Projeto de lei responsabiliza toda cadeia produtiva em caso de violação a direitos humanos

Proposta segue tendência internacional de vigilância da atividade empresarial; para líder do agro, obrigações são excessivas

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Belo Horizonte e Sorocaba (SP)

Projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados estende a responsabilidade por violações de direitos humanos a toda a cadeia de produção. O PL 572/22, apresentado por Helder Salomão (PT-ES), quer regular a atuação empresarial no país com mecanismos de vigilância, prevenção e reparação desde a empresa controladora até as subcontratadas.

As organizações devem cumprir todas as normas internacionais e nacionais que proíbem o trabalho em condições análogas às de escravo, entre outras obrigações sociais e ambientais.

Pelo projeto, as empresas devem elaborar a cada semestre relatório com resumo de ações a serem implementadas, avaliação de riscos relacionados, medidas de prevenção e plano de compensação. Os documentos deverão ser encaminhados a órgãos como Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União.

As responsabilizações pelos descumprimentos vão de multa, suspensão de atividades, proibição de incentivos e contratações com o poder público até dissolução da empresa.

O texto aguarda parecer na Comissão de Desenvolvimento Econômico e passa por mais duas comissões antes da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Imagem mostra a fachada do Congresso Nacional. Trata-se da sede das duas Casas do Poder Legislativo brasileiro. As cúpulas abrigam os plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, enquanto que nas duas torres, as mais altas de Brasília, com 100 metros, funcionam as áreas administrativas e técnicas que dão suporte ao trabalho legislativo diário das duas instituições.
Fachada do Congresso Nacional, em Brasília (DF) - Roque de Sá - 13.jan.2022/Agência Senado

Segundo o deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o projeto impõe obrigações excessivas e potencialmente prejudiciais ao setor empresarial. "Por exemplo, a criação de um fundo para custear as necessidades básicas das pessoas afetadas pelas violações de direitos humanos poderia impor um ônus financeiro desproporcional às empresas", diz.

Além disso, afirma Lupion, a responsabilidade pela fiscalização dos demais integrantes da cadeia produtiva deve ser atribuída ao Estado, não às empresas. "A participação do setor privado para coibir violações de direitos é válida, mas não deve ser obrigação legal. O projeto de lei, ao impor a responsabilidade de fiscalização às empresas, vai de encontro ao ordenamento jurídico brasileiro."

O deputado diz, no entanto, que a FPA é favorável ao projeto, com ressalvas. "Deve ser alinhado às normas já existentes no país, evitando duplicações e sobreposições. É importante considerar a adequação aos princípios constitucionais e aos direitos estabelecidos, garantindo a segurança jurídica e evitando conflitos com outras legislações em vigor."

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Segundo a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS), que também assina o documento em tramitação na Câmara, "uma legislação como essa teria ação preventiva forte para combater casos de trabalho análogo à escravidão, mas também de indignidade, de violência, de superexploração, de ataques ambientais".

De acordo com o auditor fiscal do trabalho Lucas Reis, mestre em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, "há princípios em tratados e convenções internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, mas não há uma lei específica ainda".

Na visão dele, se houvesse uma lei do dever de vigilância no Brasil, seria mais fácil responsabilizar grandes empresas. "Hoje, empresas se escondem atrás da terceirização, a usam como instrumento para fugir da responsabilidade pelo contrato de trabalho. Nem sempre conseguem, mas às vezes se blindam."

O projeto vai em direção às sugestões apresentadas ao Tratado Internacional de Direitos Humanos e Empresas, no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Países como França e Alemanha já têm orientações desse tipo. Lei francesa aprovada em 2017 determina o dever de vigilância das empresas-mãe e empresas contratantes. Organizações em território francês com mais de 5 mil funcionários ou com sede estrangeira mas atuação no país com mais de 10 mil empregados devem implementar fiscalização em toda a cadeia produtiva.

Já a lei alemã, em vigor desde o começo deste ano, determina que empresas com sede ou filial no país e mais de 3 mil empregados cumpram uma série de monitoramentos, englobando relações comerciais com fornecedores no exterior.

Segundo Fernanda Melo, cuja pesquisa no mestrado em direito na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) aborda sustentabilidade e trabalho escravo na cadeia produtiva, leis de vigilância devem ser entendidas "não apenas como obrigação legal, mas como oportunidade para que empresas demonstrem compromisso com a responsabilidade social e a sustentabilidade".

Para Lucas Reis, "se essas grandes empresas têm condições de controlar a qualidade dos produtos, elas também têm condições de controlar a qualidade das condições de trabalho. E se elas têm condições de controlar a qualidade dos produtos desde a matéria-prima, elas também têm a condição de exercer a vigilância nas relações de trabalho desde a extração da matéria-prima".

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