Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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O Enem e o ministro caça-fantasmas

Se o ministro não xingasse a mãe de interlocutores, agredisse a imprensa e produzisse memes, teria uma agenda de trabalho importante pela frente

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“Esse foi, acho que dá para afirmar agora, o melhor Enem de todos os tempos, tanto em execução, operação, logística e também quanto à formulação, porque a gente até agora não está vendo uma crítica técnica, embasada, quanto às provas”. Assim o ministro Abraham Weintraub abriu a coletiva de imprensa sobre a prova do Enem de 2019.

Durou pouco. Na data de divulgação dos resultados, as redes sociais estavam coalhadas de mensagens de estudantes questionando as notas. No mesmo dia, ao comentar reportagem da Folha que apontou que o MEC não usou mais de R$ 1 bilhão recuperado na Lava Jato, Weintraub atacou o jornal e disse que gostaria que um dos jornalistas que assinava o texto deixasse a profissão virasse pipoqueiro.

No dia seguinte, quem “pipocou” foi o MEC. Assumiu que havia erros decorrentes do manuseio dos cartões de resposta cometidos por parte da empresa contratada para a elaboração do exame e que eles seriam “pequenos", com algo em torno de 30 mil estudantes prejudicados.

 O ministro da Educação Abraham Weintraub durante entrevista coletiva em Brasília sobre o Enem
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, durante entrevista coletiva em Brasília sobre o Enem - André Coelho/Folhapress

Até o momento, não se sabe qual a extensão do problema e se ele será prontamente solucionado, o que gera insegurança e apreensão entre todos aqueles que dependem do resultado da prova para conseguir uma vaga na universidade.

Este é só mais um exemplo de uma gestão que tem se dedicado a caçar fantasmas, agredir opositores, cercear a imprensa e, ao lado do seu recém-demitido colega da Cultura, tentar aproximar a educação dos “verdadeiros valores da sociedade brasileira”. Enquanto isso, aquilo que importa é deixado de lado.

O Inep, importante órgão técnico responsável pela elaboração e implantação da prova, está em seu quarto presidente em um período de um ano. A diretoria responsável pela prova ficou meses desocupada. No Ministério da Educação há uma porta giratória, com trocas constantes.

Sua cruzada permanente contra a ciência e a universidade pública é acompanhada pela “fuga de cérebros” do país. Os que permanecem têm que se ver com a limitação cada vez maior de recursos. Uma portaria publicada em 31 de dezembro do ano passado limita a participação de pesquisadores em congressos e eventos científicos, mesmo que sem ônus financeiro.

Quem sofre ainda mais com isso são as políticas de ensino básico. Se nosso ministro usasse o tempo que usou nas redes sociais xingando a mãe de interlocutores, agredindo a imprensa e produzindo memes de gosto duvidoso para a educação, teria uma agenda de trabalho bastante importante pela frente.

A informatização do Enem foi anunciada há meses. É uma boa medida. O problema é que não há itens de prova em número suficiente. Mais do que isso, não há itens pré-testados para que possam ser validados e utilizados na prova. Ou seja, é pouco provável que isso ocorra no curto prazo.

A implementação da Base Nacional Curricular Comum, que visa garantir os direitos de aprendizagem dos estudantes, foi deixada de lado.

O Fundeb, principal mecanismo de financiamento da educação, vence este ano. O MEC se ausentou das discussões e agora ensaia colocar uma nova proposta para rediscutir o tema.

O fundo precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional. Em um ano de eleições municipais, o calendário do Congresso é curto. Há, portanto, um risco real de o fundo ser aprovado de qualquer forma ou, pior, não ser aprovado, o que faria com que a esmagadora maioria dos municípios brasileiros iniciasse o ano sem recursos para salários dos professores.

Em 2021 vencem as metas de aprendizagem estabelecidas em 2007, quando da implementação do Ideb, o índice que mede a qualidade da educação no Brasil. Não há nenhum programa em andamento para avaliar a experiência ou para desenhar um novo indicador com base na realidade atual.

A Política Nacional de Alfabetização, lançada em 2019, é apenas uma carta de intenções, um trabalho de pesquisa e levantamento de evidências sem nenhum caminho para implementação real.

O Programa Nacional do Livro Didático, que custa bilhões ao país, poderia ser aperfeiçoado. Mas até o momento a intenção é aumentar o número de figuras, reduzir os textos, “retirar o conteúdo ideológico” e colocar a bandeira do Brasil em suas capas.

Infelizmente tudo isso não é só incompetência. É método, baseado na crença de uma identidade nacional moldada a partir da educação e da cultura. Algo novo em regimes democráticos, mas presente em ditaduras de esquerda e de direita ao redor do mundo.

Uma nação não se constrói apenas com a melhoria de sua economia no curto prazo. Para o bem do Brasil, a educação pública, a cultura e a imprensa livre devem ser tão relevantes como os indicadores econômicos. Ainda há tempo para que nossa elite abrace essa causa e para que nosso ministro dirija toda sua energia para os reais problemas da educação.

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