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Concierge resolve pedidos impossíveis há 60 anos em hotel de Portugal

Aos 71, Mário Pereira nunca diz não a hóspede e já trouxe até lagosta viva para restaurante

Patrícia Tadeia
Diário de Notícias

Desde janeiro de 1958, ele faz do hotel Palácio, em Estoril (a 33 quilômetros de Lisboa), sua segunda casa. Aos 71 anos, Mário Pereira, um concierge dedicado e apaixonado pela profissão, pode dizer que já satisfez vários pedidos impossíveis, porque no seu dicionário não consta a palavra "não".

"O meu sonho sempre foi ser concierge, ter estas chaves de ouro na roupa", diz ao Diário de Notícias. "A palavra concierge tem muita força nos hotéis de luxo, e quando comecei tinha noção do que era ser concierge num hotel desses. Um hotel que recebe príncipes e reis de todo o mundo, artistas de cinema, banqueiros, as pessoas mais ricas do mundo", acrescenta Mário, enquanto pede dois cafés e uma travessa de bolos miniatura.

"Mas afinal o que é o luxo?", pergunta, respondendo em seguida: "Luxo é qualidade. Começa na informação que damos ao cliente, no respeito e consideração que temos por ele. E depois continua na atitude, nos serviços." 

Serviços que muitas vezes passam por pedidos quase impossíveis. Escrevemos "quase", porque Mário sempre os concretiza. Como quando um cliente lhe pediu duas lagostas vivas à mesa do restaurante.

"Um milionário que perdia fortunas no casino todas as noites um dia pediu-me para reservar uma mesa no ‘Grill Four Seasons’, queria duas lagostas mas queria vê-las vivas em cima da mesa. Eram 22 horas, já era tarde, e eu pensando como iria arranjar uma lagosta viva. Se eu não o fizesse, o cliente ia embora do hotel.

Então pedi-lhe 30 minutos. Liguei para um amigo que tem um viveiro na praia do Guincho. Disse-lhe que lhe pagava o preço que quisesse. Cinco minutos depois da hora, eu estava a colocar as lagostas em cima da mesa do restaurante. Ele deu-me uma gratificação de 50 contos. Ainda não havia o escudo [moeda anterior ao euro]", recorda Mário.

Mas as histórias, são mais que muitas… Os cafés já eram, os bolos continuam intactos —afinal está chegando o verão e é preciso dizer "não", palavra que Mário evita.

"Nunca digo que não a um cliente. Não desisto, arranjo maneira de contornar a situação", afirma, enquanto começa nova história: "Uma vez, um multimilionário brasileiro pediu-me para reservar uma mesa no Belcanto para duas pessoas. É muito complicado, há uma espera de mais de quatro meses para a reserva.

Liguei para lá, e foi isso que me disseram. Mas não aceitei. Disse que até podia ser uma mesa na cozinha. Que o preço não interessava. E assim foi. Colocaram uma mesa na cozinha do chef, a € 250 por pessoa. No dia seguinte, o cliente disse-me que tinha sido a melhor refeição da sua vida", diz Mário.

Viajando ao passado, recorda ainda um episódio com alguém que recorda como amigo: D. Juan, conde de Barcelona e pai do rei de Espanha. "Durante o exílio de D. Juan, a PIDE [polícia portuguesa da época] e a polícia espanhola fiscalizavam quase tudo o que era correio. Um dia, ele veio ter comigo dizendo que precisava de um grande favor. Sabia que tudo o que recebia já tinha sido lido por alguém.

Pediu-me que recebesse por ele a correspondência. Foi uma atitude grave e perigosa, mas durante dois anos, a correspondência vinha para mim. Quando chegava uma carta, eu ligava-lhe e dizia para viesse beber um copo ao Palácio", recorda.

As memórias são mais que muitas, como a do cliente com mais de 80 anos que estava sempre sozinho, e a quem Mário arranjou uma companhia feminina para jantar. "’Estou muito velho’, dizia-me. E eu perguntei-lhe ‘Está muito velho para ter alguém consigo à mesa, alguém com quem falar, com quem beber um copo?’. Nesse dia reservei-lhe uma mesa com flores, velas e uma companhia interessante.

No dia seguinte disse-me que lhe tinha proporcionado a noite mais feliz dos últimos 20 anos. Acredito até que jantaram apenas, e não aconteceu mais nada. Mas aquele homem bebeu um coquetel como queria, junto de uma mulher bonita. Foi o luxo que ele precisou", defende.

Apesar de já estar reformado, Mário não pensa em abandonar o Hotel que já recebeu nomes como Frank Sinatra, Grace Kelly, Joan Baez, Valentino Rossi, Ian Fleming, Orson Welles, Tony Blair ou Zsa Zsa Gabor e que serviu de palco, em 1969, às filmagens de um dos filmes de James Bond, "007 - A Serviço de Sua Majestade".

"O meu diretor continua a contar comigo. A minha mulher e filhas querem que vá para casa, mas tenho medo. Vou fazer o quê? Ver TV? Ler livros? Honestamente, tenho medo. Estive na guerra e não tive medo. E agora tenho. E enquanto este medo perdurar vou ficando aqui."

Leia no Diário de Notícias.

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