Jovem negra supera preconceito para criar projeto social ligado ao basquete

Isabela Machado uniu esporte e educação em iniciativa no interior do PR e entrou para lista de empreendedores sociais

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São Paulo

O que acontece quando uma menina que é negra, mede 1,62m e não tem dinheiro para treinar em clubes resolve jogar basquete? Ela só encontra times de meninos que são brancos, altos e treinam em clubes pagos. Resultado: "Ninguém passa a bola".

Mas a menina para quem ninguém passava a bola entrou com tudo no jogo e está dando dribles na falta de diversidade dentro e fora das quadras.

Isabela da Silva Machado, 19, não só se tornou atleta do basquete como virou influencer esportiva, com 88 mil seguidores no Instagram, e foi convidada a apresentar um programa no canal brasileiro do YouTube da Jr. NBA, a famosa liga de basquete dos Estados Unidos.

E, mais importante, desenvolveu um projeto de educação e inclusão social por meio do basquete. Treinadora de um grupo de crianças e jovens de um bairro de alta vulnerabilidade socioeconômica, Isabela ensina nos treinos não só a fazer cestas como também que as meninas podem, os negros podem, os pobres podem.

Isabela Machado no Centro da Juventude de Pinhais, no Paraná
Isabela Machado no Centro da Juventude de Pinhais, no Paraná - Letícia Moreira/Folhapress

"Podem não só jogar basquete, como se inserir de uma forma melhor na sociedade."

Até conquistar essas vitórias, Isabela levou muito toco. "Conheci o basquete nas aulas de educação física e passei a acompanhar a NBA e toda aquela cultura ligada ao basquete, que dá aos negros uma identidade. Eu queria fazer parte de algo assim."

Decidiu entrar na escolinha de esportes da Prefeitura de Pinhais, cidade do Paraná onde mora, com cerca de 130 mil habitantes. "Não havia times de meninas, e acabaram me deixando jogar no de meninos", conta ela, que tinha 15 anos à época.

No dia do primeiro treino, Isabela teve uma crise de ansiedade. "Eram todos meninos, muito mais altos do que eu", conta. "E, por muito tempo, ninguém passava a bola para mim, os professores nem vinham me ensinar", diz.

"Quando eu ia arremessar, ouvia: ‘Duvido você acertar’. Eram vários comentários machistas, e fiquei muito insegura."

Isabela aguentou essa barra sozinha por três meses, até que uma outra menina entrou no time. Com cinco meses, veio a terceira, e elas uniram para brigar por espaço. "Quando estava começando a ficar mais legal, veio a pandemia", conta.

Trancada em casa, Isabela passou a bater bola no quintal e elaborou um plano para treinar, seguindo vídeos do YouTube. No fim de 2020, já treinava por uma hora todos os dias. "E eu nem tinha cesta. O controle da bola virou a minha especialidade."

Isabela percebeu a sua evolução, apesar do improviso. Começou a postar tutoriais no Instagram, e a audiência foi crescendo. Logo que saiu do quintal, foi aprovada, em 2021, em uma peneira de um time de uma cidade próxima, São José dos Pinhais.

Em 2022, começou a dar aulas de basquete no Instituto Federal do Paraná, onde cursava o ensino médio. "Já foi um bom começo, porque eu tive que conseguir esse espaço na escola e provar que, sendo mulher e baixa, eu podia ensinar basquete", diz.

"Mas eu queria atingir a comunidade que mais precisa, porque, na escola federal, existe o vestibulinho, e não são os mais vulneráveis que estudam lá", reflete.

Ela elaborou um projeto de esporte e educação, que batizou de Comunidade MVP –a sigla vem de Most Valuable Player (jogador mais valioso), nome de um prêmio da NBA.

Quando se formou no ensino médio, entrou no Agentes da Cidadania, programa do governo do Paraná de incentivo ao protagonismo juvenil, e levou a Comunidade MVP para o Centro da Juventude, um complexo da prefeitura na periferia.

"Estamos em um local com todo o tipo de vulnerabilidade social, onde há tráfico de drogas. Há crianças e jovens que chegam para treinar descalços, não têm tênis", diz Isabela, que está buscando patrocínio com marcas esportivas para tentar resolver esse problema.

Neste ano, ela foi selecionada para a lista de Jovens Transformadores da Ashoka, rede internacional de empreendedorismo social, e quer aproveitar a ampliação de seus contatos para expandir a Comunidade MVP. "Quero espalhar pelo Brasil todo essa ideia de que o esporte precisa ser acessível porque ele educa e transforma", diz.

"Para meninos da periferia, uma escolinha de futebol, por exemplo, acaba sendo mais atraente do que a escola onde estudam e que pode levá-los à universidade", analisa. "Então, vamos dar a eles a oportunidade de estar em uma escolinha de futebol ou de outro esporte e levar para lá a educação, a possibilidade de que se transformem."

Isabela está cursando faculdade de educação física na Universidade Federal do Paraná e planeja conseguir parcerias para abrir um centro de esportes gratuito, que ofereça atendimento multidisciplinar para crianças e jovens de baixa renda.

A jovem já desenvolveu a sua metodologia, com três princípios em que faz um paralelo entre o esporte e a vida. 1) Não xingar ("A comunicação tem que ser assertiva, mas com respeito e paciência"); 2) O erro não é ruim ("Errar significa que estamos saindo da zona de conforto e evoluindo"); 3) Cooperação acima da competição ("Fazer ponto exige mais a colaboração entre a equipe do que a disputa com o adversário; achar que vivemos em uma eterna competição e que nunca podemos ser vulneráveis adoece").

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