Selfie em Auschwitz nem sempre é algo problemático, afirma porta-voz do museu

Em abril, foto descontraída em local onde ficava campo de concentração nazista gerou indignação nas redes sociais

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Oswiecim (Polônia)

Ao entrar no Museu de Auschwitz, no espaço onde ficavam dois campos de concentração da Alemanha nazista na Polônia ocupada durante a Segunda Guerra, o visitante atravessa uma sóbria passarela feita de concreto armado enquanto nomes de vítimas do Holocausto saem dos alto-falantes.

O guia pede silêncio durante o trajeto, mas nem todos respeitam a solicitação. Escutam-se conversas sobre generalidades, um e outro apontando algum detalhe da época do extermínio em massa. Ao todo, seis milhões de judeus foram assassinados sob as ordens de Adolf Hitler, um milhão só em Auschwitz.

Em abril, uma foto feita nos trilhos do antigo campo de concentração de Birkenau, ao lado de Auschwitz, gerou repulsa devido à pose descontraída da garota retratada: sentada num dos trilhos, ela tinha a cabeça reclinada para trás e uma das mãos segurando os cabelos como se estivesse em um comercial de xampu.

Antes, em 2014, uma estudante americana do Alabama já havia provocado reação parecida ao fazer uma selfie, sorrindo e com um emoji de sorriso na legenda, dentro de onde ficava o campo de concentração.

Para Pawel Sawicki, assessor de imprensa do Museu de Auschwitz, porém, tratam-se de exceções. Em entrevista a veículos de mídia do Brasil, entre os quais a Folha, o funcionário da instituição ressaltou a importância de lembrar que aquele foi o local onde muitos foram mortos, mas defendeu a necessidade de encontrar um equilíbrio "para falarmos de fotografia como um caminho para conduzir as emoções".

Interior do Museu de Auschwitz, local onde ficava o campo de concentração nazista, na Polônia ocupada durante a Segunda Guerra
Interior do Museu de Auschwitz, local onde ficava o campo de concentração nazista, na Polônia ocupada durante a Segunda Guerra - Daigo Oliva/Folhapress

"Sempre pedimos aos visitantes para ter em mente que o comportamento deles ao tirar fotos pode ser problemático para outros, mas não é como se existisse uma linha em que você pode dizer: 'OK, agora todas as selfies são erradas ou todas são boas'. É mais complexo."

Recentemente, uma garota fez uma foto no local do campo de concentração de Birkenau, o que gerou uma declaração do Museu de Auschwitz. O que vem sendo feito para evitar situações desse tipo?
Uma selfie não é algo terrível. Terrível é o que aconteceu nos campos de concentração e de extermínio. A selfie é uma maneira pela qual as pessoas se comunicam hoje, e não há nada de errado com uma selfie em si. Mas precisamos nos lembrar de que esse é um lugar onde mais de um milhão de pessoas foram assassinadas. Quando falamos de fotografia, temos de olhar para as diferentes abordagens, porque há quem pense que os visitantes não deveriam poder nem mesmo tirar fotos. Nós discordamos.

Pessoas do mundo todo vêm aqui, e para muitos será a única vez que virão. Então eles fazem fotos, mostram para seus parentes, postam nas redes sociais e falam sobre o que sentiram e por que esse local é tão importante. Não tem nada de errado com fotos desse tipo. Em geral, tentamos nos atentar não só à foto, mas à motivação dela, porque você pode tirar uma foto linda, com uma câmera superprofissional, e então usá-la para manipular ou distorcer a história ao escrever uma legenda problemática. Ou seja, é preciso encontrar um equilíbrio para falarmos de fotografia como um caminho para conduzir as emoções.

Sempre pedimos aos visitantes para ter em mente que o comportamento deles ao tirar fotos pode ser problemático para outros, mas não é como se existisse uma linha em que você pode dizer: "OK, agora todas as selfies são erradas ou todas são boas". É mais complexo. No nosso perfil no Instagram, você pode ver que procuramos fotos que as pessoas fazem aqui e adicionamos conteúdo educacional. Assim, em vez de focar só o exemplo negativo, tentamos olhar para as coisas positivas que as pessoas fazem. Mas, claro, às vezes temos de reagir quando situações problemáticas acontecem.

Estamos chegando ao momento da última geração de sobreviventes do Holocausto. Qual é a perspectiva do museu para continuar preenchendo essa memória?
A presença dos sobreviventes é vital para nós porque esse lugar foi criado por eles, como um testamento. Uma coisa que temos feito, assim como outras instituições, é coletar depoimentos —em texto, em vídeo, em 3D, para serem exibidos como hologramas—, e o número de vozes que podemos usar é incrível. Mas planejamos também uma exposição com obras criadas por prisioneiros e sobreviventes, porque notamos que os jovens, quando se encontram com sobreviventes, não perguntam sobre fatos ou datas, mas sobre o que eles sentiam ao estar aqui. E a arte é um gênero interessante, porque você não precisa de um idioma. O que quero dizer é: ainda precisamos dos depoimentos e temos de colocá-los num pedestal, porque são testemunhas da história, mas devemos pensar em formas diferentes de manter suas vozes.

O senhor trabalha aqui há 16 anos. Que mudanças testemunhou no museu desde então?
Houve mudanças no número de visitantes. Em 2000, você tinha menos de 500 mil visitantes [por ano]. Antes da Covid, em 2019, eram 2,3 milhões de visitantes [em 2022, ainda na retomada pós-pandemia, o museu recebeu quase 1,2 milhão de visitantes]. Houve também uma mudança de geração, e um desafio é justamente a falta de sobreviventes. Quando pensamos nos jovens de hoje, os avós deles nasceram depois da Segunda Guerra, e, quando pensamos na forma como a história é passada, de geração em geração, ela vem por meio dos avós. Assim, para muitos jovens que vêm aqui, não é mais uma história contada ao redor da mesa de jantar, agora ela vem dos livros, e essa é uma relação muito diferente quando pensamos em como nos comunicar com eles. Em termos de conservação, houve mudanças muito significativas, e agora temos uma fundação que ajuda a financiar o museu. Temos, também, novos projetos, como o novo centro de visitantes, inaugurado há dois meses, com um novo cinema.

Após todos esses anos trabalhando aqui, ainda é possível se sentir otimista em relação à humanidade?
Trabalhar em Auschwitz em busca de otimismo é algo desafiador. Provavelmente sinto otimismo em relação a seres humanos de forma individual e acho que uma das maiores perguntas que devemos fazer em um lugar assim é o que podemos fazer hoje como indivíduos para melhorar o mundo. Alguns visitantes hoje questionam: "As pessoas sabiam o que estava acontecendo? Por que eles não fizeram mais para evitar?". Daqui a 30 anos haverá novos memoriais, e essas questões vão reaparecer. Assim, em relação à humanidade, tenho uma visão mais complexa, mas sei que indivíduos, quando encontram uma motivação, quando pensam que estão fazendo algo bom, podem fazer absolutamente muito.

O jornalista viajou à convite do Memorial do Holocausto de São Paulo com apoio do governo da Polônia

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