Descrição de chapéu The New York Times

Como o fundador do Telegram foi de 'Zuckerberg da Rússia' a procurado pela polícia

Pavel Durov está preso na França desde sábado (24) em investigação sobre atividades criminosas no Telegram

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Paul Mozur Adam Satariano
The New York Times

Mais de uma década atrás, quando a Rússia pressionou Pavel Durov a fechar as páginas de políticos da oposição em um site semelhante ao Facebook que ele havia criado, o empreendedor de tecnologia respondeu online postando uma foto irreverente de um cachorro de moletom com a língua de fora.

"Resposta oficial aos serviços de inteligência ao pedido de bloquear grupos", escreveu ele sem remorso.

Treze anos depois, o espírito anti-establishment de Durov parece tê-lo colocado em um novo problema com as autoridades. No sábado (24), ele foi preso na França como parte de uma investigação sobre atividades criminosas no Telegram, o aplicativo de mensagens que ele fundou em 2013, que se tornou uma plataforma mundial definida por sua abordagem de não-interferência na forma como os usuários se comportam.

Pavel Durov, CEO e fundador do Telegram
Pavel Durov, CEO e fundador do Telegram - Steve Jennings - 21.set.2015/AFP

Na segunda-feira (26), o presidente da França, Emmanuel Macron, referindo-se à prisão de Durov disse que o país estava "profundamente comprometido com a liberdade de expressão", mas que "em um estado governado pelo estado de direito, as liberdades são mantidas dentro de uma legislação, tanto nas redes sociais quanto na vida real."

A prisão de Durov causou um alvoroço, transformando-o em um herói popular entre aqueles preocupados com a liberdade de expressão e a censura governamental, especialmente à medida que o debate sobre o conteúdo online aumentou em todo o mundo.

Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter), e Edward Snowden, o contratante de inteligência americano que fugiu para a Rússia após divulgar informações confidenciais, estão entre os que correram em defesa de Durov. A hashtag #FreePavel se espalhou no X enquanto o debate fervia sobre a interseção nebulosa entre tecnologia e liberdade de expressão.

O Telegram postou um comunicado no domingo (25) que cumpre as leis da União Europeia. "É absurdo afirmar que uma plataforma ou seu proprietário são responsáveis pelo abuso dessa plataforma", disse a empresa.

O aplicativo de mensagens há muito é sustentado pelo espírito anti-autoridade de Durov e seu compromisso com a liberdade de expressão. Um devoto da tecnologia com um talento para provocar autoridades online, o russo de 39 anos afirmou acreditar fortemente que os governos não deveriam censurar o que as pessoas dizem ou fazem na internet.

Essa orientação ajudou o Telegram a se tornar um aplicativo de bate-papo popular para russos, iranianos e outros que vivem sob governos autoritários. Mas a abordagem laissez-faire (deixe passar) de Durov para policiar a plataforma também atraiu terroristas, extremistas, traficantes de armas, golpistas e traficantes de drogas.

O sigilo supera a fiscalização mais rigorosa do discurso online, afirmou Durov. "A privacidade, em última instância, é mais importante do que nosso medo de coisas ruins acontecerem, como o terrorismo", postou o CEO em 2015.

"Para ser verdadeiramente livre, você deve estar pronto para arriscar tudo pela liberdade", escreveu o russo no Instagram em 2018, sob uma foto dele em cima de um cavalo no deserto.

Em suas contas pessoais nas redes sociais, as postagens de Durov mostram um estilo de vida eclético. Em uma publicação recente, ele afirmou ter gerado mais de 100 filhos biológicos em 12 países como doador de esperma nos últimos 15 anos.

Ele disse que estava compartilhando a informação para ajudar a desestigmatizar o tema, acrescentando que doou esperma pela primeira vez para ajudar um amigo com problemas de fertilidade.

Mas a maior prioridade de Durov é o Telegram. Em 2014, ele deixou a Rússia em meio à crescente investigação dos serviços de segurança e se mudou para Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, onde disse que o governo não interferiria em seus negócios.

Desde então, ele tem lutado com a Apple e grandes governos por causa de controles de conteúdo. O Telegram enfrentou proibições temporárias ou permanentes em 31 países, de acordo com a Surfshark, uma fabricante de software VPN usado para evitar bloqueios geográficos na internet.

Em uma entrevista com Tucker Carlson que foi ao ar em abril, Durov acusou o FBI de tentar contratar um programador do Telegram para que o governo dos EUA pudesse acessar dados dos usuários. Durante a entrevista, uma das primeiras em anos, ele estava sentado em frente a uma estante que continha duas esculturas de cadeiras, uma coberta de facas e a outra com falos —uma aparente alusão a uma piada feita por prisioneiros na Rússia.

O FBI não respondeu a um pedido de comentário.

FACEBOOK FOI INSPIRAÇÃO

Nascido em 1984 na então União Soviética, Durov mudou-se com sua família, quando tinha 4 anos, para o norte da Itália. Seu irmão, Nikolai, um gênio da matemática que se tornou diretor de tecnologia do Telegram, foi destaque na televisão italiana resolvendo problemas matemáticos.

No início dos anos 1990, após o colapso da União Soviética, os Durovs retornaram a São Petersburgo, onde Pavel e Nikolai participaram de competições juvenis de matemática e programavam em um computador IBM que a família trouxe da Itália.

Na faculdade em São Petersburgo, um amigo mostrou a Durov uma versão inicial do Facebook, fundado por Mark Zuckerberg. Inspirado por ele, Durov decidiu criar sua própria versão: o Vkontakte, um serviço que ele lançou em 2006 e dominou a Rússia em poucos anos. Também atraiu a atenção do Kremlin, que exigiu informações sobre os usuários do Vkontakte.

Apoiadores de Durov colocam aviões de papel, símbolo do Telegram, na embaixada da França em Moscou para pedir a soltura do CEO da empresa
Apoiadores de Durov colocam aviões de papel, símbolo do Telegram, na embaixada da França em Moscou para pedir a soltura do CEO da empresa - Divulgação/AFP

Durov comentou que começou a construir o Telegram para ser uma forma mais segura de se comunicar depois que as forças russas de segurança apareceram em seu apartamento por volta de 2011. Durov, que ainda estava administrando o Vkontakte enquanto construía o Telegram, disse que o governo acabou lhe dando um ultimato: entregar dados sobre os usuários do Vkontakte ou perder o controle da empresa e ser forçado a deixar o país.

"Eu escolhi a última opção", disse Durov.

Desde que renunciou à Rússia, Durov vive como um nômade cercado por engenheiros do Telegram. Ele muda de local em um intervalo de poucos meses, disseram ex-funcionários. Ele já passou por Barcelona, Bali, Berlim, Helsinque e San Francisco, mesmo enquanto fazia de Dubai a sede formal do Telegram. Ele continua sendo um líder de engenharia sério, muitas vezes obcecado com os recursos do aplicativo às custas de ganhar dinheiro ou moderar atividades criminosas, afirmaram ex-funcionários.

Durov tem cidadania dos Emirados Árabes Unidos e da França, de acordo com o Telegram. Embora viaje em um jato particular, ele já revelou que evita comprar coisas, mantendo centenas de milhões de dólares em sua conta bancária e em bitcoin para garantir que possa ser livre. A Bloomberg estimou seu patrimônio líquido em mais de US$ 9 bilhões.

"Eu prefiro tomar decisões que influenciem como as pessoas se comunicam em vez de escolher a cor dos assentos na casa", disse ele na entrevista com Carlson.

O Telegram está agora se aproximando de 1 bilhão de usuários em todo o mundo, tornando-o maior que o X. O Telegram funciona como um aplicativo de mensagens, semelhante ao WhatsApp ou iMessage. Mas também hospeda grupos com até 200 mil usuários e possui recursos de transmissão que ajudam pessoas e grupos a compartilhar opiniões com públicos ainda maiores. O serviço é bastante popular na Ucrânia, Brasil, Indonésia, Índia e Rússia.

À medida que o uso do Telegram explodiu, a abordagem leve de Durov para policiar o conteúdo atraiu críticas. Legisladores, policiais e pesquisadores de segurança disseram que o aplicativo se tornou um refúgio para desinformação, propaganda terrorista, extremismo político, tráfico de drogas, pornografia infantil e vendas de armas.

Ao longo dos anos, o Telegram removeu alguns conteúdos, como material de abuso sexual infantil ou postagens explícitas para incitar a violência. Mas as autoridades muitas vezes ficaram frustradas com a falta de cooperação de Durov. Outros levantaram preocupações de que o Telegram mantém laços com o governo russo, que suspendeu a proibição do serviço em 2020.

Especialistas em segurança também alertaram que a ferramenta, que não usa os mesmos padrões de criptografia que aplicativos como o Signal, não é tão segura quanto a empresa diz.

Na segunda-feira, promotores franceses disseram que Durov estava sendo mantido como parte de uma investigação aberta no mês passado sobre crimes relacionados à pornografia infantil, fraude, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. As autoridades francesas notaram a falta de cooperação do Telegram com a aplicação da lei. Durov permanece sob custódia, que pode ser estendida até quarta-feira (28).

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