É repórter especial. Na Folha desde 1988, já trabalhou em política, ciências, educação, saúde e fotografia e foi editora de 'Mercado'. É autora de 'Jornalismo Diário', 'A Vaga É Sua' e 'Folha Explica Folha'.
O papa Francisco e a cracolândia
Alessandra Tarantino - 11.abr.2017/AP Photo | ||
O sem-teto Giuseppe, 53, lava roupas em lavanderia aberta pelo papa Francisco em Roma |
A travesti me abordou na entrada do café na rua Helvetia.
"Oi, linda, me dá R$ 8?"
"R$ 8? Por que não R$ 5 nem R$ 10?"
"É que eu quero tomar um banho. Custa R$ 8."
A moça levantou um problema que, soube depois, o papa Francisco tinha resolvido.
Quem mora na rua não tem onde tomar banho nem lavar as roupas.
Os R$ 8 que vão chuveiro abaixo pagariam almoço e janta por quatro dias seguidos num restaurante Bom Prato, do governo do Estado.
Como não há nem dinheiro nem torneiras sobrando por aí, os sem-casa estão condenados a andar sujos e a cheirar mal.
Daí para que eles sejam considerados exemplo da degradação do centro de São Paulo é um pulo.
Nas dezenas de entrevistas que fiz neste mês sobre a cidade, quase todos atribuíram aos mendigos a imagem ruim da região.
Mas quem realmente vive ou trabalha no centro logo faz a ressalva: "É mais a sensação, nunca tive problemas; na segunda noite, a caminho do estacionamento, já estavam cumprimentando".
Mesmo sem motivo real, o medo é causa concreta da dificuldade de revalorizar o centro.
Para poder andar pela cidade e contemplar o que ela tem, "é preciso diminuir um pouco a atenção e voltar o olhar mais para a observação", disse em entrevista à Folha Fabio Luchetti, presidente da Porto Seguro,
O grupo, cuja sede fica a duas quadras da cracolândia, abriu teatro e espaço cultural na região e criou uma associação para melhorar o bairro.
"O estereótipo do usuário de drogas ou morador de rua também é deteriorado. Mas acaba criando um clima de insegurança que não estimula o indivíduo a querer curtir e estar lá."
Não é difícil imaginar como esse estereótipo perderia força com mais água e sabão .
Foi o que fez o papa Francisco: há dois anos, abriu banheiros gratuitos, com chuveiro. Em abril deste ano, uma lavanderia com seis máquinas de lavar e secar roupas, detergente, ferros de passar e amaciante, de graça.
Por aqui, alguns tanques, sabão em barra e um varal já bastavam.
Não para resolver o complexo problema dos moradores de rua e muito menos o dos usuários de drogas, mas trariam mais saúde e bem-estar.
Assim como gentileza gera gentileza, bem-estar gera bem-estar. Desarma os ânimos, reduz a desconfiança e pode ser um primeiro pequeno passo para trazer mais vida à região.
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