para voltar, terão que ter suprimentos para manter a tripulação, mesmo que seja pequena.”

Se a Lua ainda parece distante para Jeff Bezos, o turismo espacial já está bem perto, de acordo com o bilionário. A Blue Origin vem desenvolvendo o New Glenn, um foguete reutilizável que promete levar civis ao espaço e que já custou US$ 2,5 bilhões ao bilionário.

A tecnologia ainda não tem data prevista para funcionar, mas recentemente Bezos chamou a atenção da mídia mundial ao fazer um voo suborbital por meio de um veículo desenvolvido por sua empresa.

Nessa história, um outro bilionário entra em campo. Dias antes do show de Bezos, o empresário britânico Richard Branson já havia feito um voo suborbital no foguete VSS Unity, de sua empresa Virgin Galactic, que também quer tornar o espaço popular.

“Eu realmente espero que haja milhões de crianças em todo o mundo que fiquem cativadas e inspiradas sobre a possibilidade de um dia irem para o espaço”, diz Branson no site de sua empresa.

Apesar dos desejos dos bilionários, ainda não há uma data agendada para que viagens espaciais se tornem populares. Os desafios esbarram nos custos dos trajetos.

“O grande gargalo que temos atualmente é o custo do quilo colocado em órbita baixa da Terra. Atualmente, esse valor está em torno de US$ 10 mil por quilo colocado em órbita. Para se tornar economicamente eficiente, esse custo deveria ser reduzido para US$ 1.000”, afirma Mautone

Enquanto tudo ainda é previsão, resta a nós ficarmos com os pés no chão da Terra.

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