José Mindlin sugeriu roteiro de bibliotecas pelo mundo em 1989

Leia o texto escrito pelo maior colecionador de livros do país em Turismo

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São Paulo

Em 3 de agosto de 1989, o bibliófilo José Mindlin (1914-2010)  preparou para os leitores de Turismo um roteiro de visitas a grande grandes bibliotecas pelo mundo.  

O tour sugerido pelo empresário, que ergueu a maior biblioteca privada do Brasil, começa no Brasil, com a Biblioteca Nacional, no Itamaraty, no Gabinete Português de Leitura e no Arquivo Nacional, no Rio, e a Mário de Andrade, em São Paulo. A viagem continua com visitas a coleções nos Estados Unidos (Nova York, Washington, Boston, Providence ,Chicago, Bloomington, Austin), Portugal (Lisboa, Coimbra), Suíça (Zurique), Alemanha ( Wolfenbuttel), Vaticano,  Inglaterra (Londres), Bélgica (Bruxelas), Suécia, China (Pequim) e Austrália (Sidney) .

A Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, no campus da USP, foi inaugurada em março de 2013.

Reprodução da capa de Turismo
Capa do caderno Turismo de 3 de março de 1989 - Gabriel Cabral/Folhapress

Leia o texto de Mindlin abaixo:

 

Bibliotecas do mundo convidam à viagem

JOSÉ MINDLIN
ESPECIAL PARA A FOLHA 

Em geral, o circuito turístico, mesmo quando abrange o mundo cultural, dirige-se muito mais aos museus, exposições, teatros, concertos etc. Bibliotecas raramente aparecem. Acontece que em muitas delas existem verdadeiros tesouros de cultura que, por si só, podem justificar uma viagem.

É extremamente difícil estabelecer preferências marcantes entre elas. Não conheço, aliás, muitas das grandes bibliotecas, mas mesmo aquelas que visitei já justificam que se faça um roteiro de visita.

Começaria pelo próprio Brasil, onde temos na Biblioteca Nacional, no Itamaraty, no Gabinete Português de Leitura e no Arquivo Nacional, do Rio, acervos preciosos de livros e manuscritos. Em São Paulo, temos a Biblioteca Mário de Andrade, com um bom acervo e funcionários dedicados, mas que luta com terrível falta de recursos. É uma biblioteca que está a exigir apoios para a sua recuperação.

No exterior começaria pelos Estados Unidos. Em Nova York, tanto a New York Public Library como a Morgan Library merecem uma visita, mesmo de quem não seja bibliófilo, pois sempre ali se fazem magníficas exposições, e o ambiente, tanto de um prédio como de outro, é belíssimo. Não adianta detalhar coleções. Tanto uma como outra têm um acervo variado e, por mais variados que sejam os interesses dos visitantes, todos poderão gratificá-los.

De Nova York deve-se ir a Washington, onde se encontra uma grande instituição de importância mundial, a Biblioteca do Congresso. Essa é um mundo. São milhões de volumes, coleções incríveis de livros raros e manuscritos, onde o visitante encontra logo de saída a Bíblia de Gutenberg, primeira obra publicada com tipos móveis em 1454, e a Declaração de Independência dos Estados Unidos. É uma biblioteca que se atualiza permanentemente.

Outra biblioteca importante de Washington é a Folger Library, conhecida como a maior coleção shakespeariana do mundo, mas cujo acervo é mais amplo, abrangendo praticamente todo o período da Renascença. Depois de Washington, sugeriria uma ida a Boston, e depois a Chicago.

No caminho de Boston, na Universidade de Yale, há outra biblioteca extraordinária, a Beinecke Library, com um precioso acervo de livros raros e um prédio lindíssimo de mármore translúcido, que por si só pode constituir uma atração turística.

Em Boston, duas bibliotecas merecem atenção: a Houghton Library, da Universidade de Harvard, e a Boston Athenaeum. Esta é uma instituição de leitura fundada no início do século passado, com um ambiente agradabilíssimo. Ambiente agradável, aliás, também é o da Houghton, onde se concentram as grandes raridades.

Perto de Boston, em Providence, Rhode Island, está localizada a John Carter Brown Library, que é uma das melhores bibliotecas do mundo de livros sobre as Américas. Por acaso, aliás, faço parte do Conselho Diretor, o que me serve de pretexto para visitar a biblioteca duas ou três vezes por ano e me permite o livre acesso às grandes raridades, um dos prazeres da bibliofilia. Confesso que é difícil designar preferências, mas essa e a Morgan estão entre as prediletas.

Em Chicago, a Newberry Library tem uma excelente coleção de livros portugueses e alguns de interesse brasileiro. Mas onde se encontra uma coleção magnífica de Brasiliana é em Bloomington, Indiana, na Universidade de Indiana. É uma visita que vale a pena fazer a caminho da Califórnia. Lá eu mencionaria a State Library e a Biblioteca da Universidade da Califórnia, que são duas que conheço melhor, o que não exclui a existência de outras, certamente boas, como a da Universidade de Stanford.

Da Califórnia, na volta para Nova York, passaria por Austin, no Texas, onde a universidade tem várias bibliotecas excelentes, mas de estudos latino-americanos, outra de literatura francesa e italiana, que são duas que eu conheço, mas que, provavelmente, têm acervos mais amplos. Todas essas universidades, aliás, fazem a gente lamentar não ser estudante outra vez.

A Europa é um outro mundo. Se se começar por Portugal, não se pode deixar de visitar as bibliotecas de Lisboa e da Universidade de Coimbra, e o Arquivo da Torre do Tombo, onde se encontra a carta de Pero Vaz de Caminha. Para os brasileiros são instituições fascinantes.

Na Suíça, há a Biblioteca de Saint Gal, perto de Zurique, um convento medieval com preciosos manuscritos. Na Alemanha, a Biblioteca de Wolfenbuttel se destaca para quem procura raridades. Depois o turista tem que optar se começa pela Itália, para depois ir à França, Bélgica, Inglaterra e Suécia, ou se faz outro roteiro, mas todos esses países deveriam ser visitados.

Em Roma, naturalmente, a Biblioteca do Vaticano, que é um mundo em si. Lembro-me que ingenuamente perguntei a um conservador que nos estava mostrando a biblioteca quantos volumes existiam ali, e a resposta foi surpreendente: “Calculamos o número pelos quilômetros de estantes!”

Na França, conheço apenas a Biblioteca Nacional e a Biblioteca do Arsenal. Certamente existem muitas outras bibliotecas importantes. Em Bruxelas, a Biblioteca Real contêm verdadeiros tesouros e deve ser visitada.

Outra instituição extraordinária é a British Library em Londres --ambiente belíssimo e coleções incríveis. Para quem esteja em Londres vale a pena, aliás, dar um pulo a Manchester, que, mais conhecida como cidade puramente industrial, surpreende os visitantes com a John Rylands Library, cuja coleção e ambiente são belíssimos.

Na Suécia, a Biblioteca Real, que tem livros da imperatriz dona Amélia, e o Arquivo Militar, que tem uma coleção de mapas, inclusive do Brasil, também não podem deixar de ser visitados por quem esteja por lá.

Na União Soviética só visitei a Biblioteca Lênin, de altíssimo padrão, e, para não deixar de dar uma nota exótica, aconselharia também uma visita à Biblioteca da Universidade de Pequim, onde se encontram livros impressos já nos séculos 9 e 10. São impressões feitas em blocos de madeira, não com tipos móveis, mas creio que são os mais antigos impressos que se conhecem.

Como se vê, bibliotecas boas e lindas não faltam por esse mundo afora. Uma que ainda não visitei, mas que deve ser referida, porque lá se encontra uma das melhores coleções de literatura brasileira formada por Adir Guimarães, é a da Universidade de Sydney, na Austrália.

Volto a dizer que é muito difícil estabelecer preferências. Na realidade, em cada uma dessas bibliotecas encontrei motivos de atração. Acho que o turista que pretenda seguir esse roteiro, ou parte dele, também sentirá grande satisfação.  

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