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Museus avançam na acessibilidade mesmo com cortes de orçamento

Digitalização aproxima pessoas com deficiência de instituições culturais e faz crescer demanda por inclusão

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São Paulo

Mais de 17 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Isso representa 8,4% da população do país. Mas é a minoria desse grupo que põe à prova o seu direito assegurado de acesso a espaços culturais.

Embora o Plano Nacional de Cultura, de 2010, determine 100% de acessibilidade em museus, teatros e cinemas, não existem dados sobre a quantidade e o perfil das pessoas com deficiência que frequentam esses locais.

Um homem está em pé e usando máscara em um corredor longo; ele está com o corpo levemente encurvado para a frente e toca as mãos em uma escultura de metal
O artista plástico e educador Daniel Freitas, 38, com baixa visão, testa audioguia que estimula o toque na Galeria de Esculturas Brasileiras, na Pinacoteca, em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

A escassez de estatísticas sobre acessibilidade e a redução de investimentos no setor cultural comprometem o desenvolvimento de políticas públicas eficientes.

"O orçamento da cultura tem sido cortado drasticamente. Se faz ainda mais necessário que tenhamos dados concretos para avançar nas políticas de inclusão", diz Jessica Rocha, coordenadora do Museus e Centros de Ciências Acessíveis, que tem como foco o desenvolvimento de referenciais para a área de acessibilidade e inclusão social.

Levantamento feito pela consultoria JLeiva Cultura e Esporte e divulgado na terça-feira (7) mostra que o gasto do governo federal com cultura despencou 30% de 2015 a 2019, enquanto os estados fizeram cortes de 15%.

Com menos recursos, setores e projetos de acessibilidade, que muitas vezes não são considerados prioritários, acabam sendo os mais comprometidos, segundo Rocha. "Equipes vem sendo demitidas e ações, descontinuadas. Isso impacta diretamente em como os museus podem ser acessíveis ou excludentes".

O fomento público à cultura foi de R$ 11,7 bilhões por ano no período da pesquisa, sendo que os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro responderam por R$ 4,5 bilhões ou 39% de todos os investimentos públicos da área.

É também na região Sudeste que se concentra o maior número de espaços culturais estruturados para receber pessoas com deficiência.

O estado de São Paulo tem mais políticas de acessibilidade consolidadas, afirma Viviane Sarraf, diretora da Museus Acessíveis, que presta consultoria para espaços culturais.

"No Rio, instituições de atendimento a pessoas com deficiência começaram a ser criadas na época de dom Pedro 2º [1825-1891]. Em São Paulo, isso surge no século 20, e já baseadas em convenções internacionais. Portanto, consolidando políticas mais efetivas", diz Sarraf, que também é professora de especialização em museologia, educação e cultura da PUC-SP.

Localizada no centro da capital paulista, a Pinacoteca investe em políticas de acessibilidade desde 2003. Na pandemia, a instituição teve de fechar as portas e usou o momento para ampliar as condições de acessibilidade.

As nove obras que compõem a Galeria de Esculturas Brasileiras foram trocadas e, em breve, pessoas cegas poderão conhecer com a sensibilidade das mãos trabalhos de Amilcar de Castro (1920-2002) e Humberto Cozzo (1900-1981), entre outros.

A Pinacoteca está desenvolvendo um audioguia que, além de descrever a obra, vai estimular o toque. A previsão é que a experiência seja liberada no começo de 2022.

Além das esculturas, a instituição também disponibiliza maquetes para serem tocadas, como a que reproduz o quadro "Antropofagia", de Tarsila do Amaral (1886-1973).

Pessoas com deficiência também já podem fazer imersões sensoriais. Diante da obra "Caipira picando fumo", de Almeida Júnior (1850-1899), elas sentem a textura da palha de milho e o cheiro do fumo de corda.

Os recursos de acessibilidade só foram possíveis por causa de uma política abraçada pela diretoria e pelo departamento de recursos humanos, afirma Gabriela Aidar, coordenadora dos programas educativos inclusivos da Pinacoteca.

"Não adianta ter equipe do educativo especializada em acessibilidade se outros departamentos não estão engajados. Todos precisam se preparar: seguranças, recepcionistas ou atendentes de sala", diz Aidar.

Outro museu referência em acessibilidade em São Paulo é do Futebol, no estádio do Pacaembu, na zona oeste.

Localizado embaixo das arquibancadas, o prédio tem escadas rolantes, elevadores e piso tátil, facilitando a locomoção por todas as salas.

Pranchas táteis em resina têm rostos em alto-relevo dos ex-jogadores Pelé e Garrincha. Ao longo dos anos, o espaço ganhou outros objetos para toque, entre eles maquete do estádio, réplicas de troféus e boneco maleável, que permite à pessoa com deficiência perceber a simulação de movimentos dos atletas.

Na pandemia, o museu investiu em conteúdos digitais. Vídeos sobre o esporte foram traduzidos em Libras. ​

Mais do que modificações estruturais, a Japan House, na avenida Paulista, em São Paulo, vem apostando na compreensão sobre os direitos de pessoas com deficiência.

Uma vez por ano a equipe é treinada por consultores especializados. Em uma das atividades, funcionários foram vendados para perceberem as necessidades de apoio de uma pessoa com deficiência.

"Às vezes, quando falamos de acessibilidade, há confusão sobre dependência. E não se trata disso", a supervisora de mediação cultural da Japan House, Hiromi Saito.

Na pandemia, a Japan House implementou um aplicativo na web, acessado com QR Code, com conteúdos audiodescritos e vídeos legendados e com tradução em Libras.

Com a digitalização de espaços culturais, pessoas com deficiência se aproximaram mais dos museus, diz Simone Freire, idealizadora do Web Para Todos, que promove acessibilidade digital.

Ela diz que, com essa aproximação, a tendência é de um incrementação de ferramentas que promovam acessibilidade tanto nos espaços virtuais como físicos

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