Dois dias após a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva (Rede), afirmar que uma decisão sobre o pedido da Petrobras de perfurar a foz do rio Amazonas dependeria de critérios técnicos, o Ibama negou a licença para a exploração de petróleo na área.
A decisão, desta quinta-feira (17), foi tomada após o órgão demonstrar preocupação com as atividades da petroleira em uma região de vulnerabilidade socioambiental.
A afirmação de Marina foi feita durante o seminário Desafios do governo Lula para ambiente e clima, realizado pela Folha, com apoio da Open Society Foundations, na última segunda-feira (15). O debate foi mediado pelos jornalistas Cristiane Fontes e Marcelo Leite.
Ainda na segunda, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), havia defendido em outro evento a possibilidade de a empresa estudar a bacia da foz do Amazonas. O emedebista também esteve no seminário organizado pelo jornal, mas em outro painel.
Marina participou da conversa ao lado de Tereza Campello, diretora socioambiental do BNDES, Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, e Mauricio Terena, assessor jurídico da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
"É inegável que tenha altíssimo impacto ambiental, simbólico e político", disse a ministra sobre a exploração na região. "E tudo será considerado do ponto de vista técnico."
Marina garantiu que o Ibama tem autonomia em processos de licenciamento e afirmou que nunca foi pressionada a conceder licenças por decisão política. "No caso de Belo Monte, durante minha gestão, [a licença] foi reencaminhada para estudos", disse.
O Ibama concedeu licença à construção da hidrelétrica apenas em fevereiro de 2010, quase dois anos depois de Marina deixar o segundo governo Lula. Sua posição contrária ao projeto foi, aliás, motivo de desgaste com o presidente e desencadeou sua saída da pasta à época.
No seminário desta segunda, a ministra ainda defendeu uma análise que considerasse o impacto do conjunto de empreendimentos na bacia hidrográfica —e não apenas em um local específico.
A Petrobras buscava autorização do Ibama para perfurar o solo de um local próximo à bacia da foz do Amazonas à procura de petróleo.
Embora fosse etapa preliminar à extração, especialistas temiam que abrisse precedentes para a exploração de outros blocos na região.
Investir em perfurações vai no sentido contrário da transição energética, segundo especialistas. O diretor executivo da Agência Internacional de Energia, Fatih Birol, disse em 2021 ao jornal britânico The Guardian que a meta de emissões líquidas zero até 2050 dependia da extinção de novos investimentos em petróleo, gás e carvão já a partir daquele ano.
Outro ponto levantado por Marina foi a necessidade de diminuir a pegada de carbono nas exportações brasileiras. Ela elogiou a atenção ao meio ambiente nos acordos firmados entre Lula e o líder chinês Xi Jinping e argumentou que o país asiático vai deixar de importar produtos de carbono intensivo. "Com isso, todo o mundo vai ter que fazer o dever de casa. Nós podemos ficar trancados pelo lado de fora se o Brasil não compreender que precisa exportar produtos de baixo carbono."
Internamente, por outro lado, a China é um dos países que mais emitem CO2.
Os painelistas destacaram ainda a importância de um trabalho conjunto entre ministérios para reduzir a derrubada de florestas. "O desmatamento na Amazônia foi criado em grande parte pelo avanço da pecuária. Se não houver um ministério que cuide desse setor da economia e aja pela redução, fica muito difícil ter sucesso", afirmou Astrini.
Para Campello, o próximo passo é fazer com que a questão ambiental seja considerada em todas as esferas. "Aqui no BNDES, o desafio é que cada uma das nossas linhas de crédito passe a considerar o clima como inerente."
A diretora socioambiental do banco ainda comemorou a retomada do Fundo Amazônia, mas também falou sobre a dificuldade em discutir medidas para financiar a transição energética, como taxas de juros diferenciadas para projetos verdes. "É um debate interditado; cobra-se que o Brasil faça essa transição sem se permitir que a discussão sobre financiamento aconteça."
Os debatedores também abordaram a resistência a pautas ambientais e indígenas no Legislativo. "Apesar da criação do Ministério dos Povos Indígenas, entendemos que o Congresso é uma contraforça ao avanço dos direitos dos povos indígenas", disse Terena, da Apib.
Em abril, por exemplo, o PP ingressou com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) questionando a competência da pasta sobre a demarcação de terras.
Além disso, a presidente da corte, Rosa Weber, anunciou que o julgamento do marco temporal será retomado no início de junho, e o Congresso também está próximo de votar o tema através do PL 490/2007.
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