bernardo ajzenberg
escreveu até março de 2004
Bernardo Ajzenberg é jornalista, escritor e tradutor. Trabalhou em publicações como "Veja", "Gazeta Mercantil" e, na Folha, foi ombudsman entre 2001 e 2004. Publicou, entre outros, os romances "Olhos secos" (2009), "Efeito suspensório" (1993) e "Duas novelas" (2011).
Os nós da Varig
A Varig vive, aos 75 anos, uma grave crise, talvez a pior de sua história.
cumula dívida de US$ 900 milhões. Só no primeiro semestre do ano, teve prejuízo de R$ 1,041 bilhão. A ocupação média dos vôos está em torno de 60%.
Os credores pressionam e ameaçam. O Senado discute o problema. O BNDES, banco estatal voltado para o fomento de empresas, admite algum socorro, desde que a companhia faça uma profunda reestruturação.
As divergências sobre a solução para a penúria são radicais, opondo, de um lado, a Fundação Ruben Berta (FRB), controladora da empresa, e, do outro, o seu Conselho de Administração. Houve duas trocas de presidente desde agosto.
Tudo isso demonstra que o tema é tão grave quanto polêmico.
Na terça-feira, num texto intitulado "A marcha da insensatez", Luís Nassif criticou a posição da FRB, que em assembléia no último dia 22 vetou um entendimento costurado pelo Conselho com os credores e o BNDES para "salvar" a empresa.
Na quarta, em texto chamado "No ar", Janio de Freitas fez o oposto: elogiou a recusa do plano por parte da Fundação.
Não vou expor nem discutir os argumentos dos dois colunistas -ambos integrantes do Conselho Editorial da Folha-, mas ressalto a existência da polêmica para destacar um outro problema: até que ponto o leitor entende o que se passa com a empresa pioneira da aviação no país, uma espécie de símbolo nacional ameaçado de sumir do mapa?
Teria o jornal fornecido fatos e história o suficiente para que ele, ao ler, por exemplo, as opiniões dos colunistas, pudesse chegar a um julgamento próprio, básico que fosse, sobre a questão?
O embate entre a FRB e o Conselho e a preocupação do governo com a Varig têm sido noticiados. Mas nenhuma explicação foi publicada -e isso vale para o conjunto da mídia- quanto às origens, causas, evolução de tamanho "buraco" da Varig, a qual não dá lucro desde 1997.
De onde vem o rombo? Como foi possível chegar a essa situação? Onde reside o principal das divergências internas na Varig?
Sem esses dados elementares, o leitor fica desarmado para entender os nós da Varig.
SUPERFICIAL
A surpreendente descoberta, desde o final de 2001, das bilionárias fraudes contábeis cometidas por empresas dos EUA (Enron, WorldCom, por exemplo) revelou, entre várias coisas, o quanto a imprensa, mesmo a especializada, tem dificuldade para acompanhar, captar tendências e expor o mundo real das corporações.
Nada indica que o caso Varig inclua fraudes, mas o problema, do ponto de vista jornalístico, é o mesmo: a frágil e superficial cobertura feita sobre a vida e a saúde dessas instituições.
Muito se especula a respeito de como o governo eleito lidará com a força do BNDES. A tendência, dizem especialistas, é que o banco adquira ainda mais peso econômico e político.
Se a cobertura sistemática, técnica e com qualidade da situação das empresas já era relevante, agora será essencial -inclusive no que toca à relação delas com as instituições oficiais.
O manejo da crise da maior, mais tradicional e mais famosa empresa aérea do país pode ser um primeiro grande teste, nesse terreno, para o governo Lula.
Para a imprensa, porém, a prova já começou faz tempo -e a avaliação, até aqui, parece distante de uma nota dez.
ESTÍMULO AO PRECONCEITO
A Folhinha publicou no sábado 23 uma interessante reportagem sobre economia, com dicas para poupar dinheiro da mesada, sua utilidade, seu sentido.
Parte do depoimento de uma menina despertou mal-estar em um pai-leitor, que a considerou "de caráter escandaloso".
Diz a criança: "Coloquei muito dinheiro no meu porquinho e, quando fui quebrá-lo, descobri que tinha sumido bastante dinheiro. Aí minha mãe desconfiou que foi a babá que tinha pegado o dinheiro".
Pergunta o leitor: "No meio de reportagens sobre como economizar dinheiro, o que este relato tenta passar às crianças? Que se deve desconfiar da babá, da empregada? Instaurar um preconceito social, um receio de que elas podem roubar o dinheiro da criança? Por que houve tal denúncia na Folhinha? Por que este fato privado, restrito à família, se tornou público para todos os leitores e principalmente para as crianças, que são o público-alvo do suplemento?".
Essas interrogações críticas, que embutem nelas próprias as respostas, fazem pleno sentido.
A editora do suplemento, Monica Rodrigues Costa, explica que, "normalmente, nas entrevistas, a Folhinha publica os comentários espontâneos das crianças desde que acredite que eles não desrespeitem o outro ser humano sobre quem a criança está falando".
"Ao publicar a declaração, o caderno acreditava que não estava desrespeitando ninguém e não percebeu", admite a editora, "que poderia estar disseminando o preconceito".
E acrescenta: "As reportagens, pelo menos nos últimos 15 anos, mostram que o caderno segue o projeto editorial da Folha de respeito ético entre as pessoas".
Talvez justamente por causa dessa trajetória, o deslize tenha chamado ainda mais a atenção daquele pai-leitor.
RELATÓRIO DA CHUVA
Começou, ao menos em São Paulo, a temporada de chuvas, com enchentes, queda de energia e caos no trânsito.
Na quinta-feira, houve mais de 50 pontos de alagamento. A capital ficou em estado de atenção. O congestionamento superou em 50% a média normal. Além da chuva, outros incidentes agravaram a situação.
A Folha registrou esses dados -e outros-, mas fraquejou em aspectos cruciais do noticiário sobre eventos que, como esses, afetam diretamente centenas de milhares de pessoas.
Faltaram, por exemplo, mapa dos pontos de alagamento, declarações de moradores e motoristas, cenas, a posição da Prefeitura sobre causas e responsabilidades (bueiros entupidos? Falhas de drenagem?).
Como em todo ano, o jornal será levado a noticiar situações semelhantes -mais ou menos trágicas- nos próximos meses. Seria ideal que fosse além do relatorial, das estatísticas, sempre repetitivas e previsíveis nessas perturbações urbanas.
ENCONTRO NO MÉXICO
Nesta semana participo no México do seminário internacional "O Defensor do leitor (ombudsman)", promovido pela Fundación para um Nuevo Periodismo Iberoamericano. Volto a atender os leitores dia 9. O departamento segue funcionando, aos cuidados da secretária Rosângela Pimentel, que dará encaminhamento às queixas e sugestões. A coluna volta dia 15.
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