Letreiro de Hollywood passa por 'recauchutada' e se prepara para o centenário

Inaugurado em 1923 para promover empreendimento imobiliário de luxo, ícone consolidou o nome da região

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Letreiro foi inaugurado em 1923 com a ideia de durar apenas 18 meses Larry Gibson - stock.adobe.com a

Los Angeles

Como um astro do cinema, o letreiro de Hollywood não deixa ninguém chegar muito perto. Está sempre rodeado por câmeras de segurança e turistas curiosos em busca do clique perfeito.

Também como as celebridades espalhadas por outdoors de Los Angeles, as letras brancas gigantescas são vistas de vários pontos da cidade, como ao passar de carro pela freeway 101, ao caminhar pela Calçada da Fama ou pelas inúmeras trilhas do Griffith Park.

Famoso letreiro de Hollywood é visto de rua residencial de Hollywood, na Califórnia (EUA) - France Presse

Portanto, nada mais natural do que receber uma bela "recauchutada" ao se aproximar do seu centenário, que acontece em 2023. Além de eventos comemorativos, ainda existe a possibilidade de o painel voltar a brilhar, ou melhor, de ser iluminado como era em 1923, quando foi levantado para promover um empreendimento imobiliário de luxo.

"A última pintura do letreiro foi há dez anos. Havia ferrugem se formando, tinta descascando, muita sujeira e terra ao redor das estruturas. E precisamos dele impecável para ano que vem", disse Jeff Zarrinnam, presidente da Hollywood Sign Trust, grupo sem fins lucrativos que ajuda a manter e divulgar o símbolo da cidade.

"Demos uma boa limpeza e duas demãos de tinta."

A tinta usada é a mesma que se acha nas lojas da patrocinadora Sherwin Williams, chamada Emerald Rain Refresh Extra Branco, rebatizada para a ocasião de "branco centenário". Cerca de 400 galões foram usados pelo time de dez trabalhadores em outubro passado, quando plataformas verdes podiam ser vistas ao longe, subindo e descendo as letras de 13 metros de altura.

"É um orgulho fazer este trabalho, é um lugar tão simbólico, todo mundo conhece ou quer conhecer. Estar aqui pintando é um sonho, um sentimento difícil de explicar", disse um dos supervisores de obras, Jesus Pelayo, enquanto descia da plataforma da letra "d".

Não que a tarefa tenha sido fácil: "O calor foi cruel na semana passada, passou dos 40 graus".

O letreiro fica logo abaixo do topo do Monte Lee, dentro do Griffith Park, e visitantes só conseguem chegar perto por trás das letras e após uma bela caminhada (veja as trilhas abaixo).

"Será uma celebração ao longo do ano todo. Os planos estão em desenvolvimento", disse Zarrinnam. "Estudamos se podemos voltar a iluminá-lo. Há muito a ser considerado: se seriam painéis solares, se seria algo diário ou só em eventos especiais. Temos também um estudo ambiental em andamento."

Para o historiador Leo Braudy, da University of Southern California, o letreiro é um "tipo estranho de ícone", diferente da Estátua da Liberdade ou dos rostos presidenciais do Monte Rushmore, por não representar nada além de si mesmo.

"É um símbolo perfeito da celebridade moderna, que celebra a si mesma soletrando seu nome para o mundo todo ver", disse Braudy. "Como um dos ‘readymades’ de Marcel Duchamp, objetos ordinários que viram obras de arte ao serem instalados num museu, o letreiro obtém seu significado da onde está instalado e do que as pessoas pensam dele, mais do que ele é de maneira intrínseca."

Mas, antes de Hollywood, era Hollywoodland que os habitantes do novo distrito de Los Angeles avistavam na colina, iluminado por 4.000 lâmpadas (detalhe: um funcionário morava numa cabana ao lado para trocar as que queimavam).

Fazia parte do marketing para vender os terrenos aos pés da montanha, no qual vieram a morar muito tempo depois Bela Lugosi ("Drácula") e Humphrey Bogart ("Casablanca").

O escritório da imobiliária, primeira casa a ser construída, existe até hoje, assim como os pilares de pedra de um portão, na North Beachwood Drive com a Westshire Drive.

Levantado para durar 18 meses, o painel foi ficando, ajudando a consolidar o nome da região, batizada no final do século 19 por Daeida Wilcox, mulher de um empreiteiro. O casal havia comprado um rancho de 120 acres no local, então uma longínqua vila a horas de Los Angeles, e passou a vender terrenos e desenvolver a área de olho no "boom" imobiliário no sul da Califórnia com a chegada das linhas de trens.

Daeida chamou a propriedade de Hollywood, e o motivo é alvo de disputas. Ela teria ouvido a sugestão de uma viajante e se encantado com a referência religiosa ("holy", em inglês, é sagrado), ou teria sido influenciada por um hotel de mesmo nome em Nova Jersey.

Outra possível inspiração é o toyon, árvore de frutos vermelhos conhecida como "California holly", que ainda hoje cresce selvagem pelas trilhas e decora mansões de Hollywood Hills.

O casal Wilcox, religioso e proibicionista, assim como os agentes de Hollywoodland, não queria arruaceiros em suas propriedades. Ou seja, atores e diretores não eram bem-vindos. Era o início da migração dos estúdios da Costa Leste para a Oeste, animados com locações ensolaradas o ano todo.

Pouquíssimos estúdios, no entanto, se fixaram em Hollywood.

Uma exceção foi a Lone Star, de Charles Chaplin, estúdio construído em 1918 e locação de "Luzes da Ribalta". Desde 2000, virou sede da Jim Henson Company, criadora dos "Muppets" (Caco figura no topo da entrada na rua La Brea).

Hollywood como sinônimo da indústria do cinema teve ajuda também de outros forasteiros, principalmente o empresário Sid Grauman, que inaugurou em 1922 o primeiro cinema local, o sofisticadíssimo Grauman's Egyptian Theatre, seguido do Chinese Theater, na mesma rua quatro anos depois.

Palco da primeira estreia de cinema da região, "Robin Hood" (1922), o Egyptian foi comprado em 2020 pela Netflix, que no momento restaura o espaço. Foi Grauman quem teve a ideia genial de trazer celebridades para as estreias, transformando-as em grandes eventos noticiados pela imprensa de todo o país.

Já o letreiro como símbolo duplo inconteste do bairro e do cinema só viria mais tarde, nos anos 1960, com os ventos de preservação e valorização do passado e com ajuda da turma da pop art, muitas vezes influenciada pelo mercado publicitário.

Para chegar lá, o painel passou por maus bocados e renasceu diversas vezes. Nos anos 1940, a letra "h" foi tombada por ventos e por anos a população conviveu com Ollywoodland. Foi a primeira "edição" do painel, que mais tarde seria alterado ilegalmente para outros nomes.

A retirada do "land" veio em 1949, quando a Câmara de Comércio de Hollywood topou restaurá-lo com a condição de diminuí-lo.

Nos anos 1970, os postes telefônicos de madeira que seguravam o painel apodreciam com cupins, e as letras insistiam em rolar montanha abaixo. Restaurado em 1973, foi totalmente substituído em 1978, fixado por vigas de aço perfuradas a quatro metros na terra e com letras de metal 1,5 metro menores. O resultado é o que se vê hoje.

A memória do letreiro mais antiga de Zarrinnam vem justamente dessa época. Ele lembra da tremenda decepção de amigos da família que vinham da Europa ao avistar o painel em estado periclitante. Hoje guardião do painel, Zarrinnam faz questão de morar numa casa com vista para as letras.

"Quando o assunto é o letreiro, duas palavras sempre vêm à mente: esperança e sonhos", disse. "Ele traz lembranças de filmes e dá motivação para as pessoas darem seu melhor e realizarem seus sonhos. No final, é disso que se trata a América, é o sonho americano."


Trilhando até o letreiro

Intocável, ele só deixa você chegar a uns 30 metros de distância, no topo do Monte Lee. Prepare a garrafinha de água, o boné e um bom tênis de trilha. Veja alguns caminhos até lá:

Árvore da Sabedoria

Bem na ponta esquerda da montanha que leva o letreiro, dá para ver de longe um pinheiro solitário, conhecido como a "árvore da sabedoria". Sobrevivente de um incêndio em 2007, ela pode ser visitada a caminho do letreiro. Uma caixa de madeira semidestruída guarda cadernos com mensagens dos visitantes. A subida até a árvore (1,2 km) é puxada, mas a vista é uma boa desculpa para ir devagar. Da árvore até o letreiro (mais 1 km) é relativamente plano, com alguns sobes e desces.

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Árvore da Sabedoria, em uma das trilhas para se chegar ao letreiro de Hollywood - Fernanda Ezabella

Trilha: Wonder View Trailhead, no final da Wonder View Drive. Distância: 4,4 km ida e volta. Estacionamento: gratuito, ao longo da Lake Hollywood Drive.

Observatório Griffith

Outro símbolo de Los Angeles é o observatório do Griffith Park, cujo estacionamento guarda um busto de James Dean (local da luta de facas de "Juventude Transviada"). A trilha é bem sinalizada, mas longa e sem sombras. Pode ser combinada com a volta via "árvore da sabedoria", só não esqueça onde deixou o carro.

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Trilha ao lado do observatório do Griffith Park, para se chegar ao letreiro de Hollywood - Fernanda Ezabella

Trilha: Charlie Turner Trailhead, na ponta do estacionamento. Distância: 10 km ida e volta. Estacionamento: no observatório, gratuito até meio-dia, depois é parquímetro de US$ 4 por hora ou US$ 20 por dia. Outra opção é pegar o ônibus que vai do metrô Vermont/Sunset até o observatório (linha DASH Observatory/Los Feliz - US$ 0,50).

Casas de Hollywood Hills

Tem as melhores vistas frontais do letreiro. Siga a trilha de terra até o final e vire à esquerda na Mulholland Highway, andando no asfalto entre casas de Hollywood Hills. Tome à esquerda no próximo cruzamento e siga até dar de cara com um portão fechado. À esquerda, meio escondida, fica a porta para pedestres: pode abrir. Daqui até o letreiro são 2 km. O portão fica no final da Deronda Drive, antes de virar Mulholland Highway. Outra opção é pegar um táxi/Uber/Lyft até o portão, já que não há local para estacionar.

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Casas de Hollywood Hills, próximas ao letreiro de Hollywood - Fernanda Ezabella

Trilha: Innsdale Trailhead, no final da Canyon Lake Drive. Distância: 7 km ida e volta. Estacionamento: gratuito, ao longo da Canyon Lake Drive.

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