É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
Escreve aos sábados.
Segunda chance
Era evidente que ia ocorrer algo grave. De um lado, as reivindicações urbanas que emergiram em junho, no rastro do movimento contra o aumento das tarifas, despertaram a energia dos jovens. De outro, o governo federal decidiu apertar o cinto dos gastos públicos.
Então, no protesto de sábado passado, aniversário de São Paulo, o destino se cumpriu. O estoquista Fabrício Chaves, 22, caiu com dois tiros. A PM afirma que foi atacada com estilete e reagiu em legítima defesa. O rapaz diz que só lançou mão do objeto perfurante depois de ser alvejado. É palavra contra palavra.
Seja qual for a verdade, nas duas partes parece haver disposição para a guerra, algo que passa longe da experiência europeia, em que "black blocs" e tropa de choque parecem ter aprendido a encenar uma espécie de violência controlada. Aqui, numa sociedade em que a criminalidade cresceu de maneira assustadora, a truculência fica sempre a um passo de explodir.
Por sorte, Chaves está fora de perigo e não foi ainda dessa vez que aconteceu uma morte no embate entre o movimento que deseja protestar contra a Copa e as forças de segurança. A pergunta é se vamos esperar inertes que ocorra uma fatalidade para então lamentar a incapacidade coletiva de encontrar soluções pacíficas quando há confronto social.
O caminho certo foi indicado e executado pela prefeitura paulistana no caso dos "rolezinhos". As partes foram chamadas a negociar e, depois de vencidas as resistências de praxe, foi anunciado um início de entendimento entre a garotada da periferia e a associação dos shoppings. Em troca de limitar o número de participantes, os lojistas aceitariam novos "rolezinhos" dentro dos centros de compras.
Nada garante que o acordo vá funcionar e é certo que a convergência nesse caso seja mais fácil, uma vez que não há teor ideológico explícito nas correrias dos "rolezeiros". No entanto, os atores políticos cumpriram o seu papel, legitimando os contendores e mediando o conflito. Com maior urgência, eles têm o dever de tentar o mesmo entre os organizadores dos protestos contra o Mundial e a PM.
Goste-se ou não, é um direito não querer a Copa no Brasil. Há muitas razões para imaginar que o escasso dinheiro público disponível seria mais bem empregado em escolas e hospitais padrão Fifa do que em estádios que depois ficarão vazios. Não obstante, com a mesma força dos fatos, o evento vai ocorrer, e mais: para boa parte da população será o momento de torcer em favor do país, dentro e fora do campo.
Em resumo, o embate existe e requer tratamento urgente. Se já não houvesse evidências suficientes de quão explosivo vai se tornar, as balas da última semana soaram como novo alerta.
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