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Indústria cinematográfica chinesa perde talentos para desenvolvedores de videogames

Enquanto o setor de televisão e de cinema sofria durante a pandemia, os desenvolvedores de videogames prosperavam

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Guan Cong Jiang Yaling
Pequim | Caixin

A More VFX está se saindo muito bem. A empresa de efeitos visuais teve seu nome mencionado nos créditos de quatro dos sete filmes lançados no feriado do Ano-Novo lunar chinês, o período de maior bilheteria nas salas de cinema de China.

Anteriormente, a empresa tinha recebido grandes elogios por sua participação no “blockbuster” épico “Terra à Deriva”, adaptado de um romance curto de Liu Cixin, o mais conhecido escritor chinês de ficção científica.

No entanto, o fundador da More VFX, Xu Jian, escreveu que estava considerando mudar de carreira. Nos últimos 18 meses, ele disse ter perdido um empregado por semana, porque, afirmou, “o setor de videogames vem roubando talentos em ritmo intenso, e o setor de efeitos visuais para o cinema pode enfrentar uma situação desconfortável, e ficar desprovido de pessoal a partir do ano que vem”.

Jogadores em um café em Fuyang, na China - 20.ago.2018/Reuters

Ainda que tenha decidido aumentar em 70% a 80% os preços do trabalho de sua empresa este ano, o dinheiro adicional só permitirá que Xu mantenha “uma pequena fração de talentos qualificados”, ele afirmou.

Os filmes de animação também estão sendo afetados por essa fuga de cérebros para o setor de videogames. Wang Yunfei, diretor de “Monkey King Reborn”, um filme de animação que deve estrear este ano, inspirado pela franquia cinematográfica “Jornada ao Oeste”, disse à Caixin que, das mil pessoas que trabalharam no filme ao longo dos últimos cinco anos, “menos de metade continua trabalhando no setor”.

Ao longo dos 20 anos de carreira de Wang, ele se recorda de que aconteceram três grandes ondas de roubo de talentos dos setores de cinema e televisão pela indústria do videogame. Essas ondas surgiram quando o ramo de videogames promoveu planos de expansão ambiciosos, e a mais recente delas também vem sendo a mais forte, segundo o empresário.

O propulsor

Wang disse que costuma visualizar os profissionais de animação como guerreiros, sempre envolvido em batalhas, enquanto os desenvolvedores de videogames podem só curtir a festa. “O filme não está concluído, mas outros chegam para tentar atrair [talentos], com ofertas de salários três vezes mais altos. De que maneira posso impedir que as pessoas escolham sair?”

Os sistemas de produção de imagens digitais oferecem uma barreira de capacitação considerável, mas os profissionais do setor em geral não veem uma carreira no ramo como percurso altamente lucrativo.

Produções de primeira linha como “Terra à Deriva” surgem raramente, e nunca em grande número. Isso para não mencionar o fato de que os filmes chineses concentram seus gastos no elenco, e sobra pouco orçamento para os efeitos visuais.

Além disso, profissionais como Liu Zheng, o diretor de efeitos visuais de “Nezha”, grande sucesso do cinema de animação chinês em 2019, também trabalha em filmes de Hollywood, como “Círculo de Fogo” e duas das continuações de “Capitão América”. Liu, fundador da RedHare FX, uma companhia de efeitos visuais, disse que a maior parte dos cérebros que estão deixando o setor são artistas iniciantes. Mas mesmo veteranos às vezes se deixam atrair pelos pacotes de remuneração generosos e pela possibilidade de desenvolver carreiras melhores.

“Existem apenas de 400 a 500 talentos em nível sênior no cinema, televisão e no ramo de animação na China, [e] 95% deles foram contratados pelo setor de videogames”, disse Xu, da More VFX, acrescentando que a maioria dos talentos na casa dos 30 anos de idade também foram atraídos para o setor de videogames.

A Covid-19 ampliou a discrepância salarial. A produção de cinema e televisão foi fortemente afetada pelas medidas tomadas para controlar a difusão do vírus. Mas porque as pessoas presas em casa passaram a recorrer ainda mais à internet para encontrar um escape, os videogames passaram por um boom —que veio acompanhado de uma nova onda de contratações.

Xu Douding, fundador da Lieyou, uma empresa de recrutamento de pessoal cujo foco é o setor de videogames, disse que os designers conceituais em geral antecipam aumentos salariais da ordem de 10% ao ano, quando começam no setor. Mas no ano passado o ritmo de aumento chegou a até 30%. A TapTap, a desenvolvedora de jogos FunPlus e a gigante da internet ByteDance estão entre os empregadores mais generosos.

De acordo com o site de recrutamento Zhaopin.com, o segmento de videogames online tem salários médios inferiores apenas aos do setor financeiro.

Liu, da RedHare FX, está preocupado com possibilidade de que nos próximos anos os espectadores percebam uma queda de qualidade no setor de cinema e televisão. “O número de artistas de que o setor dispõe é limitado, e muitos deles trabalham em diversos projetos ao mesmo tempo”, ele disse. “Agora, com o surgimento de ainda mais projetos de cinema e televisão que requerem a contratação de talentos, o que veremos será uma escassez ainda mais severa”.

A escassez de talentos pode demorar um pouco a se tornar visível, porque filmes de animação e de ficção científica são produções que requerem anos. “Nezha” demorou cinco anos para ser lançado. Isso acontece em parte pelo fato de que existe um grande número de partes interessadas em cada projeto, mesmo nos filmes de animação com orçamento mais baixo, e isso pode resultar em desníveis de qualidade na produção.

O rival

Enquanto o setor de televisão e de cinema sofria durante a pandemia, os desenvolvedores de videogames prosperavam. Dada a dificuldade de lançar grande número de jogos novos em um ambiente regulatório como o da China, as empresas mais importantes do setor se concentram em lançar produtos da maior qualidade possível a fim de concorrer com os rivais.

Uma área que registrou crescimento especialmente forte é a de jogos para aparelhos móveis, que está passando por forte expansão internacional. Em 2020, 27 desenvolvedores chineses de jogos para aparelhos móveis registraram receita anual superior a US$ 100 milhões, de acordo com um relatório do grupo de pesquisa de mercado Sensor Tower. Os 30 principais jogos para aparelhos móveis tiveram uma arrecadação combinada de US$ 9,24 bilhões no ano passado, ou 47% a mais do que no ano anterior.

Entre os 30 principais títulos, lançamentos ganharam importância especial, e chegaram a superar concorrentes criados por alguns grandes estúdios, como a Tencent e NetEase. Em outubro de 2020, o RPG de ação “Genshin Impact”, do miHoYo, um estúdio de Xangai, bateu o recorde mensal de faturamento internacional entre os jogos chineses para aparelhos móveis, com vendas de US$ 160 milhões.

Isso atrai dinheiro novo do mercado de capitais. A plataforma de streaming Bilibili, que extrai boa parte de sua receita de vídeos relacionados a videogames, viu uma alta de 400% no preço de suas ações, negociadas na Nasdaq, do começo de 2020 para cá. A comunidade online de videogames TapTap viu o valor de suas ações subir em 900% na bolsa de Hong Kong. do final de 2019 para cá.

Traduzido originalmento do ingês por Paulo Migliacci

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