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Fernando Cotait Maluf

Avanço no combate ao câncer deve contemplar a diversidade

Desafio é proporcionar os novos tratamentos e drogas para toda a sociedade

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Fernando Cotait Maluf

Diretor associado do Departamento de Oncologia Clínica da Beneficência Portuguesa de São Paulo, membro do Comitê Gestor do Centro de Oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein e cofundador do Instituto Vencer o Câncer

O Encontro Anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco), maior congresso de oncologia do mundo, realizado entre os dias 2 e 6 de junho últimos, em Chicago (EUA), apresentou mais uma vez estratégias inovadoras aliadas a maiores chances de sucesso. Exemplos são os anticorpos conjugados a droga e terapia celular com CAR-T Cell. Ambas as estratégias vêm revolucionando o tratamento contra o câncer, com excelentes resultados.

Essas novas classes de drogas, segundo as maiores autoridades do mundo da área, terão uma ação ainda mais ampla e eficaz que as imunoterapias atuais e estão sendo usadas isoladamente ou em combinação com outros agentes, como a própria imunoterapia e drogas alvo-dirigidas.

Os anticorpos conjugados a droga têm um mecanismo de ação único: o anticorpo administrado no ser humano é capaz de atingir certas células tumorais pela ligação a um receptor superexpresso no tumor —e não nos tecidos normais. Após essa ligação ser feita, libera-se um agente letal somente dentro da célula tumoral. Além de promover grande eficácia através de elevadas taxas de resposta, seu perfil de efeitos colaterais é menor, pois o quimioterápico não atinge células saudáveis em grande concentração.

Nesse congresso, um dos anticorpos conjugados, chamado "sacituzumabe govitecan", que liga-se ao receptor do tumor de nome Trop 2 e libera um quimioterápico muito tóxico ao tumor (o SN-38), foi comparado a tratamentos quimioterápicos convencionais em 543 mulheres com cânceres de mama avançados e já refratários a várias terapias —houve uma redução do risco de morte em 21%.

Uma outra medicação dessa classe —o "mirvetuximabe", que se liga aos receptores de folato e libera internamente um agente quimioterápico que bloqueia a proliferação do tumor— demonstrou redução do risco de morte de 36%, se comparado à quimioterapia clássica, em mulheres com câncer de ovário refratário. Essas classes de medicação já têm sido aplicadas em vários outros tumores, como câncer de bexiga, pulmão, estômago e útero.

Na área da terapia celular, grandes avanços também vêm sendo alcançados com a tecnologia do CAR-T Cell, estratégia aprovada em tipos específicos de leucemias, mielomas e linfomas —e que agora mostra resultados promissores em outros tumores. Como exemplo, um estudo de CAR-T Cell em 25 mulheres com câncer de ovário refratário a outros tratamentos mostrou um controle de doença temporário de 85%.

Por outro lado, a tecnologia só é mais completa na sua missão se uma significativa parcela da população é beneficiada pelos seus melhores resultados. Esse importantíssimo aspecto também foi abordado no congresso em Chicago como um ponto de elevado destaque e preocupação.

Como exemplo, um estudo incluindo 6.380 pacientes adolescentes ou adultos jovens com diagnóstico de câncer reportou que os pretos apresentavam mortalidade 35% maior que os brancos. Do mesmo modo, outro estudo americano, que incluiu 8.318 mulheres com câncer de mama avançado, demonstrou que pacientes pretas tinham uma chance 55% menor de receber uma droga chamada inibidor da ciclina, fundamental no combate à doença.

No Brasil, isso não é diferente. Um estudo do qual participamos, incluindo banco de dados de 19 hospitais e mais de 130 mil pessoas, demonstrou que os pacientes que se tratam no SUS em relação aos que têm convênio médico apresentam 40% e 43% mais chances de morrer de câncer de mama e colorretal, respectivamente. Números ainda piores foram reportados para os cânceres de estômago e cabeça e pescoço, em que a mortalidade é 60% maior.

Portanto, mais do que desenvolver novos tratamentos que podem mudar a história do câncer no mundo e Brasil, o grande desafio nos próximos anos será vencer o "câncer" das diferenças sociais e raciais e permitir a ampliação do acesso a pacientes homens e mulheres, crianças e adolescentes, independentemente de etnia e condição socioeconômica, para que tenham tratamentos oncológicos que possam ser transformacionais em promover reais chances de cura e maior longevidade.

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