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PF compra sistema que cruzará dados biométricos de 50 milhões de brasileiros

Sistema vai unificar dados de secretarias estaduais e criar base biométrica nacional

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São Paulo

A PF (Polícia Federal) vai implementar um sistema de segurança para coletar, armazenar e cruzar dados pessoais sensíveis de 50,2 milhões de brasileiros nos próximos quatro anos.

Chamado de Abis (sigla para Solução Automatizada de Identificação Biométrica), o programa poderá identificar pessoas a partir do cruzamento de registros provenientes de reconhecimento facial e de impressão digital. Trata-se de uma evolução do Afis (Sistema Automatizado de Identificação de Impressões Digitais), usado há 16 anos pela PF.

O contrato foi assinado na segunda (5) por Paulo Maiurino, diretor-geral da PF. A ferramenta faz parte de um projeto antigo do órgão, que teve pedidos anteriores negados por pendências junto ao TCU (Tribunal de Contas da União), segundo comunicado da PF. A autoridade não divulgou quanto custou o sistema.

Software de inteligência artificial e reconhecimento facial durante conferência de tecnologia na China
Software de inteligência artificial e reconhecimento facial durante conferência de tecnologia na China em 2018 - Reuters

A PF diz que o Abis vai "proporcionar a unificação de dados" de secretarias de segurança pública estaduais e que as polícias judiciárias terão acesso seguro e eficiente ao que chama de base biométrica nacional.

Nos primeiros anos, o sistema deve reunir dados de 50 milhões, mas depois será estendido para agregar registros de quase toda a população brasileira. De acordo com a PF, o Abis entrará em funcionamento abastecido com cerca de 22,2 milhões de dados já coletados pelo Afis.

"O Afis ainda disponibiliza serviços de controle de emissão de passaportes, registros de estrangeiros, certidão de antecedentes e identificação criminal. Com o tempo, poderá haver a completa integração com outros modelos de identificação biométrica, como íris e voz", diz a autoridade.

Além da licença do software, a PF também está adquirindo conjuntos de equipamentos com estações de cadastramento, forenses e dispositivos móveis de coleta, verificação e identificação.

Agentes responsáveis pela papiloscopia —prática de identificação humana por meio das digitais— terão uma estação portátil do Abis em sua unidade, que será conectada ao Abis central. Ainda segundo a PF, isso permitirá maior agilidade na análise de vestígios biométricos de cenas de crimes.

Embora a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) não se aplique a casos de segurança pública, de Estado ou de defesa nacional, informações coletadas para segurança devem ter uso restrito a essa finalidade pelo poder público, que também precisa seguir o princípio de transparência da legislação.

Para especialistas em privacidade, esse tipo de implementação deveria estar ancorado em uma legislação de tratamento de dados para a segurança pública.

"É preciso suprir as lacunas da LGPD, como para esse caso da segurança pública. Há um anteprojeto de lei da época do Rodrigo Maia parado no Congresso que trata do uso de dados para essa exceção", diz Pedro Augusto, pesquisador do programa de segurança digital do Instituto Igarapé.

O texto é baseado em uma diretiva da União Europeia que versa sobre o uso de dados para fins de segurança pública e persecução penal.

O pesquisador também defende que haja transparência e procedimentos claros nesse tipo de iniciativa pública, como foi feito pela Infraero recentemente no lançamento do check-in por reconhecimento facial no aeroporto de Congonhas. Nesse caso, uma página na internet explica como funciona o sistema e quais dados são utilizados, além de um serviço sobre o que fazer e quem buscar caso o consumidor se sinta lesado.

"Temos visto o fortalecimento da PF como um órgão de inteligência de Estado. Embora ela integre o sistema de inteligência da Abin, é mais um elemento de consolidação, e não temos bem definido um marco legal com o papel das atividades de inteligência hoje", acrescenta o pesquisador.

Rafael Zanatta, diretor do Data Privacy Brasil, organização que pesquisa o tema, aponta para problemas semelhantes e cita o risco de vigilância em massa caso procedimentos de transparência não sejam contemplados.

"Há um discurso celebrativo da unificação de inteligência, investigação criminal e segurança pública no Ministério da Justiça, mas o que tem acontecido no campo de proteção de dados pessoais nos últimos 15 anos é uma preocupação com a separação informacional entre poderes", afirma. Segundo ele, isso fortalece o pilar democrático de investigações.

O pesquisador também critica o desamparo legislativo sobre o tema e diz que há preocupação em correlacionar esse sistema de dados a outros, como o Cortex, que reúne outras informações como placas de carro e dados trabalhistas.

Segundo o Data Privacy, esse sistema poderá ser contestado porque o STF (Supremo Tribunal Federal) garantiu a existência de um direito autônomo à proteção de dados pessoais, mesmo que a LGPD cite a exceção para casos de segurança.

Procurada, a PF não se manifestou até a publicação deste texto.

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