Empreendedorismo digital avança na periferia e gera mais renda

Para especialista, mundo tecnológico só vai sobreviver se incluir grupos marginalizados

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Róbson Martins
São Gonçalo

Pesquisa realizada pelo Data Favela mostra que 41% dos moradores de comunidades brasileiras têm um negócio próprio. São pessoas que abriram suas próprias empresas ou profissionais autônomos, sendo que mais da metade (57%) seguiu esse caminho devido à falta de empregos com carteira assinada.

Segundo estimativa do Atlas dos Pequenos Negócios, levantamento realizado pelo Sebrae, apenas os trabalhadores registrados como MEIs (Microempreendedor Individuais) devem gerar R$ 140 bilhões até o final do ano. Isso significa que, em média, eles injetam R$ 11 bilhões todos os meses na economia brasileira.

Empreendedorismo digital cresce na periferia, e gera mais renda - Kleverson Mariano

O técnico em informática Weverton Coutinho, 37, é um desses empreendedores. Em 2021, em plena pandemia, ele buscava se realocar no mercado de trabalho. Com a expectativa de mais oportunidades no ramo da programação, notou que a desigualdade social era o principal obstáculo.

"Muitos empregos da área de informática ainda não são acessíveis para a periferia. Isso porque os espaços que poderiam ser nossos são ocupados por quem tem um poder aquisitivo maior para investir em estudos", afirma Coutinho, que mora no Jardim Helena, na zona leste de São Paulo.

Nos intervalos entre os afazeres domésticos e o atendimento aos clientes, ele assiste aulas online com professores da MAIS1CODE, escola de programação que oferece ensino tecnológico gratuito em áreas socialmente marginalizadas.

De acordo com o CEO do projeto, o publicitário Diogo Bezerra, 29, o objetivo é combater a desigualdade, bem como formar jovens que irão solucionar problemas por meio da tecnologia. Ele estima que a startup já tenha formado mais de 500 alunos, impactando 20 estados desde a sua fundação, em 2019.

"Falta capacitação, exemplos de indivíduos com a mesma realidade e eventos que contribuam para a união de pessoas periféricas. É necessária uma política pública de ensino tecnológico desde a juventude, ou seja, ter escolas modelos que agem no cerne da questão", afirma.

A nova ocupação de desenvolvedor permitiu que Coutinho duplicasse o seu orçamento pessoal em comparação com o período dedicado apenas à informática. Passou de menos de um salário mínimo (R$ 1.212) para cerca de R$ 2.500 mensais.

Para ele, o ganho está ligado à flexibilização da sua rotina. Embora seja inevitável se deslocar à residência ou escritório dos clientes em determinados casos, ele diz que é bem mais eficaz quando trabalha remotamente em casa.

Em particular, favelas e periferias são núcleos que reúnem mão de obra excedente inexplorada por iniciativas públicas e privadas, diz Bezerra. "Eu acredito que o mundo tecnológico só vai sobreviver se incluir a ‘quebrada’ no processo de formação e desenvolvimento de talentos. Quando entenderem isso, será revolucionário."

Pela Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), o contingente de trabalhadores por conta própria no Brasil foi de 25,9 milhões de pessoas no trimestre encerrado em agosto. Os dados do IBGE indicam o crescimento de 2% na comparação anual.

Ricardo Michelazzo, diretor de novos negócios da Z11 Group, sócio da consultoria Orion Digital e especialista em e-commerce, acredita que essa transformação do mercado foi acelerada pela crise sanitária do coronavírus, sobretudo nas áreas periféricas.

"A periferia viu a necessidade de construir a sua própria forma de ganhar dinheiro, uma vez que vínhamos de indicadores de empregabilidade bem ruins nos últimos anos que foram potencializados pela pandemia", diz.

Para Michelazzo, o movimento ainda esbarra na escassez de investimentos públicos, relacionados especialmente ao acesso à internet de qualidade e ao capital para fomento e expansão dos negócios.

"[O empreendedorismo] sempre envolveu investimento e capital, mas há problemas de infraestrutura como falta de locais confortáveis e apropriados para trabalho com bom acesso à internet. Além disso, os planos são muito caros", afirma o consultor.

Apesar dessas barreiras, a presença digital da periferia aumenta o alcance dos negócios para além dessas regiões. A consequência é a ampliação das possibilidades de trabalho para os moradores.

É o caso da professora do ensino fundamental Marcela Monteiro, 39, que abriu um negócio digital em maio do ano passado. Moradora de Mutuapira, em São Gonçalo (RJ), ela é cofundadora da Momentos Gift Box, um delivery de "grazing food" que entrega caixas de frios e doces em toda a cidade, além de cafés da manhã completos.

"[Grazing food] é uma tendência australiana na qual os alimentos são organizados dentro de uma caixa ao invés de embaladinhos. Pode parecer simples, mas temos critérios para harmonizar os sabores e as cores", explica.

A ideia surgiu quando Marcela enviou uma cesta de lanches a uma amiga e, logo depois, parentes começaram a fazer pedidos. A fim de rentabilizar o hobby, ela se uniu à assistente administrativa Taiane Labre, 33, responsável pela gestão financeira e divulgação dos produtos no Facebook e no Instagram.

Iniciativas como essa contribuem para o desenvolvimento de um ambiente microeconômico positivo para o país. "É um efeito cascata. O empreendedor contrata e paga salários aos empregados que, por sua vez, consomem mais das empresas da comunidade e assim sucessivamente", explica Michelazzo.

Após estabelecerem a base financeira do delivery, a dupla pretende aumentar a presença nas redes e torná-lo a sua principal fonte de renda. "Nós temos trabalhos de carteira assinada por enquanto, mas o sonho é mesmo viver do nosso negócio", afirma Marcela.

Esta reportagem foi produzida a partir de conteúdos debatidos no Lab Sociedade Digital, parceria entre a Unico, ID tech em identidade digital, e a Folha de S. Paulo com apoio do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio)

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