É escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles 'Meio Intelectual, Meio de Esquerda' (editora 34).
Escreve aos domingos.
Horário de almoço
Os crachás eles guardaram —um meteu no bolso da camisa, outro no da calça, outro virou pras costas e cobriu com o casaco—, mas as fitas vermelhas estão todas à mostra, anunciando que não são meros pedestres, são funcionários de uma empresa. Na frente vêm a gostosona e o pegador. Ela oferece o Corneto, ele dá uma mordiscada e devolve. Logo depois, passam um gordinho careca, um magrelo dentuço e duas moças risonhas, conspirando por trás de suas palhas italianas: "Nada, o Cléber tá pegando é a Gisela, do RH!" "Mas que a Vanessa tá querendo... Ó lá, se abrindo toda?!" "Ah, se é eu..." "Se enxerga, Arthur!".
No sentido oposto vêm três jovens do mercado financeiro. Ternos bem cortados, pomada nos cabelos, sapatos refletindo o sol do meio-dia. Os de crachá vermelho saem do caminho. Os jovens do mercado financeiro olham pra gostosona. A gostosona olha pro Corneto. As moças risonhas olham pros jovens do mercado financeiro. O gordinho careca e o magrelo dentuço olham pro chão. O pegador olha pra frente e roça de leve na braguilha. Os jovens do mercado financeiro passam sem pressa, em silêncio.
Por um tempo a calçada fica vazia. Duas pombas atravessam a rua e bebem a água preta de uma poça. Uma delas bica uma bituca, pensa melhor, solta. Os estudantes de medicina se aproximam, em seus jalecos: um oriental, um ruivo, uma loira. Devem ter pouco mais de 20 anos, mas parecem a léguas da adolescência. "Que se dane a família! Primeiro entuba a velha, depois vê o que faz." As pombas esperam até que eles cheguem bem perto e saem voando, entediadas.
Duas garotas de uniforme escolar vêm logo depois dos estudantes de medicina. Fumam, conversam e teclam ao celular, ao mesmo tempo: "Tipo, cara, se ele falou que, tipo, ele ia, tipo, de boa, mas, tipo, não é porque, tipo, ele vai que eu, tipo, tenho que ir". Uma matraca anuncia o carrinho de doces, dobrando a esquina. As garotas de uniforme escolar param e esperam. "Que que é isso, tio, pudim?" "É bolo de mandioca" "Tem glúten?" "Vou ficar te devendo" "Não, tio: bolo de mandioca tem glúten?" Antes que venha a resposta, uma garota puxa a outra e elas saem andando, fumando, conversando e teclando no celular, ao mesmo tempo.
Um gordão sai do boteco, no meio do quarteirão. Tira um palito do bolso, mete na boca. Puxa a calça, dá uns tapinhas na barriga, como se parabenizasse um cachorro que acabou de trazer a bolinha. Três vendedoras vêm se equilibrando em seus saltos, com saias curtas e camisas justas, tomando sundays do McDonald's. O gordão as vê, cospe o palito, chupa uma carninha entre os dentes. Puxa a calça, de novo. Quando as três estão quase diante dele: "E aí, Jaqueline, pensou na minha proposta?" "Para com isso, seu Túlio, eu já disse que eu sou casada" "E eu já disse que eu não sou ciumento!". As três gargalham e passam. O gordão tira outro palito do bolso, mete na boca, sai caminhando na direção oposta: "É sério, Jaqueline! Eu caso!".
As pombas voltam à poça. A outra bica a bituca, pensa melhor, solta. A matraca do doceiro não parece assustá-las. De algum lugar, vem a vinheta do Globo Esporte.
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