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Google compra tecnologia de empreendedor brasileiro por US$ 3 bi, mas dispensa empresa

Acordos em que big techs adquirem tudo menos a empresa em si, como no caso da Character.AI, estão se popularizando no Vale do Silício

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Erin Griffith Cade Metz
São Francisco (Estados Unidos) | The New York Times

Em 2022, Noam Shazeer e Daniel de Freitas deixaram seus empregos desenvolvendo IA (inteligência artificial) no Google, dizendo que a gigante da tecnologia avançava muito lentamente. Então, eles criaram a Character.AI, uma startup de chatbot, e levantaram quase US$ 200 milhões.

Na semana passada, Shazeer e De Freitas anunciaram que estavam retornando ao Google. Eles fecharam um acordo para se juntar ao braço de pesquisa de IA da empresa, junto de cerca de 20% dos funcionários da Character.AI, e fornecer a tecnologia de sua startup.

Mas mesmo recebendo tudo isso, o Google não comprou a Character.AI.

Fotografia mostra logo da Google iluminado e colorido em uma parede listrada com as cores bege e marrom.
Google adquiriu funcionários, investidores e tecnologia da Character.AI, mas não a empresa em si - Arnd Wiegmann - 5.dez.2018/Reuters

Em vez disso, o Google concordou em pagar US$ 3 bilhões para licenciar a tecnologia, disseram duas pessoas com conhecimento do acordo. Cerca de US$ 2,5 bilhões desse valor serão usados para comprar os acionistas da Character.AI, incluindo Shazeer, que possui de 30% a 40% da empresa e tem entre US$ 750 milhões e US$ 1 bilhão a receber, disseram as pessoas. O restante da empresa continuará operando sem seus fundadores e investidores.

O acordo foi um dos vários negócios incomuns que surgiram recentemente no Vale do Silício. As grandes empresas de tecnologia normalmente compram startups integralmente, mas elas têm recorrido a uma estrutura de negócio mais complicada para empresas jovens de IA. Isso envolve licenciar a tecnologia e contratar os principais funcionários —efetivamente engolindo a startup e seus principais ativos— sem se tornar proprietária da empresa.

Essas transações são impulsionadas pelo desejo das big techs de contornar a regulação enquanto tentam avançar na IA, disseram três pessoas envolvidas em tais acordos. Google, Amazon, Meta, Apple e Microsoft estão sob a lupa de agências como a FTC (sigla em inglês para Comissão Federal de Comércio) para saber se estão sufocando a concorrência, o que inclui comprar startups.

"As grandes empresas de tecnologia podem estar claramente tentando evitar a regulação ao não adquirir diretamente as empresas-alvo", disse Justin Johnson, economista de negócios focado em antitruste na Universidade de Cornell. Mas "esses acordos realmente começam a se parecer muito com aquisições regulares".

Em comunicado, o Google disse estar "entusiasmado" com o retorno de Shazeer ao lado de alguns de seus colegas e se recusou a comentar sobre o escrutínio antitruste. Na segunda-feira (5), um juiz federal americano emitiu uma decisão histórica que considerou o Google culpado por violar a lei antitruste ao abusar de monopólio nas buscas online.

Um porta-voz da Character.AI se recusou a comentar. O veículo The Information relatou anteriormente os detalhes do acordo.

Desde o boom da IA no final de 2022, os negócios de tecnologia se transformaram. Os investidores inicialmente correram para investir em startups de IA a altas avaliações. Isso levou a um ritmo frenético incomum, com startups como a Anthropic levantando grandes quantias com frequência e concordando com várias condições de financiamento, como usar chips e serviços de computação em nuvem das empresas que investiram nelas.

Essa excitação esfriou quando ficou claro que algumas startups de alto perfil não teriam sucesso, criando uma oportunidade para as big techs entrarem em negócios não tradicionais.

A Microsoft deu início à tendência em março, concordando em pagar mais de US$ 650 milhões à startup de IA Inflection para licenciar sua tecnologia e contratar quase todos os seus funcionários, incluindo seu fundador, Mustafa Suleyman, veterano que agora lidera o negócio de IA do consumidor da Microsoft.

Em junho, a Amazon fechou um acordo semelhante com a startup Adept, trazendo muitos de seus funcionários, incluindo seu fundador, David Luan.

A Amazon pagou pelo menos US$ 330 milhões à Adept para licenciar sua tecnologia, com grande parte do dinheiro sendo usado para pagar os US$ 414 milhões que a startup havia levantado de investidores, disseram três pessoas com conhecimento da transação. A Amazon também ofereceu um bônus de retenção de US$ 100 milhões aos funcionários da Adept que se juntaram.

Os reguladores estão de olho. A FTC está trabalhando em um amplo estudo de negócios de IA entre startups e big techs como Microsoft, Amazon e Google, disse a agência em janeiro. Também está sob investigação se a Microsoft deveria ter notificado os reguladores sobre o acordo com a Inflection, o que teria submetido o arranjo a uma avaliação mais imediata, disse uma pessoa próxima do assunto.

Na quinta-feira (8), o regulador antitruste do Reino Unido disse que estava investigando um acordo de investimento que a Amazon havia feito com a Anthropic.

O Vale do Silício abraçou os negócios incomuns porque os fundadores de startups podem continuar trabalhando em sua tecnologia, com recursos de uma grande empresa, sem se preocupar em ganhar dinheiro por conta própria.

As transações também podem proporcionar um retorno rápido para investidores, como os da Character.AI, avaliada em US$ 1 bilhão de forma privada, que obtiveram um retorno de 2,5 vezes com o acordo de licenciamento do Google.

Nos acordos da Adept e Inflection, a maioria dos investidores recuperou seu dinheiro, disseram pessoas familiarizadas. No entanto, as transações deixaram para trás entidades corporativas órfãs, com os funcionários restantes em startups sem seus fundadores e investidores. Esses funcionários não têm direito a participar dos ganhos financeiros desses acordos.

Isso tem causado consternação entre alguns investidores de tecnologia e empreendedores.

"Se você construir uma empresa e receber dinheiro de investidores, todas as pessoas envolvidas merecem ser recompensadas", disse Sebastian Thrun, pesquisador de IA e empreendedor conhecido por fundar o projeto de carros autônomos do Google. "É por isso que o Vale do Silício surgiu. Se você diluir as coisas, será difícil para o ecossistema sobreviver."

Matt Turck, investidor da empresa de capital de risco FirstMark Capital, disse que esperava que esses tipos de acordos não avançassem porque criavam "uma estrutura confusa que quebra o alinhamento" de fundadores, funcionários e investidores.

Não está claro como as empresas deixadas para trás se sairão. Na Character.AI, Dominic Perella, o conselheiro geral, se tornou o CEO interino. A startup disse estar "comprometida em atender os usuários por meio de novos produtos inovadores".

Na Adept, equipes trabalhando em produto, vendas e outras áreas não se juntaram à Amazon, disse uma pessoa com conhecimento do acordo. A Amazon contratou apenas os pesquisadores que construíram a tecnologia de IA. O ex-chefe de engenharia da startup, Zach Brock, assumiu como CEO, e a empresa está tentando licenciar sua tecnologia, de acordo com uma apresentação recente vista pelo The New York Times.

A Inflection também contratou um novo CEO, mas apenas dois funcionários permaneceram, enquanto o restante —cerca de 70 pessoas— se juntou à Microsoft. A Inflection usou a taxa de licenciamento de US$ 650 milhões da Microsoft para reembolsar seus investidores, que haviam investido US$ 1,5 bilhão na empresa.

Mais acordos como esse podem surgir. Muitas startups de IA levantaram grandes quantias com metas ambiciosas, e grandes adquirentes continuam ávidos para pagar pelos melhores talentos, ideias e produtos. Ao mesmo tempo, algumas das startups estão lutando para ganhar dinheiro e competir com os grandes players, então podem estar mais dispostas a considerar negociações.

"Fundadores e investidores percebem que nem toda startup de IA de alto perfil com ótimos fundadores será a próxima OpenAI ou Google", disse Turck.

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