Maioria das pessoas com deficiência e LGBTQIA+ não confia no sistema de saúde, mostra pesquisa

Levantamento da farmacêutica Sanofi mostra também que rejeição é alta na população em geral

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Nápoles

Pesquisa divulgada neste ano pela farmacêutica Sanofi mostrou que pessoas com deficiência e LGBTQIA+ são as que mais desconfiam do sistema de saúde no Brasil.

Nove em cada dez usuários dos serviços que pertencem a esses grupos tiveram a confiança no atendimento médico abalada. A média entre os brasileiros não fica muito abaixo, 80% relataram experiências negativas. O levantamento ouviu 2.270 pessoas.

Neila é uma mulher branca de cabelos castanhos, ela está de pé atrás de um púlpito com a inscrição Diversidade no Sistema de Súde
Neila Lopes, head de diversidade e cultura da Sanofi no Brasil apresenta os resultados da pesquisa durante o seminário Diversidade no Sistema de Saúde, realizado pela Folha - Lucas Seixas/Folhapress

Jhenny Silva, 30, é uma delas. Moradora de Esmeraldas (MG), passou quatro anos reunindo coragem para buscar tratamento contra depressão e ansiedade. O medo de não ser bem recebida por profissionais era uma barreira. Só depois de conversar com a mãe, neste ano, procurou o serviço público. Sequer foi atendida.

"Cheguei na recepção, um espaço que não tinha nem 16 metros quadrados. A coordenadora entrou na sala, passou os olhos e ignorou minha presença. Virou de costas e saiu."

Silva é uma mulher transexual. Ela não enxerga só preconceito na situação. "Talvez ela estivesse em um dia ruim. Às vezes é falta de informação." No estado vulnerável em que estava, sentiu-se negligenciada e foi embora. Depois, com a ajuda de uma amiga, conseguiu atendimento.

Partindo de relatos como esse, a Sanofi promoveu uma pesquisa em cinco países para entender a relação de grupos minorizados com o sistema.

Questionários online foram aplicados na França, nos Estados Unidos, no Japão, no Reino Unido e no Brasil, contando com a participação de mais de 12 mil pessoas no total.

O estudo integra a iniciativa 1 Milhão de Diálogos, que tem financiamento de 50 milhões de euros (equivalente a R$ 264,5 milhões) até 2030. O objetivo é promover o diálogo e usar a própria influência para gestar políticas públicas.

Neila Lopes, chefe de diversidade e cultura da farmacêutica, explica que a inserção do Brasil no estudo não se deve só ao tamanho do mercado, um dos dez maiores da empresa.

"Os dados dessa pesquisa confirmaram o que a gente já suspeitava. O fato de você pertencer a um grupo minorizado faz com que você viva experiências que prejudicam e que diminuem a sua confiança no ecossistema de saúde", disse ela durante a abertura do seminário.

Lopes afirma que o país já contava com trabalhos estruturados relevantes, que contribuíram na criação de um programa global de governança em diversidade e inclusão.

Desde 2018, a filial tem trabalhos voltados para os recortes de gênero, raça, deficiência, orientação sexual e questões geracionais.

Entre as 2.270 pessoas ouvidas, 15% se identificam como LGBTQIA+. Nesse grupo, 7 em cada 10 perderam a confiança nos planos de saúde privados, e 9 desconfiam do sistema em geral. Eles apontam a falta de resultados e o julgamento entre os principais problemas. Também relatam que sofreram discriminação e tratamento diferente.

O pesquisador Caio Pedra, chefe da assessoria do Sistema de Direitos Humanos da Prefeitura de Belo Horizonte, afirma que a dificuldade de acesso da população LGBTQIA+ ao sistema é histórica.

Ele lembra que até pouco tempo atrás a homossexualidade e transexualidade eram tratadas como doença. Para ele, o corpo médico não está preparado para lidar com as demandas específicas desses grupos. "Não adianta fazer campanha para essa população se ela vai chegar lá e ser maltratada e desrespeitada."

São muitas as críticas feitas por pacientes. Homens gays relatam que é comum as consultas se encaminharem para temas de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).

Já mulheres lésbicas veem sua vida sexual ignorada por profissionais, por não envolver um homem. No atendimento de transexuais, o nome social não é respeitado.

A desconfiança com o sistema também foi grande entre PCDs. Esse grupo abrange 16% dos participantes da pesquisa no Brasil.

Para eles, o serviço de má qualidade, a falta de acolhimento e o julgamento são os principais problemas. Muitos não sentem que são ouvidos. O professor de ciências Durval da Silva Santos, 30, tem sequelas de raquitismo nas pernas e braços. Durante a pandemia também começou a sentir dores na coluna.

Ele passou dois anos buscando o diagnóstico. Só quando foi a uma reumatologista particular descobriu que sofria de uma doença autoimune. Para Durval, faltou atenção. "Eu sempre falei que tive raquitismo, mas nunca me solicitaram exames de vitamina D [que permitiram o diagnóstico]. Faltou escuta."

Na pesquisa, a população em geral mostrou desconfiança com o setor de saúde. Classe social, situação econômica e idade foram apontados como possíveis explicações para o atendimento ruim. Para as pessoas LGBTQIA+, a orientação sexual e gênero foram os fatores com maior influência depois da classe social.

Quase metade diz que não recebeu explicações adequadas do médico. O sentimento de insegurança e a falta de escuta também estão entre as experiências mais comuns.

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