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"Agora posso beber durante o expediente"
FERNANDO SILVA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A vida não começa aos 60 anos, mas para alguns nunca é tarde para se realizar pessoalmente. A ex-professora Maria Helena Amando de Barros explica seu momento de vida repetindo o que o filho vem lhe dizendo nos últimos tempos: "Mãe, você tem 65 anos e está pensando em construir uma casa? Você é louca".
Maria Helena mora em São Sebastião do Paraíso (MG), porém pensa em se mudar para uma cidade vizinha chamada São Tomás de Aquino. Em setembro deste ano estava em Bournemouth, na Inglaterra, para onde foi com o marido participar de um programa de intercâmbio em uma escola de inglês.
Arquivo Pessoal |
Maria Helena de Barros e o marido Geraldo em Bournemouth (Inglaterra), em intercâmbio em setembro deste ano |
Já o endereço de Antonio Augusto Deleuse, 67, é São Paulo. Mais precisamente o bar All of Jazz, inaugurado em 1995, onde afirma passar mais tempo do que em sua própria casa. Lá ocorrem shows de jazz e bossa nova. O local lhe é tão importante que ele diz fazer exames médicos constantes não apenas pela idade, mas para não ser surpreendido por problemas de saúde que o afastem de lá.
Engenheiro aposentado, Deleuse trocou sua antiga função pelo amor à música. Tanto para ele quanto para Maria Helena, que deixou de dar aulas, mas não quis entrar na fila da Previdência, o tempo disponível não é ocioso. Ambos são exemplos de quem não enxerga na aposentadoria uma palavra negativa. O dinheiro e o trabalho têm valor, só que não são mais o ponto central.
Segundo Fernando Dias, diretor de projetos da Career Center, que presta consultoria em RH, a proximidade da aposentadoria é um "momento de as pessoas pararem e recomeçarem a definir efetivamente o que querem". Inclusive para tentar escapar do vazio pelo qual alguns passam.
Maria Helena elogia o papel do planejamento na concretização de sonhos. "Nós sempre fomos muito organizados, nunca fomos deslumbrados com dinheiro", diz. No entanto, não leva isso tão ao pé da letra assim. Sua trajetória pouco comum é um desafio à lógica. Nascida em São Paulo, não quis ficar na cidade grande. Preferiu ir para Tremembé e Taubaté, no interior do Estado, e depois para pequenas cidades de Minas Gerais.
E após começar a cursar relações públicas quando já tinha 38 anos, ela foi professora por somente seis anos na faculdade em que se formou. "Eu sou assim: tenho tédio se ficar muito tempo fazendo a mesma coisa. Então estou sempre fazendo coisas novas", afirma.
"MINHA CASA, MEU CARRO E MEU BAR"
Se Maria Helena e o marido Geraldo, 70, não param, Deleuse, sim. Não se trata de nostalgia, mas sim de gostar mesmo do lugar. Ele se empolga ao mostrar sua loja de CDs ou quando conversa entre os retratos de Tom Jobim, Miles Davis ou Billie Holiday.
Juntar música e amigos em um bar se tornou realidade quando resolveu, em 1994, participar de um plano de demissão voluntária na multinacional de produtos químicos Rhodia. Trabalhou lá por 26 anos e não se arrependeu de sair. "Agora posso beber durante o expediente; lá eu não podia", diz, com uma taça de vinho na mão.
Marcelo Souza Almeida/Folhapress | ||
Antonio Augusto Deleuse conversa, em frente a um quadro de Billie Holiday, em seu clube, o All of Jazz |
Com voz tranquila, ele afirma ser feliz por dois motivos: satisfazer suas vontades e nunca ter pensado em economizar para o futuro. "Eu tenho minha casa, meu carro e meu bar. Não preciso de nada além disso. Não guardo dinheiro para levar no caixão." Sua renda mensal vem do lucro do clube e das duas aposentadorias que recebe, a do INSS e a complementar. É divorciado, e seu filho é executivo de uma empresa nos Estados Unidos.
Os três filhos de Maria Helena também já saíram de casa. Ela brinca que se acertasse os números da Mega-Sena voltaria a morar em Paris. Em 1997, recebeu uma herança e passou três meses na cidade para aprender francês. Aos risos, conta que só revelou os planos à família em almoço organizado por ela 15 dias antes da viagem. "Não sou acomodada, sou desprendida."
Maria Helena e Deleuse seguem outro caminho, mais leve e feito de escolhas. Seja para imaginar as duas viagens que ela programou para este ano, quando irá acompanhar uma amiga na República Tcheca e embarcará em um cruzeiro de nove dias para o Caribe. Seja, no caso dele, de manter o orgulho e a satisfação que seu bar lhe traz.
O tempo passa, mas os projetos também podem continuar normalmente.
FERNANDO SILVA participou da 52ª turma do programa de treinamento em jornalismo diário da Folha, que foi patrocinado pela Philip Morris Brasil, pela Odebrecht e pela Syngenta.
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