Escola no RS usa música para combater ansiedade e melhorar concentração

Criado em 2023, em Passo Fundo, projeto leva o nome do violonista Yamandu Costa

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Passo Fundo (RS)

Quando um grupo de professores-músicos se apresentou tocando cajon, saxofone e violino no seu colégio, anunciando a abertura de vagas para uma escola pública de música, Laura Valim Freitas, 14, viu a chance de aprender um instrumento pela primeira vez.

Ela cresceu assistindo aos primos tocarem violão e bateria na igreja, mas nunca havia se arriscado a tentar algo. Para acompanhar uma amiga, escolheu o violino.

A estudante Laura Valim Freitas, 14, durante aula de violino na Escola de Música Yamandu Costa, em Passo Fundo (RS)
A estudante Laura Valim Freitas, 14, durante aula de violino na Escola de Música Yamandu Costa, em Passo Fundo (RS) - Diogo Zanatta / Folhapress


Há cerca de três meses, a adolescente, que como a maioria das pessoas da sua idade não gosta de acordar cedo, diz que salta da cama toda quarta-feira pela manhã para as aulas.

"Sabe quando tu se sente mais leve?", diz. "Essa escola me fez muito bem. Eu me concentro mais nos estudos, me sinto até mais livre aqui. Sinto que é um lugar meu, de verdade".

A mãe, Marla Valim, 36, conta que uma mudança de cidade que a família precisou fazer acabou virando gatilho para a ansiedade na filha, o que ela viu mudar desde que Laura começou a aprender música.

"Ela sempre foi boa aluna, mas, quando mudamos de cidade, veio a ansiedade. A música foi a melhor terapia", afirma.

Laura está entre as cerca de 345 crianças e adolescentes que passaram a ter acesso a aulas públicas de música em Passo Fundo, cidade a 290 quilômetros de Porto Alegre, na região norte do Rio Grande do Sul, com a abertura da Escola Pública de Música Yamandu Costa neste ano. O nome é uma homenagem ao violonista e compositor, com carreira internacional, que nasceu no município.

O músico e professor André Gomes da Silveira na aula com alunos da Educação Infantil na Escola de Música Yamandu Costa
O músico e professor André Gomes da Silveira na aula com alunos da Educação Infantil na Escola de Música Yamandu Costa - Diogo Zanatta / Folhapress

A escola funciona em um espaço próprio, em um parque no centro da cidade, mas tem ainda aulas em quatro escolas municipais consideradas polos do projeto, em bairros. Ela foi criada por meio de um projeto de lei da prefeitura, para garantir a continuidade dos trabalhos mesmo com trocas de governo.

Por enquanto, as vagas são destinadas apenas a alunos matriculados na rede municipal, que estão entre o sexto e o nono ano. A escola ainda não abriu lista de espera.

"O objetivo não é formar músicos, mas cidadãos que tenham sensibilidade à música, à arte, abertos ao diferente, ao diálogo, a ouvir o outro. Habilidades necessárias hoje na sociedade", explica o prefeito Pedro Almeida (PSD), que também é músico.

Segundo o maestro Rodrigo Ávila, diretor da escola, não há processo seletivo, nem é exigido familiaridade com os instrumentos, apenas a matrícula em uma das 34 escolas municipais com ensino fundamental e vagas disponíveis para o instrumento escolhido – são quatro categorias: sopro, percussão, cordas e cordas friccionadas.

Além dos alunos na faixa etária dos 11 aos 16 anos, a escola tem um projeto piloto com uma escola de educação infantil, para crianças entre cinco e seis anos, voltado à sensibilização musical e à introdução aos sons e instrumentos.


"Eu trabalhei com adolescentes que usavam a música como ferramenta de se inserir dentro da comunidade, que tinham dificuldade", conta o maestro.

"A música aliada à educação é uma ferramenta poderosa. Tem essa relação de interdisciplinaridade. Por exemplo, quando faz relação com a matemática, a música tem estruturação de tempos, é uma estrutura organizada. O aluno consegue fazer outras conexões, estabelecer novas relações com o mundo."

Robson Segovia, 14, havia tentado aprender a tocar violão por conta própria, pesquisando na internet, já que o irmão mais velho tinha o instrumento em casa, mas sem sucesso.

"Eu não sei o porquê, mas estou melhor em matemática. Como se estivesse me ajudando a fazer raciocínios lógicos, eu sinto que me concentro mais, não estou me distraindo tão facilmente", diz.

Yamandu, que empresta o nome ao projeto, conta que teve um percurso irregular na época de escola e que foi com a música que acabou encontrando sua serventia no mundo.

O músico, que ganhou um Grammy Latino em 2021, aposta que o projeto pode ajudar crianças e adolescentes a encontrarem uma formação que vá além da parte musical.


"O foco não é criar músicos, é melhorar a sociedade. É construir gente interessante, com cabeça pensante. Ouvir música, ir ao teatro, faz parte do bem viver. É tão essencial quanto ter uma dieta balanceada, fazer exercício, é cuidar da cabeça", afirma.

Yamandu, que esteve na cidade em março para a inauguração da escola, doou à prefeitura o acervo pessoal de seu pai, Algacir Costa, integrante do grupo Os Fronteiriços e quem o introduziu à música ainda criança. Entre os pertences de Algacir, como livros e fotos, há anotações feitas à mão sobre os métodos de ensino dele.

"Ele formou muita gente de maneira informal. Quando ele via alguém com talento, chamava até a casa dele para ensinar teoria e solfejo. Muita gente do Rio Grande do Sul se formou com o meu pai. Essa escola é uma homenagem à memória dele", diz o filho.

A principal preocupação dele agora, em tempos de polarização política no país, é ver o trabalho da escola garantir continuidade a longo prazo.

"E por que esse modelo não pode ser seguido, daqui a pouco, em outros municípios? O Brasil é um país enorme, com um potencial, uma miscigenação, um poder dessa mistura, inacreditável. Só falta vontade".

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