Alessandra Orofino

É cofundadora da ONG Meu Rio e diretora da organização Nossas. Curadora do blog #AgoraÉQueSãoElas.

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Alessandra Orofino

O imperador está nu

Crédito: Charles Rex Arbogast - 5.jan.2018/Associated Press O livro "Fire and Fury", sobre Donald Trump, em livraria de Chicago; presidente tentou proibi-lo
O livro "Fire and Fury", sobre Donald Trump, em livraria de Chicago; presidente tentou proibi-lo

O ano começou com o lançamento do livro-bomba "Fire and Fury", uma longa documentação jornalística da campanha e dos primeiros meses de administração de Donald Trump, feita a partir de entrevistas com centenas de membros do staff do presidente americano. No fim das contas, o livro conclui aquilo que todos os seguidores do presidente no Twitter já sabiam –ele é ou burro, ou maluco, ou uma combinação sinistra dos dois. Seu procedimento é o de uma criança mimada.

Enquanto os americanos debatem o que fazer com o resultado das próprias escolhas eleitorais –há quem diga que o Congresso deve impedir Trump de completar o mandato, alegando instabilidade mental– os brasileiros se prepararam para fazer as suas. E as perspectivas não são exatamente animadoras.

Após meses de suspense e negociação, Jair Bolsonaro anunciou que virá candidato pelo PSL. A aliança foi selada no melhor estilo partidos-fisiológicos-e-semi-feudais, com um dirigente sorridente que sabe que pode usar a estrutura partidária, sustentada à base de muito dinheiro público, sem nenhum compromisso com um processo de decisão minimamente democrático e transparente.

E falando de alianças espúrias e partidos fisiológicos, também abrimos o ano com a notícia de que Cristiane Brasil (PTB), filha de Roberto Jefferson, é a mais nova ministra do Trabalho do governo Temer –ele mesmo, é sempre bom lembrar, consequência mais do que direta do deprimente casamento do PT com o PMDB. Pois bem, e não é que o suplente de Cristiane é ninguém mais ninguém menos que Nelson Nahin (PSD)?

Nelson já foi condenado em um caso de prostituição infantil envolvendo dezenas de meninas de 8 a 17 anos submetidas a 20, 30 estupros por dia em um bordel de Campos, no Estado do Rio. Agora, ele aguarda o andamento do processo em liberdade graças a um habeas corpus concedido pelo STF, o mesmo STF que não parece se incomodar muito com o fato de 40% dos presos brasileiros serem provisórios, mas que concede habeas corpus para políticos em tempo recorde. Ah, mas Nelson sequer é do partido de Cristiane! Sem problemas: nosso maravilhoso e coerentíssimo sistema de coligações proporcionais —aquele que o Congresso disse que ia mudar em 2018, mas depois decidiu manter intacto até 2020— permite a operação, e o eleitor que se resolva com sua indignação.

Os gritos por reforma e renovação política –nos EUA ou aqui– já não dão conta do tamanho da tragédia e do colapso das democracias representativas. Lá, um Partido Republicano refém de seu próprio projeto de poder falha miseravelmente em agir para fazer face a um presidente republicano absolutamente incapaz de governar e que pode afundar o mundo numa guerra nuclear com um tuíte. Aqui... bom, aqui a falta de vergonha de um Congresso composto de homens que nem sequer precisam do voto popular, porque são eleitos em coligações improváveis com base em cálculos eleitorais incompreensíveis, atinge níveis espantosos.

Não, não precisamos de mudanças bem-comportadas. O imperador está nu, e os tempos são mais revolucionários do que reformistas. Ou isso, ou a voz da criança mimada começa a parecer sensata em sua rebeldia rasa. E terminaremos com um Bolsonaro no poder e um Congresso apodrecido, sem legitimidade sequer para controlá-lo. Que o fogo e a fúria sejam nossos, antes de serem dele.

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