Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Nosso maior legado é proteger a infância

O Brasil tem hoje cerca de 21 milhões de crianças de 0 a 6 anos, uma em cada três vivendo em situação de pobreza ou extrema pobreza

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“Precisamos investir na educação e, quanto mais cedo, melhor. Então, vamos apoiar um gigantesco [programa de] vouchers para educação nos primeiros estágios.”

A declaração do ministro Paulo Guedes em Davos, embora óbvia —precisamos investir em educação—, é um avanço em se tratando de alguém que há pouco defendia a redução dos recursos para a área.

Em relação aos vouchers para a educação infantil, não me parece a melhor política. Se o ministro solicitar a um assessor os dados do último Censo Escolar, verá que não existem vagas disponíveis e que a totalidade das vagas de educação infantil privadas existentes não daria conta da criação de um “gigantesco programa de vouchers”. Terá que criar mercado.

A última vez que o governo federal se dedicou a uma iniciativa dessa natureza distribuiu indiscriminadamente financiamento estudantil a juros baixos.

 
Aula de educação infantil no colégio São Vicente de Paula é dada de acordo com as novas regras da Base Educacional Curricular, que coloca as crianças no centro das atenções e não mais como um objeto a ser cuidado
Aula de educação infantil no colégio São Vicente de Paula é dada de acordo com as novas regras da Base Educacional Curricular, que coloca as crianças no centro das atenções e não mais como um objeto a ser cuidado - Adriano Vizoni - 13.nov.2018/Folhapress

O resultado todos sabemos. As empresas de ensino superior estabeleceram mensalidades sem a ação do mercado e cresceram exponencialmente às custas do Estado brasileiro, que assumiu sozinho o não pagamento das dívidas dos estudantes, muitas vezes matriculados em escolas de qualidade duvidosa.

Em tempos de discussão do Fundeb, o fundo que financia a educação básica no país, ampliar o valor per capita repassado aos municípios para creche e pré-escola, hoje reconhecidamente insuficiente, seria uma boa medida, assim como do adicional por criança que consta no cadastro do Bolsa Família.

Essas duas medidas serviriam de estímulo ao aumento das matrículas e à busca ativa pelas prefeituras para que matriculassem as crianças mais pobres.

O governo poderia realizar essas duas operações ampliando sua participação no Fundeb ou redistribuindo os valores entre a educação infantil, notadamente a etapa mais cara do ensino básico; e o ensino médio, por exemplo.

O Brasil tem hoje cerca de 21 milhões de crianças de 0 a 6 anos, uma em cada três vivendo em situação de pobreza ou extrema pobreza. Não basta, portanto, que essas crianças estejam na escola.

A responsabilidade pelas políticas públicas voltadas à primeira infância é dos municípios, sejam elas de educação, saúde, assistência ou proteção integral.

A criação de um programa nacional voltado ao desenvolvimento das crianças de 0 a 6 anos, com o governo federal apoiando os municípios que se dispusessem a criar políticas públicas intersetoriais que apoiem as crianças e suas famílias, seria o melhor caminho.

Está em andamento uma parceria entre o Instituto de Psiquiatria da Universidade Columbia em Nova York e pesquisadores da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) sobre os efeitos das adversidades vividas na infância no desenvolvimento de doenças psiquiátricas e outros problemas de saúde ao longo da vida.

O objetivo principal do estudo, financiado conjuntamente pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos e pela Fapesp (Fundação de Pesquisa de São Paulo), é o de entender como experiências adversas de uma mãe na infância alteram o comportamento de seus genes e são transmitidas a seus filhos durante a gestação.

Estudos em animais já comprovam a transmissão intergeracional de desvantagens “impressas” nos genes a partir de experiências adversas.

Os estudos com humanos estão apenas no início, mas tendem a confirmar a hipótese do consórcio de pesquisadores brasileiros e americanos. Seu resultado certamente terá implicações poderosas para uma nova geração de políticas públicas para a infância.

Ampliar os programas de visitação de saúde da família, com a preparação dos agentes nas questões do desenvolvimento infantil, fortalecer a rede de proteção da primeira infância, articular programas sociais e de transferência de renda para que fortaleçam as famílias mais vulneráveis e garantam às mesmas construir um ambiente saudável para o desenvolvimento de seus filhos seriam as melhores iniciativas, ao lado da ampliação da educação infantil de qualidade.

Há experiências no Brasil, como a da cidade de Boa Vista e na América Latina, como é o caso do Programa “De Cero a Siempre” criado em 2011 na Colômbia, que podem servir de inspiração.

Em vez de olhar para as políticas de voucher adotadas no Chile nos anos 70, seria interessante que o governo federal procurasse o que há de mais novo na pesquisa e nas políticas públicas, no Brasil e no exterior.

O maior legado que podemos deixar ao país é garantir que toda criança possa crescer e se desenvolver com oportunidades iguais, em um ambiente saudável e livre da violência. Esse deveria ser nosso mantra.

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