Setor de elétricos segue aquecido, mas enfrenta desconfiança entre brasileiros

Incerteza sobre postos de recarga e preocupação com descarte da bateria são alguns dos pontos de alerta

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São Paulo

A popularização dos elétricos está diretamente associada ao crescimento do mercado brasileiro, mas o setor ainda enfrenta desconfiança quanto à infraestrutura. Esse foi um dos pontos discutidos durante o segundo painel do seminário "Meio ambiente: resiliência climática e descarbonização", realizado pela Folha na última segunda-feira (3). O evento teve patrocínio da BYD e apoio da Prefeitura de Manaus e do Governo do Pará.

Segundo Henri Karam, gerente de relações públicas da montadora chinesa BYD, só neste ano foram vendidos no Brasil cerca de 25 mil automóveis, quase 140% do total de 2023. Nos dois primeiros meses da empresa no país, em 2021, apenas 300 unidades foram comercializadas.

"Isso mostra que os brasileiros gostaram dos carros elétricos e híbridos e que estão preocupados com a questão da sustentabilidade", disse o executivo. Atualmente, um BYD Dolphin, modelo elétrico mais vendido no ano passado, pode ser adquirido a um preço de venda de R$ 149,8 mil.

Em destaque, é possível ver quatro homens vestidos com roupas formais sentados sobre poltronas em cima de um palco, em que há um painel de LED com os escritos "Meio ambiente: resliência climática e descarbonização". Também é possível ver parte do público, sentada em poltrona, no auditório da Folha
Painel com especialista em mobilidade urbana e representantes do setor elétrico discutiu formas de popularizar os carros movidos a bateria no Brasil - Jardiel Carvalho/Folhapress

O potencial do mercado nacional levou a montadora chinesa a construir a primeira fábrica fora da Ásia, a 50km de Salvador, no município baiano de Camaçari. A expectativa é que as obras sejam finalizadas no ano que vem, quando poderão ser produzidos 150 mil carros por ano.

Para Davi Bertoncello, membro do conselho diretor da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), a performance é o principal motivo que atrai consumidores para o automóvel que roda com bateria. "Ninguém compra sustentabilidade. As pessoas compram bons produtos que tenham sustentabilidade abarcada."

Uma das maiores resistências dos consumidores com o setor tem a ver com os pontos de recarga. Em 2019, o Brasil tinha 350 estações com essa estrutura, que aumentaram para 7.500 em 2024. Os dados foram apresentados no seminário por Bertoncello, que também é presidente da Tupi Mobilidade –aplicativo cujo objetivo é conectar os motoristas a esses pontos.

Na visão dele, os números atuais são satisfatórios, mas ainda é preciso discutir a eficiência das estações de recarga em rotas intermunicipais e dentro das cidades, para motoristas profissionais que não podem ficar esperando a bateria carregar.

"Desse ponto de vista, o protagonista ainda é o automóvel a gasolina ou a etanol, porque a pessoa sabe que vai encontrar um posto de combustível no caminho", complementou Roberto Marx, professor de engenharia de produção da USP, também presente na mesa, que teve mediação do repórter da Folha João Gabriel.

O docente defendeu olhar com atenção para outros meios de transporte, em especial os coletivos. "Uma grande parcela da população não tem acesso a nenhum carro, seja elétrico, seja a gasolina, seja a etanol. Então, ao discutir descarbonização, não podemos deixar de falar dos serviços públicos", disse.

Isoladamente, um ônibus emite mais do que um carro, mas, por carregar mais pessoas, explica ele, o coletivo tem um ganho quanto à redução das emissões. Isso vale também para os veículos elétricos.
O especialista em mobilidade urbana previu que o etanol seguirá como importante componente da matriz energética brasileira por muitos anos e que, para a venda de elétricos aumentar, é preciso estudar os competidores de outros tipos de motorização e a aceitação do público.

"Questões culturais, sociais e legais ajudam a explicar por que uma tecnologia ou um produto assume o lugar de outro", disse. O produto pode até apresentar ótima qualidade, reduzir emissões e ser mais silencioso, mas outros elementos, de caráter mais prático, pesam para a decisão final do consumidor, como o preço de revenda, de peças de reposição e da manutenção do carro.

Questionados sobre a duração e o descarte da bateria, Bertoncello e Karam afirmaram que a sobrevida da atual geração de pilhas para carros fica entre 20 e 25 anos. O conselheiro da ABVE destacou também que há empresas com tecnologia já desenvolvida capazes de reciclar até 99,3% dos componentes.

Já na visão de Marx, o Brasil está muito atrasado na questão do descarte. O programa automotivo Mover, lançado em 2023 pelo governo Lula, estabeleceu que a eficiência energética seja medida no sistema "do poço à roda", um avanço em relação à política anterior, mas que não atinge a classificação "do poço ao túmulo", que avalia o ciclo da fonte energética até seu descarte, o que está previsto para 2027.

Apesar disso, o professor avalia a política como positiva por buscar incentivar "não apenas a eletrificação, mas outras alternativas que contribuem para a descarbonização".


Assista na íntegra ao seminário da Folha que debateu resiliência climática e descarbonização

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