bernardo ajzenberg
escreveu até março de 2004
Bernardo Ajzenberg é jornalista, escritor e tradutor. Trabalhou em publicações como "Veja", "Gazeta Mercantil" e, na Folha, foi ombudsman entre 2001 e 2004. Publicou, entre outros, os romances "Olhos secos" (2009), "Efeito suspensório" (1993) e "Duas novelas" (2011).
Trunfo no front
É cedo para avaliar a cobertura da guerra dos EUA contra o Iraque.
De imediato, chama a atenção a inclinação da mídia norte-americana a apoiar a ação de George W. Bush ou a ela se resignar -ainda que criticamente.
Da mesma forma, com exceção do Reino Unido (onde há divisão), a imprensa européia condena com veemência a operação Liberdade Iraquiana.
Não deixa de ser curioso o fato de que não foi a CNN, mas sim a RTP, TV estatal de Portugal, a primeira rede a exibir a imagem dos ataques iniciais.
No Brasil, os principais jornais têm sido desde o início, em editoriais, contrários ao conflito e ao unilateralismo de Bush.
O "chapéu" adotado pela Folha para a cobertura ao longo da semana vai nesse sentido: "Ataque do império". O do "Globo", mais ainda: "A guerra de Bush". Resta ver até que ponto essa opinião irá comprometer a isenção jornalística e o equilíbrio nas reportagens e análises publicadas.
A Folha tem, aí, um grande trunfo: é o único diário brasileiro, até o momento, a ter conseguido visto de entrada no Iraque a seus enviados especiais (o repórter Sérgio Dávila e o repórter-fotográfico Juca Varella).
Conforme relato da Secretaria de Redação, o pedido foi feito em 21 de janeiro, mas só em 3 de fevereiro, após vários contatos, a embaixada iraquiana em Brasília aceitou analisá-lo -exigindo o perfil dos repórteres.
Um sinal positivo foi dado em 13 de março, mas o visto só foi concedido em conversa "ao vivo" com os jornalistas pelo embaixador Jarallah al Obaidy no dia 15.
Dávila e Varella fizeram dois dias de curso de sobrevivência em situações de guerra e embarcaram para Londres, onde compraram coletes à prova de balas, capacetes, máscaras contra poeira radioativa e armas químicas e biológicas, além do equipamento de comunicação.
Chegaram à Jordânia na terça (18). Após 11 negativas, conseguiram que um motorista os levasse, por US$ 200, para o Iraque, pela rodovia Amã-Bagdá, a 140km/h.
Que o jornal, para o bem de seus leitores, faça um bom uso desse trunfo.
COM PITO, SEM PITO
Em duas reportagens, uma na segunda e outra na quarta, a Folha informou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva usaria a reunião ministerial da Granja do Torto, na quarta, para "chacoalhar" sua equipe, cobrar mais resultados e melhor desempenho.
Uma reportagem sobre os "bastidores" do encontro, na quinta, noticiava, no entanto, que "um esperado sermão light aos ministros não foi passado". Não teria havido, então, o anunciado "puxão de orelhas".
O fato poderia significar só uma mudança de rota no comportamento presidencial não fosse o contraste entre a informação da Folha e a do "Estado de S.Paulo" sobre o mesmo evento.
Sob o título "Lula pede a ministros mais ação e menos futrica", o jornal concorrente informava que, "durante a reunião, o presidente também passou um "pito" nos colaboradores que não resistem aos holofotes...".
Qual dos jornais se teria deixado induzir a divulgar notícia errada por uma ou outra versão de participantes da reunião?
Como é que veículos de comunicação sérios chegam a informações tão nitidamente opostas sobre um único evento?
O pano de fundo do desencontro parece estar no modo de apuração das informações, no grau de confiabilidade das fontes e na checagem de suas revelações.
Um dos grupos de leitores (o da Folha ou o do "Estado") saiu mal-informado. Quem lê os dois jornais ficou no mínimo confuso.
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