Descrição de chapéu The New York Times

A pequena ilha do Pacífico que luta há 20 anos por seu domínio na internet

Empresário americano assumiu direitos do '.nu' nos anos 1990; hoje, sufixo é usando amplamente por países escandinavos

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Jacob Judah
The New York Times

A ilha do Pacífico Sul de Niue (pronuncia-se Niuê) é um dos lugares mais remotos do mundo. Seus vizinhos mais próximos, Tonga e Samoa Americana, ficam a centenas de quilômetros de distância.

O advento da internet prometia, de certa forma, tornar a ilhota e seus cerca de 2.000 habitantes mais conectados com o resto do mundo.

No final dos anos 1990, um empresário americano ofereceu-se para conectá-la à internet. Tudo o que ele queria em troca era o direito de controlar o sufixo ".nu" que Niue recebeu para seus endereços da web [equivalente ao ".br" do Brasil].

O domínio não parecia tão lucrativo quanto ".tv" —que foi atribuído a Tuvalu, outro país do Pacífico Sul—, e os líderes de Niue concordaram com o acordo. Mas logo as duas partes entraram em desacordo.

Baleia jubarte perto da ilha de Niue, no Pacífico Sul - Richard Sidey - 11.set.2018/Conservation International via AFP

Agora, após mais de duas décadas de idas e vindas, a discordância finalmente está perto de uma resolução —em um tribunal. Disputas sobre domínios da internet não eram incomuns no início da internet, mas especialistas não se lembram de uma que tenha durado tanto tempo.

Descobriu-se que o ".nu" era, de fato, muito valioso. "Nu" significa "agora" em sueco, dinamarquês e holandês, e milhares de escandinavos registraram sites com esse sufixo, criando um negócio constante para o parceiro comercial de Niue, Bill Semich.

Niue, uma ilha de coral de cerca de 260 quilômetros quadrados, sentiu que estava sendo roubado de uma fonte confiável de dinheiro que teria ajudado a reduzir sua dependência do turismo e da ajuda estrangeira.

A ilha havia recorrido a fontes de renda não convencionais antes, vendendo selos e moedas para colecionadores. Também chegou a alugar seu código de discagem internacional —até que seus residentes, muito cristãos, começaram a ser acordados à meia-noite por ligações de sexo por telefone do Japão.

Niue cancelou o acordo com Semich em 2000 e desde então tem tentado reaver o domínio ".nu", que agora é operado pela ONG Swedish Internet Foundation [Fundação da Internet Sueca]. A ilha quer da fundação cerca de US$ 30 milhões por reparações de danos, quantia que poderia ser transformadora para um lugar que foi reconhecido pelos Estados Unidos como um estado soberano apenas em 2023.

A disputa foi parar nos tribunais suecos, e um juiz em Estocolmo começou a ouvir os argumentos de Niue na semana passada —uma decisão é esperada para os próximos dias.

"Este é um caso único, complexo e um tanto estranho", disse David Taylor, especialista em propriedade intelectual e domínios do escritório de advocacia Hogan Lovells, acrescentando que isso tornava extremamente difícil prever o resultado.

Para o líder de Niue, é uma luta pela autodeterminação. Niue é autônomo, mas depende muito da Nova Zelândia, e os dois têm uma relação política conhecida como livre associação.

"Somos vítimas do colonialismo digital", disse o primeiro-ministro de Niue, Dalton Tagelagi, por ligação de vídeo de seu escritório na capital Alofi.

"Este domínio, o .nu, reconhece Niue como um país soberano. Isso é importante para nossa identidade."

Críticos questionam essa avaliação, pois não há soberania no ciberespaço, apenas zonas administrativas que dividem a web em domínios como ".nu" e, por exemplo, o sufixo ".nz", atribuído à Nova Zelândia.

Ganhar o caso poderia ajudar a garantir a sobrevivência de longo prazo de Niue, disse Tagelagi. A população da ilha é agora cerca de um terço do que era na década de 1960, e as casas vazias que pontilham a ilha são um lembrete das pessoas que partiram em busca de melhores oportunidades econômicas.

Uma vitória poderia ajudar a financiar sua tentativa de ingressar na ONU, da mesma forma que Tuvalu obteve a adesão após monetizar o ".tv".

Se Niue conseguir recuperar o ".nu", poderia ter até US$ 2 milhões em receita por ano, de acordo com Par Brumark, especialista em domínios que está atuando em nome de Niue no caso.

Semich negou repetidamente as alegações de Niue de má conduta. Em 2013, sua empresa, Internet Users Society Niue (IUSN), fez um acordo para transferir a operação do ".nu" para a Swedish Internet Foundation, que administra o domínio ".se" da Suécia.

Niue moveu-se para entrar com um processo. Uma batalha de vários anos que chegou até a Suprema Corte da Suécia seguiu até que o judiciário do país decidiu ouvir os argumetnos de Niue.

Jannike Tilla, vice-presidente da fundação, rejeitou as alegações de Niue e disse que era uma subcontratada da IUSN. Ela acrescentou: "O domínio é altamente relevante para os usuários suecos, especialmente para muitas instituições que têm um papel crítico na sociedade."

Alguns jornais suecos, por exemplo, têm o ".nu" em seus endereços da web. Os sites que usam o domínio não devem enfrentar mudanças mesmo se Niue vencer.

A IUSN direcionou perguntas para Emani Lui, um membro recém-eleito do Parlamento de Niue. Lui administra o único provedor de internet privado em Niue, trabalhou anteriormente com a IUSN e é filho do primeiro-ministro que assinou o acordo original com Semich.

Ele disse que a disputa sobre o ".nu" se tornou tão amarga que os governos perderam de vista outras opções que Niue tinha.

"Teríamos o melhor no Pacífico, provavelmente um dos melhores sistemas de comunicação do mundo" se Niue tivesse concordado com a IUSN, disse. "Não foi aceito. Foi mais como: queremos o dinheiro."

Tagelagi, o primeiro-ministro, rejeita essa ideia.

"É a moralidade. Toda nação, independentemente do tamanho, deve ser tratada de forma justa e igual", disse. "Às vezes somos ignorados por ser uma pequena ilha no grande azul do oceano. Mas não dá para ser paciente para sempre."

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