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Brasil perde talentos em inteligência artificial

Aquecido, mercado global paga em dólar e atrai profissionais especializados

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Alexandre Aragão
São Paulo

Quem tem inteligência (humana) para desenvolver e treinar inteligências (artificiais) não fica desempregado.

Para brasileiros, a mercado global aquecido abre caminhos para oportunidades no exterior, mais vantajosas em termos financeiros diante da desvalorização do real.

Formado em 2015 na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) em engenharia de controle e automação, Eduardo Bonet se mudou já em 2016 para Amsterdã, na Holanda.

"Quanto mais experiência profissional, menor é a necessidade de ter a parte acadêmica", afirma. Na época, o profissional ainda não trabalhava diretamente com desenvolvimento de inteligência artificial, mas conseguiu migrar de área na empresa em que trabalhava.

O engenheiro Eduardo Bonet mudou-se em 2016 para Amsterdã, na Holanda - Reprodução

Desde então, Bonet mudou de emprego duas vezes, sempre buscando atuar na área de inteligência artificial.

"Eu sou generalista, não tenho um foco específico. Desenvolvo software, trabalho em modelos, gerencio projetos", explica. "Agora, trabalho mais com a criação de software da infraestrutura necessária para o machine learning [aprendizado de máquina] acontecer."

O poder de atração do exterior também é sentido no mundo acadêmico. "A gente tem dificuldade de atração de novos contratados", diz Fernando Osorio, professor do ICMC (Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação) da USP de São Carlos e membro do C4AI (Centro de Inteligência Artificial), que tem financiamento da IBM e desenvolve projetos relacionados à inteligência artificial em áreas de interesse do Brasil.

"Eu tenho uma lista de ex-colegas concursados, que estavam próximos da aposentadoria, e foram embora para países como Nova Zelândia, Estados Unidos, Inglaterra", afirma Osorio. "Estão abrindo mão do que no Brasil é considerado uma segurança."

Mesmo bolsas em nível de doutorado e pós-doutorado, que pagam cerca de R$ 10 mil por mês —patamar raro no meio acadêmico—, têm ficado vagas.

De acordo com a plataforma Glassdoor, que compila informações autodeclaradas de salário de milhares de profissionais no Brasil, um engenheiro da computação recebe em média R$ 8.600 por mês no país.

GANHAR EM DÓLAR, GASTAR EM REAL

Bonet diz que desde o início da pandemia, com vagas remotas que remuneram em moeda estrangeira, ficou menos vantajoso sair do país.

"Financeiramente, não vale a pena se mudar", ele diz, ressaltando que metade de sua renda vai para o pagamento de impostos.

"É possível conseguir oportunidades ganhando em dólar ou euro; no fim das contas, sobraria mais dinheiro do que se mudar de país."

Mas o engenheiro cita outras vantagens, como a maior sensação de segurança que tem na Holanda e oportunidades de educação melhores para o filho, nascido durante a pandemia.

Como desvantagem, Bonet menciona a distância da família, que serviria como rede de apoio caso ele e a mulher ainda morassem no Brasil. "Quando ficamos doentes, alguém tem que cuidar do nosso filho mesmo assim."

Ele não precisou aprender holandês para trabalhar. "Empresas que contratam expatriados geralmente atuam em inglês", afirma. "Não só isso, mas empresas que pedem obrigatoriamente o idioma local pagam menos, porque o mercado pelo qual estão competindo é menor."

Osorio, da USP e do C4AI, já cogitou deixar o país. "O Brasil tem uma característica de não investir adequadamente e até destruir o sistema de ensino, seja por uma massificação exagerada de baixa qualidade ou pela própria destruição do ensino, que parece proposital, uma sabotagem", critica.

"Eu só não saio porque tenho meus pais e meus filhos", continua. "Se fosse só eu, sem a minha família, eu seguiria esses outros professores."

Mariana Valente, do InternetLab, argumenta no mesmo sentido: "A gente tem não só um mercado pouco atrativo, mas principalmente poucos incentivos para fazer pesquisa no Brasil."

Ela destaca que o cenário ocorre não só no direito digital e impacta o desenvolvimento do país.

"Isso sem dúvida tem impacto sobre os temas pesquisados e, em última instância, é um prejuízo para se pensar políticas de tecnologia no Brasil", continua. "Precisamos ter um incentivo local para a produção de pesquisas, para as pessoas estarem no mercado brasileiro, independentemente das oportunidades que oferecem fora e de quanto isso pode gerar alguma oxigenação."


3 livros para refletir sobre Inteligência Artificial

  • A Era do Capitalismo de Vigilância — A Luta por um Futuro Humano na Nova Fronteira do Poder

Shoshana Zuboff, Intrínseca, 800 p.

Capa do livro 'A Era do Capitalismo de Vigilância - A Luta por um Futuro Humano na Nova Fronteira do Poder' - Reprodução

Professora de sociologia da Universidade Harvard, Zuboff é uma das vozes mais influentes e críticas em relação às gigantes da tecnologia. Neste livro, lançado em 2018, ela argumenta que o Google —​ao ter a coleta em massa de dados como centro de seu modelo de negócios— inaugurou uma nova era, "em que a vigilância é um mecanismo fundamental na transformação de investimentos em lucros".

  • Inteligência Artificial: Uma Abordagem Moderna

Stuart Russell e Peter Norvig, GenLTC, 1.016 p.

Capa do livro 'Inteligência Artificial: Uma Abordagem Moderna' - Reprodução

"Nós definimos IA como o estudo de agentes que recebem estímulos do ambiente e realizam ações." É com este conceito que Russell e Norvig iniciam a mais influente obra sobre o tema, publicada em 1995 e estudada desde então nas principais universidades do mundo. Na edição mais recente, de 2016, os autores renovam análises sobre reconhecimento de fala, carros autônomos e Internet das Coisas (IoT), áreas que tiveram evoluções significativas desde a década de 2010.

  • Superinteligência — Caminhos, Perigos, Estratégias para um Novo Mundo

Nick Bostrom Darkside Books, 549 p.

Capa do livro Superinteligência - Caminhos, Perigos, Estratégias para um Novo Mundo - Reprodução

Publicado em 2014, o livro explora a evolução da inteligência artificial desde o século 20 e projeta o cenário que entrou no imaginário popular com a franquia "O Exterminador do Futuro": e se um dia as máquinas forem capazes de desenvolver consciência e se rebelar contra a humanidade? O autor é professor de filosofia da Universidade Oxford e não coloca essa possibilidade como a mais provável, mas desenvolve argumentos para mantê-la no radar e evitar que se concretize.

Erramos: o texto foi alterado

Eduardo Bonet é formado em engenharia de controle e automação, não em engenharia da computação.

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