Prazo dos EUA para controlar big techs pode estar se esgotando

Congressistas temem que eleições legislativas dificultem aprovação de leis mais rígidas para empresas de tecnologia

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Cecilia Kang David McCabe
Washington | The New York Times

Os legisladores dos Estados Unidos estão preparando um grande esforço quanto aos projetos de lei destinados a restringir o poder das maiores empresas de tecnologia do país, porque consideram que a janela de oportunidade para isso está se fechando rapidamente, com a aproximação das eleições legislativas do final deste ano.

Em um passo adiante significativo, um comitê do Senado votou na quinta-feira (20) pelo avanço de um projeto de lei que proibiria empresas como Amazon, Apple e Google de promover seus próprios produtos em detrimento aos de concorrentes. Muitos legisladores da Câmara dos Deputados americana estão pressionando pela aprovação de um pacote de medidas antitruste que tornaria mais fácil cindir as gigantes da tecnologia. E alguns estão conduzindo esforços finais para aprovar projetos cujo objetivo é reforçar a privacidade, proteger crianças online, conter a desinformação, restringir a publicidade direcionada e regulamentar a inteligência artificial e as criptomoedas.

A maioria das propostas que tramitam no Congresso tem chance baixa de aprovação. O presidente Joe Biden e a liderança democrata no Congresso disseram que lidar com o poder do setor de tecnologia é uma importante prioridade, mas numerosas outras questões estão acima dessa em sua lista. Elas incluem aprovar leis que garantem o direito ao voto, corrigir problemas nas cadeias de suprimento e no mercado de trabalho, aprovar um pacote de serviços sociais e ajudar o país a deixar para trás a pandemia da Covid-19.

Logos de Google, Amazon, Facebook e Apple reproduzidas em tela de tablet - Denis Charley - 23.nov.2021/AFP

Ainda assim, os próximos meses provavelmente são a última e melhor chance de conseguir avanço nessa frente, por algum tempo. Depois disso, os esforços se voltarão às eleições do final do ano, e os democratas, que apoiam os esforços para controlar o setor de tecnologia em números maiores que os republicanos, podem perder o controle do Congresso.

"Esse é um problema que vem crescendo há muito tempo e se tornou bastante evidente para todos", disse a senadora Amy Klobuchar, democrata de Minnesota, que lidera os esforços para criar leis mais duras para as empresas de tecnologia. "Mas quando chegarmos ao quarto trimestre, será muito difícil realizar qualquer coisa porque tudo se concentrará na eleição".

O Congresso se uniu em torno de uma preocupação crescente com os gigantes da tecnologia nos últimos anos. Mas ainda assim dezenas de projetos de lei fracassaram, enquanto outros países reforçavam sua regulamentação do setor.

Quando Biden assumiu a presidência, no ano passado, prometeu injetar mais concorrência na economia, especialmente no setor de tecnologia. Ele indicou críticos declarados das grandes empresas do setor para liderar as agências antitruste e, este mês, sua secretária de imprensa disse que Biden se sentia "encorajado por ver interesse bipartidário no Congresso quanto à aprovação de leis que lidem com o poder das plataformas de tecnologia por meio de legislação antitruste".

Bruce Reed, o vice-chefe da Casa Civil de Biden, e Brian Deese, diretor do Conselho Econômico Nacional, se reuniram na quarta-feira com executivos de empresas que incluem o Yelp e a Sonos e que pressionaram por ação antitruste contra os gigantes da tecnologia. Eles discutiram as dificuldades que "empreendedores, comerciantes do varejo físico e outras empresas enfrentam para competir em setores dominados por algumas grandes plataformas", disseram representantes da Casa Branca. O governo declarou que espera poder trabalhar com o Congresso, mas não endossou qualquer legislação específica dirigida às companhias.

Um fator que complica as coisas é que, ainda que os dois partidos concordem, em geral, quanto à necessidade de que o Congresso faça alguma coisa, eles frequentemente discordam com relação ao que essa coisa seria.

Nos últimos anos, dezenas de projetos de lei sobre privacidade, liberdade de expressão, segurança e combate a trustes definharam em meio a desacordos sobre como balancear a proteção aos consumidores e ao mesmo tempo encorajar o crescimento do Vale do Silício. Alguns dos projetos, como aqueles que tratam da moderação de conteúdo online, são especialmente polarizadores: os democratas apelam por medidas que levariam empresas a remover mais desinformação e conteúdo que cause danos reais de seus sites, e os republicanos apoiam leis que forçariam as empresas a manter online parte maior do conteúdo postado.

"Todo mundo tem alguma coisa a reclamar quanto às grandes empresas de tecnologia, mas, quando chega a hora de fazer alguma coisa, é aí que o bipartidarismo desaparece", disse Rebecca Allensworth, professora da Escola Vanderbilt de Direito e especialista em leis antitruste. "No fim das contas, regulamentação é regulamentação, e por isso haverá dificuldade para convencer número razoável de republicanos a apoiar uma medida vista como uma manobra agressiva para reduzir a influência das grandes empresas de tecnologia por meio de regulamentação".

O projeto de lei que o comitê judiciário do Senado aprovou na quinta-feira, por exemplo, poderia impedir que a Amazon conduza compradores ao papel higiênico e meias de sua marca, e ao mesmo tempo que dificulte comparações entre esses produtos e marcas concorrentes. Poderia forçar a Apple a oferecer alternativas ao Apple Pay nos apps do iPhone. E impedir o Google de colocar seus serviços, como os de preços de viagens, resenhas de restaurantes e compras, no topo da lista de resultados de seu serviço de buscas.

Apresentado por Klobuchar e pelo senador republicano Charles Grassley, de Iowa, o projeto de lei tem por objetivo tratar da preocupação quanto à posição de algumas poucas empresas de tecnologia como controladoras do acesso aos bens e serviços digitais. Alphabet, Amazon, Apple, Facebook e Microsoft têm valor de mercado combinado de mais de US$ 9 trilhões (R$ 49 trilhões). Diversos republicanos votaram em favor do projeto, aprovado por 16 votos a seis. Ainda que Mike Lee, senador republicano pelo Utah, tenha repetido a posição constante do partido quanto às "consequências indesejadas" para futuros negócios que a nova lei poderia trazer, outros legisladores disseram que a ameaça que as grandes empresas de tecnologia representam é mais grave do que essas preocupações.

O senador Ted Cruz, republicano do Texas, votou em favor do projeto e enfatizou que sua maior preocupação era a maneira pela qual os gigantes da mídia social moderam conteúdo. Ele e outros membros republicanos do comitê disseram acreditar que empresas como Apple, Google e Facebook censuram vozes conservadoras ao excluir apps como o Parler, um site de direita, e remover contas de figuras conservadoras.

Lobistas do Vale do Silício combateram o projeto de lei por meio de artigos de opinião, campanhas publicitárias e apelos pessoais. Sundar Pichai, presidente-executivo da Alphabet, controladora do Google, e Tim Cook, presidente-executivo da Apple, ligaram para legisladores a fim de expressar oposição à medida.

Os lobistas das empresas argumentaram que o projeto de lei dificultaria o combate ao "malware" e a defeitos nos aparelhos, e poderia tornar os serviços das empresas menos úteis. Kent Walker, vice-presidente jurídico do Google, postou em um blog da empresa terça-feira uma visão sombria do impacto que o projeto de lei e outras medidas semelhantes poderiam ter: a companhia poderia ter de deixar de incluir um mapa de locais de vacinação em seus resultados de busca, se a medida for aprovada, ele afirmou. Poderia ter de deixar de bloquear spam no Gmail. Poderia ser impedida de mostrar "informações claras" a alguém que esteja em busca de ajuda médica, e "em lugar disso ser forçada a encaminhar a pessoa a uma combinação de resultados de baixa qualidade".

As companhias também declararam que as propostas —cujo foco está no tamanho delas— também prejudicariam pequenas empresas. Nos últimos meses, a Amazon vem instando os comerciantes que vendem produtos em seu mercado a contatar seus legisladores para expressar preocupação quanto aos projetos de lei.

Tradução de Paulo Migliacci

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